A outra face do retorno aos anos 80

Ritchie, Guilherme Isnard (do Zero) e os grupos Finis Africae e Uns & Outros se juntam, de mansinho, ao revival do pop daquela década

Marco Antonio Barbosa
19/06/2002
Há a face ensolarada do revival dos anos 80. O Capital Inicial está de volta após o estouro do Acústico MTV ouvir 30s, que vendeu mais de dois milhões de cópias. O RPM, o maior nome do pop brasileiro da década de 1980, também retornou, marcando a volta (mais uma) de Paulo Ricardo ao rock. E há a face mais à sombra desta mesma onda de "recordar é viver". Artistas que tiveram um dia seu lugar ao sol há cerca de 15 - às vezes mais - anos também reivindicam o direito a um comeback. De modo mais modesto que o Capital e o RPM, claro. O cantor Ritchie, megasucesso nacional no começo dos anos 80 com hits como Menina Veneno e Vôo de Coração, está de volta - com direito a disco de inéditas. Entre o saudosismo e a retomada concreta da carreira, o grupo Uns & Outros, de breve êxito com Carta aos Missionários (1989), também solta um novo álbum. O Finis Africae - primo pobre da geração de ouro do rock de Brasília - excursiona para promover seu álbum ao vivo ouvir 30s ,recém-lançado. E Guilherme Isnard, para sempre o vocalista do Zero, encara o desafio de uma carreira solo seguindo os passos (e o repertório) de seu antigo grupo. E como andará a vida para estes veteranos, que apostam suas fichas no vácuo oitentista criado pela ressurreição do Capital Inicial? É o que Cliquemusic pergunta.

Ritchie: fidelidade a si mesmo
O inglês Richard David Court - o Ritchie - estava há nada menos que 12 anos sem pisar num estúdio. Até gravar, nos primeiros meses deste ano, Auto-fidelidade que sai agora pela DeckDisc. "Não faltaram convites de selos grandes para que eu voltasse a gravar. Mas todos queriam que eu fizesse exatamente o que sempre me recusei: releituras de minhas próprias músicas", conta Ritchie, avesso à idéia de regravar, mais uma vez, Menina Veneno e quetais. "Meu trabalho evoluiu neste tempo em que estive fora da mídia e acho que, se quero mostrar algo, tem que ser o que o público ainda não conhece", afirma o cantor, que ainda brinca: "A Menina Veneno já está com 20 anos (referindo-se ao ano do estouro da canção, 1982) e está bem grandinha para caminhar sozinha. Não precisa de mim para mais nada." Mesmo tendo rejeitado o canto de sereia das majors, Ritchie passou a cogitar um retorno depois de participar de um show do Ira!, em 1999. De maneira quase natural, associou-se à gravadora DeckDisc (a mesma do Ira!) e passou a definir, com o produtor Rafael Ramos, a lista de canções que fariam parte do disco novo.

O repertório de Auto-fidelidade peneira a produção musical que Ritchie criou ao longo dos anos 90. "São canções compostas há seis, sete anos, e que estavam engavetadas", conta. No lote, vêm parcerias com Erasmo Carlos, Nelson Motta, Ronaldo Bastos e Alvin L. A pegada do disco é mais roqueira, diferente do tecnopop no qual o cantor fundamentava suas canções nos anos 80. "O disco foi composto todo ao violão, enquanto antigamente eu usava sintetizadores. Tenho preferido esse processo mais natural, interiorizado, de composição", relata. Encaixam-se também cinco canções no idioma pátrio de Ritchie. "Era um velho sonho, cantar em inglês aqui. Nunca tinha gravado (em inglês) em toda a minha carreira solo", diz, referindo-se a faixas como Give It All Back e Radar Radar. Resta agora ao cantor esperar como o público vai recebê-lo, uma vez mais. "As pessoas ainda se lembram de mim e gostam de meu trabalho; nunca deixei de ter contato com o público durante esses anos. Agora eu dou continuidade a uma carreira que, na realidade, nunca chegou a parar", afirma Ritchie.

Isnard: intimismo solo nos palcos
O caso de Guilherme Isnard é, mais atípico ainda que o de Ritchie. O crooner do Zero, grupo que estourou em 1986 com Agora Eu Sei, está na estrada com um show solo, que já teve temporadas no Rio e em São Paulo. Trata-se na verdade da terceira vinda de Guilherme, que remontou o Zero em 2000 para lançar o disco Electro Acústico ouvir 30s. "Estou na guerrilha, lutando sem gravadora e contando com os meios de comunicação alternativos. Quero viabilizar minha carreira do jeito que der", relata Isnard. No espetáculo que está apresentando, o cantor relê o antigo repertório do Zero (Quimeras, Carne Humana, Formosa) e mostra algumas composições inéditas em disco, aproximando-se da MPB. "Tenho feito uma safra de sambas bizarros, totalmente inesperados, ao longo dos últimos anos", conta Isnard.

Electro Acústico, como Guilherme explica, foi uma forma de apresentar às novas gerações o som do Zero. "Os discos originais (Passos no Escuro, de 86, e Carne Humana, de 87) estão fora de catálogo. O pior é que estão sendo pirateados em CD a torto e a direito. A molecada quer ouvir o Zero, conhecer as músicas antigas. Só voltamos a pedido dos fãs", queixa-se. Gravado de forma independente, o disco ultrapassou as dez mil cópias vendidas, mas a banda não re-engrenou. "A formação estava desencontrada, cada um mora num canto. Quis formar uma agenda de shows, mas não deu certo. Fiquei bem deprimido com isso", lembra Isnard. Ainda assim, o cantor não se entregou. "Adaptei o repertório para este meu show solo, num formato pocket, só com o Rick Villas (guitarrista do Zero) e o percussionista Jorge Pescara. É um meio eficaz de promover o Eletroacústico", acredita o vocalista.

Quanto às possíveis maledicências sobre o (suposto) oportunismo deste incomum retorno, Guilherme Isnard rebate com uma historinha: "Em 2000, na hora em que remontamos o Zero, a primeira pessoa com quem pensamos em colaborar foi o Paulo Ricardo (o vocalista do RPM cantou com Isnard na versão original de Agora Eu Sei). Ele recusou e me disse: 'Olha, cara, nem é por mim não, é que estou em outro momento agora, numa onda de cantor romântico... acho que não seria positivo pra vocês associarem sua imagem a mim'. E agora o sujeito volta a cantar rock, como se nada tivesse acontecido... Tudo bem, vai ver ele mudou de idéia, continuamos amigos", ironiza Guilherme. Oportunismo de quem, cara-pálida?

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