A Tribo de Jah e o rei do reggae

Grupo lança tributo a Bob Marley cheio de convidados especiais

Marco Antonio Barbosa
05/06/2001
Afinal, o que representa para um grupo de reggae fazer um tributo a Bob Marley? É redundância pura ou declaração de amor incondicional? O que há a acrescentar à obra do rei do reggae? E como lidar com a inevitável gritaria dos fanáticos, que cobram fidelidade e coerência ao som original? Tudo isso passou pelas cabeças dos integrantes do grupo Tribo de Jah, que está lançando seu sétimo CD. Já a partir do título, os maranhenses da Tribo abrem o jogo: afinal o disco chama-se A Bob Marley amostras de 30s, e das 16 músicas, 15 são de Bob (e a 16º, de autoria do grupo,  é em sua homenagem).

"Hesitamos muito antes de decidir gravar este disco. Sabíamos que seria um desafio enorme, reinterpretar as canções de um cara que é nosso maior ícone musical", diz o vocalista da Tribo, Fauzi Beydoun, que dá detalhes sobre sua apreensão: "Nem preciso citar o quanto essas músicas que escolhemos para o álbum nos influenciaram, pessoal e artisticamente. E ainda havia um outro problema, o da carga ideológica das letras, que traziam pensamentos com os quais nem sempre concordávamos. Ao mesmo tempo, não poderíamos deturpar as mensagens de Bob, que eram muito importantes dentro de sua música".

Mas se havia tanta dificuldade assim, por que gravar, afinal? "Apesar de nossa hesitação, homenagear Bob Marley era necessário para nós. Já faziamos tributos espontâneos, sempre a cada dia 11 de maio (data de morte de Marley) e nunca deixamos de tocar as músicas dele ao vivo", explica Fauzi. "Este ano, como se completam 20 anos da morte dele, tomamos coragem e resolvemos gravar. Acho que no final acabamos nos superando", conclui.

Coragem vinda também da força dada por convidados muito especiais. Talvez o mais especial deles seja o jamaicano Junior Marvin, membro dos Wailers (a banda de Marley), que tocou e conviveu com o rei do reggae. O guitarrista e vocalista participou de três faixas do álbum. Do cenário pop nacional, o grupo convidou Samuel Rosa (Skank), Falcão (O Rappa) e Chorão (Charlie Brown Jr.), além do tecladista "residente" dos Paralamas do Sucesso, João Fera. "Tocar com o Junior Marvin foi trabalhar com uma lenda viva. O cara sabe tudo de reggae, o tempinho que a gente passou com ele deu para aprender muita coisa", diz Fauzi. "Nem acreditei quando ele topou o convite para dividir o palco conosco".

Os outros convidados vieram por caminhos distintos. "O próprio Samuel, que é muito fã e amigo também da Tribo, 'se convidou' para o disco. Foi muito bom, sempre admiramos o trabalho dele. Já com o Falcão foi diferente: nós não o conhecíamos. Eu sempre gostei do Rappa e sou muito amigo do Marcelo Yuka, mas não tinha encontrado o Falcão. Quando nós o convidamos, soube que ele também gostava do nosso som", lembra Fauzi. Samuel e Falcão participam respectivamente de Um Só Amor e Guerra. "O Chorão eu conheci em bastidores de shows, ele sempre foi um cara legal. Fui ouvir o Charlie Brown Jr. através dos meus filhos, que são fãs da banda, e percebi que eles tinham um elemento reggae no som. Acabou rolando uma empatia", fala Fauzi. Chorão cantou em Mundo em Confusão.

O disco foi gravado metade ao vivo, metade em estúdio. O show ouvido no CD foi em Porto Alegre, em março deste ano (e já é o segundo registro ao vivo do grupo, depois de Tribo de Jah Ao Vivo - 2000 Anos, de 1999). "Temos um fã-clube enorme no Rio Grande do Sul. Sempre falávamos que, se gravássemos outro disco ao vivo, seria com o público gaúcho. Só não imaginávamos que seria tão cedo", fala Fauzi. O "fã-clube enorme" de que o vocalista fala não é exagero: há tempos que a Tribo de Jah deixou de ser apenas "aquele grupo maranhense só de músicos cegos", e se intitula como "a maior banda de roots reggae do Brasil".

Um fator delicado do disco foi a transposição das letras de Marley para o português. Das 15 músicas de Bob incluídas no CD, 10 ganharam versão brazuca. "Queríamos ser fiéis aos 'testemunhos' que Bob fazia em suas letras. Fomos muito cuidados em assimilar o conteúdo ideológico do que ele cantava", diz Fauzi. "Ao mesmo tempo, não queríamos só fazer covers iguaizinhos aos originais. Seria redundante". Ainda assim, algumas das faixas ficaram no idioma natal de Marley. "Teve casos em que ficou impossível fazer versão. Como traduzir Is This Love, por exemplo? Houve gente que já tentou e ficou horrível", afirma Fauzi.

A intimidação dos fãs, que a Tribo tanto temia antes de gravar o disco, acabou não acontecendo. "A reação ao disco e aos shows tem sido muito boa. Mas cheguei a receber uma carta de um fã reclamando - mas não por causa do que fizemos com as músicas do Bob Marley, e sim porque não devíamos fazer tributo a ninguém. Ele dizia que já temos nosso próprio trabalho e não precisamos disso". Melhor assim, não é, Fauzi?