A vez e a voz do subúrbio
Marquinhos de Oswaldo Cruz valoriza a tradição dos pagodes suburbanos em seu disco de estréia, e acredita em um novo momento para o samba de raiz
Nana Vaz de Castro
22/12/2000
Respaldado pelo acolhimento das velhas guardas do samba, o compositor Marquinhos de Oswaldo Cruz sentia-se à vontade no Cafofo da Surica, em Madureira (RJ), onde recebeu, sob um sol implacável de dezembro, a imprensa e convidados para falar sobre seu disco de estréia, Uma Geografia Popular(Rob Digital) (leia crítica). O CD na verdade era esperado há bastante tempo (começou a ser gravado há mais de um ano), criando um clima de expectativa que só aumentava à medida que Marquinhos continuava freqüentando as rodas de samba da cidade e cantando suas composições e desfiando improvisos ao lado do amigo inseparável Renatinho Partideiro.
Organizador do Pagode do Trem, que há alguns anos comemora o Dia Nacional do Samba (2 de dezembro), Marquinhos não gosta da palavra "resgate" ("nós não somos bombeiros para resgatar nada"), e prefere "recriação". O próprio pagode do trem seria, assim, uma "recriação" da tradição iniciada por Paulo da Portela (1901-1949), que, na falta de opções para tocar o perseguido samba nos "anos de chumbo" da repressão contra a batucada, reunia os sambistas nos vagões que saíam da Central do Brasil e saía tocando estações afora, até Oswaldo Cruz. Este ano o evento tomou proporções inimagináveis para o lendário fundador da escola azul-e-branca: teve apoio de diversos patrocinadores, cobertura da imprensa, e juntou, segundo Marquinhos, 15 mil pessoas. "Gente demais, samba de menos", dizem as más línguas.
Tradição oral
O sambista entretanto vê com bons olhos o que acredita ser um movimento de revitalização dos subúrbios cariocas e sua memória e tradição. "Isso sempre se manteve através da oralidade, e não da escrita", acredita. Foi com esse objetivo que procurou fazer através do repertório de seu disco uma "viagem pelo subúrbio", retratando todos os seus momentos: a noite (Enquanto a Cidade Dorme, de Jair do Cavaquinho e Nelson Cavaquinho) emendando na manhã seguinte (Manhã Brasileira, de Manacéa, Luz de Verão, parceria póstuma de Marquinhos com Candeia), o ambiente bucólico (O que os Olhos Não Podem Ver, de Marquinhos e Carlos Bezerra e Meu Bairro, de Casquinha), o amor (Minha Querida, de Manacéa) e, claro, o trem (Décima Sexta Estação e Uma Geografia Popular, ambas de Marquinhos).
"O que me preocupa é a perda de referenciais simbólicos que foi acontecendo aos poucos com as comunidades que moravam no centro do Rio e que, com as reformas urbanísticas, foram sendo alocadas nos subúrbios", explica Marquinhos. Para ele, a contrapartida cultural desse fenômeno foi o declínio dos legítimos pagodes suburbanos, e conseqüentemente a queda de produção entre os compositores locais. "Agora estamos retomando a onda dos pagodes, das improvisações... até mesmo os shows são importantes para nos aproximarmos mais do público da comunidade", acredita.
Com discurso politicamente engajado, recorrendo com freqüência às idéias de exclusão social, classes populares etc., Marquinhos lembra que historicamente o extrato social menos favorecido da população só tinha seu momento de glória durante a euforia do carnaval, quando as escolas, fincadas na comunidades pobres, brilhavam. "Agora só há gente da comunidade nos desfiles nas alas de crianças, baianas e bateria – e, é claro, no apoio, empurrando carro. Ou seja, nem mais na folia se é rei", analisa.
Mas demonstra um pouco mais de otimismo ao falar, quem diria, do mercado fonográfico, relacionado ao segmento samba: "Até pouco tempo, para ganhar dinheiro com samba, o cara tinha que, de certa forma, ‘se corromper’. Agora acho que surge um novo momento, onde é possível ser mais autêntico, e também agora pode-se ter uma produção de mais qualidade. E ainda há gravadoras como a Rob, que acreditam nesse tipo de trabalho".
Cioso da preservação das raízes do samba de Madureira – passando por Paulo da Portela, Manacéa, Candeia –, Marquinhos não se lembra de ter ouvido nada de interessante em matéria de samba feito fora do Rio de Janeiro. Mas se empolga ao ver que em São Paulo (pelo menos no circuito dos Sesc), o público de samba parece ser mais heterogêneo do que no Rio, onde é formado majoritariamente por universitários. "Fiquei impressionado com o show da Velha Guarda [da Portela] no Sesc Belenzinho. O público lá era realmente a massa", admira-se. Resta saber quem será o seu público. O show de lançamento de Uma Geografia Popular acontece só em fevereiro, no Teatro Rival.
Organizador do Pagode do Trem, que há alguns anos comemora o Dia Nacional do Samba (2 de dezembro), Marquinhos não gosta da palavra "resgate" ("nós não somos bombeiros para resgatar nada"), e prefere "recriação". O próprio pagode do trem seria, assim, uma "recriação" da tradição iniciada por Paulo da Portela (1901-1949), que, na falta de opções para tocar o perseguido samba nos "anos de chumbo" da repressão contra a batucada, reunia os sambistas nos vagões que saíam da Central do Brasil e saía tocando estações afora, até Oswaldo Cruz. Este ano o evento tomou proporções inimagináveis para o lendário fundador da escola azul-e-branca: teve apoio de diversos patrocinadores, cobertura da imprensa, e juntou, segundo Marquinhos, 15 mil pessoas. "Gente demais, samba de menos", dizem as más línguas.
Marquinhos e integrantes da velha guarda |
O sambista entretanto vê com bons olhos o que acredita ser um movimento de revitalização dos subúrbios cariocas e sua memória e tradição. "Isso sempre se manteve através da oralidade, e não da escrita", acredita. Foi com esse objetivo que procurou fazer através do repertório de seu disco uma "viagem pelo subúrbio", retratando todos os seus momentos: a noite (Enquanto a Cidade Dorme, de Jair do Cavaquinho e Nelson Cavaquinho) emendando na manhã seguinte (Manhã Brasileira, de Manacéa, Luz de Verão, parceria póstuma de Marquinhos com Candeia), o ambiente bucólico (O que os Olhos Não Podem Ver, de Marquinhos e Carlos Bezerra e Meu Bairro, de Casquinha), o amor (Minha Querida, de Manacéa) e, claro, o trem (Décima Sexta Estação e Uma Geografia Popular, ambas de Marquinhos).
"O que me preocupa é a perda de referenciais simbólicos que foi acontecendo aos poucos com as comunidades que moravam no centro do Rio e que, com as reformas urbanísticas, foram sendo alocadas nos subúrbios", explica Marquinhos. Para ele, a contrapartida cultural desse fenômeno foi o declínio dos legítimos pagodes suburbanos, e conseqüentemente a queda de produção entre os compositores locais. "Agora estamos retomando a onda dos pagodes, das improvisações... até mesmo os shows são importantes para nos aproximarmos mais do público da comunidade", acredita.
Com discurso politicamente engajado, recorrendo com freqüência às idéias de exclusão social, classes populares etc., Marquinhos lembra que historicamente o extrato social menos favorecido da população só tinha seu momento de glória durante a euforia do carnaval, quando as escolas, fincadas na comunidades pobres, brilhavam. "Agora só há gente da comunidade nos desfiles nas alas de crianças, baianas e bateria – e, é claro, no apoio, empurrando carro. Ou seja, nem mais na folia se é rei", analisa.
Mas demonstra um pouco mais de otimismo ao falar, quem diria, do mercado fonográfico, relacionado ao segmento samba: "Até pouco tempo, para ganhar dinheiro com samba, o cara tinha que, de certa forma, ‘se corromper’. Agora acho que surge um novo momento, onde é possível ser mais autêntico, e também agora pode-se ter uma produção de mais qualidade. E ainda há gravadoras como a Rob, que acreditam nesse tipo de trabalho".
Cioso da preservação das raízes do samba de Madureira – passando por Paulo da Portela, Manacéa, Candeia –, Marquinhos não se lembra de ter ouvido nada de interessante em matéria de samba feito fora do Rio de Janeiro. Mas se empolga ao ver que em São Paulo (pelo menos no circuito dos Sesc), o público de samba parece ser mais heterogêneo do que no Rio, onde é formado majoritariamente por universitários. "Fiquei impressionado com o show da Velha Guarda [da Portela] no Sesc Belenzinho. O público lá era realmente a massa", admira-se. Resta saber quem será o seu público. O show de lançamento de Uma Geografia Popular acontece só em fevereiro, no Teatro Rival.