A volta de Moacir Santos

Há mais de 30 anos radicado nos EUA, o mítico arranjador pernambucano vai a João Pessoa participar de disco em que o grupo J.P.Sax homenageia saxofonistas brasileiros

Tárik de Souza
09/06/2000
Parceiro de Vinicius de Moraes (que o exaltou no Samba da Benção) em Se Você Disser Que Sim, Triste de Quem, Lembre-se, autor do clássico da afro-bossa Nanã, mestre de sumidades como Baden Powell e Paulo Moura, o maestro Moacir Santos, radicado nos EUA desde o fim dos 60, está em João Pessoa, na Paraíba onde fica até o final do mês. Veio a convite dos integrantes do grupo local J.P.Sax, que engatilha um CD dedicado ao trajeto do sax no Brasil. Afetado há cinco anos por um acidente vascular-cerebral que o impediu de tocar ("Não posso escrever com a mão direita"), Moacir participará do disco como autor.

Solista do LP Coisas ouvir 30s, de 1965, onde numerava as músicas (Coisa n.1, 2, 3...) como os opus da área erudita, ele compôs para o disco do J.P. Sax o Excerto no. 1 em que homenageia o falecido saxofonista Jorginho (Jorge Ferreira da Silva), que tocou com ele em Coisas. "Ele não tinha o toque agressivo do Paulo Moura, que eu também admiro muito", distingue Moacir, por telefone de João Pessoa. Articulando com um pouco de dificuldade as frases, mas ostentando a mesma bela voz – elogiada por Radamés Gnattali e Henry Mancini – que introduz o Samba do Carioca na trilha original da peça Pobre Menina Rica, de Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, ele mesmo descreve a peça que compôs: "tem uma introdução sonhadora, depois um chorinho e uma coda. É uma pequena suite brasileira, apropriada para quarteto de sax", sintetiza. Moacir também contribui com Amalgamation (A Tribute to The Gahndarvas). "São seres que ajudam os músicos, está no Dicionário de Teosofia da Helena Blavatsky", ensina.

Hospedado na casa dos padrinhos de seu casamento ("eu e a paraibana Cleonice estamos juntos há 53 anos", exulta) no bairro Jaguaribe, ele credita uma sensível melhora na saúde ao ambiente amigável, familiar e as conversas de fim de tarde com todo mundo reunido. "Quando voltar para Los Angeles, dia 28, já estarei bom", acredita. A cidade lhe traz recordações agradáveis. Pernambucano de Vila Bela, nascido em 1924, criado em Flores do Pajeú, ele fugiu de casa aos 14 anos para João Pessoa onde ingressou na Força Pública. "Assim me tornei cidadão brasileiro", admite o músico que estudou com Guerra Peixe, foi assistente do vanguardista alemão Koellreuter e atuou por 18 anos na rádio Nacional, a meca dos instrumentistas nacionais. Além de Baden e Paulo Moura, Nara Leão, Airto Moreira e Eumir Deodato estiveram entre seus alunos.

Sem discos em catálogo no Brasil
Nos EUA, além de gravar no requintado selo Blue Note discos como The Maestro ("só a indicação para o Grammy já me valeu como se o prêmio tivesse sido ganho", avalia), Saudade e Carnaval dos Espíritos continuou sua atividade de professor. Apesar de pouco badalado, sua condição de mestre freqüentemente é evocada, como nas homenagens a ele realizadas pelo Free Jazz em 1985 e no projeto Memória Brasileira – Série Arranjadores, de 1992. Lamentavelmente seu único disco solo brasileiro nunca foi relançado em CD por aqui. "Mas há um band leader de um octeto em Columbus, Ohio que é meu fã e garantiu que vai conseguir edita-lo nos Estados Unidos", informa o resignado Moacir.

Formado há seis anos em João Pessoa, o J.P. Sax que estreou em CD em 1998, prepara pelo mesmo selo CPC/UMES esta homenagem ao instrumento comum ao grupo. "O disco sai em novembro, ainda não tem nome e conta a história do sax no Brasil desde Anacleto de Medeiros, Pixinguinha, Severino Araújo, Victor Assis Brasil, Moacir Santos e Paulo Moura", enumera o sax-alto José de Arimatéia, o Teinha, também por telefone de João Pessoa. Os outros integrantes dos sopros são João Leite Ferreira (soprano), Rivaldo Dias (tenor) e Heleno Feitosa (barítono) e há ainda a percussão de Hermes Medeiros. Participam do disco o multisopros e arranjador paulista Nailor Proveta e o sax-alto pernambucano Edson Rodrigues. O carioca Carlos Malta e o ás do frevo Duda, do Recife, também mandaram músicas para eles. "Acho que o sax tem uma voz brasileira que sairá deste disco", garante Arimatéia.