A volta de Ney ao mundo de Cartola, agora ao vivo

O cantor lança em DVD e CD registro do espetáculo no qual recria sambas clássicos do compositor mangueirense

Marco Antonio Barbosa
17/04/2003
"Tudo relacionado a Cartola para mim é uma surpresa", afirmou no ano passado Ney Matogrosso, quando do lançamento de seu álbum ...Interpreta Cartola. Mas agora não chega a ser surpresa a chegada às prateleiras de CDs o disco Ney Matogrosso Interpreta Cartola Ao Vivo (Universal), registro do show baseado no trabalho homônimo. Em ambos os discos, o cantor empreende um mergulho emocionado na obra do maior sambista mangueirense, ícone do partido alto carioca. Diferentemente da regra do mercado, entretanto, a versão de palco do tributo a Cartola não é apenas um souvenir oportunista. "Trata-se do projeto mais arriscado de minha carreira. Ninguém, nem eu, achava que haveria tamanha receptividade à obra de Cartola, um compositor que eu julgava esquecido pelo grande público", afirmou Ney em entrevista coletiva para promover o disco ao vivo.

O álbum foi gravado em novembro de 2002, numa apresentação feita no Centro Integrado de Cultura de Florianópolis (SC), produzida por João Mário Linhares e Zé Nogueira. Acompanhado de Ricardo Silveira (violão e arranjos), Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Zé Nogueira (sax-soprano), Jorge Helder (baixo e cavaquinho) e Zero (percussão), Ney desfia de forma reverente o repertório do disco original: O Sol Nascerá (A Sorrir), Sim, Cordas de Aço, O Mundo É um Moinho, As Rosas Não Falam, Ensaboa e vários outros clássicos. "Mantive-me excessivamente respeitoso às canções. Também não queria que os arranjos tivessem ênfase na percussão, optei por colocar poucos instrumentos, ficar num registro sutil. A riqueza das composições, das melodias e das letras, é o que importa mais", conta Ney.

Outras canções foram agregadas ao show, completando o panorama da obra de Cartola. "Algumas eu inclui por serem emblemáticas demais, apesar de terem ficado de fora do disco original. Não Quero Mais Amar a Ninguém, por exemplo, é uma delas", diz o cantor. Outras vieram por sugestões externas. "Autonomia, um dos grandes sucessos do Cartola, eu coloquei no show por sugestão pessoal de Dona Zica", relembra Ney, referindo-se ao contato que teve com a viúva de Cartola, falecida em janeiro último. Basta de Clamares Inocência, Amor Proibido e Preciso me Encontrar - esta última de Candeia, mas que era uma das favoritas pessoais de Cartola - completam as adições.

O álbum ao vivo acaba eternizando um show que o próprio Ney pretendia manter em segredo. "Minha idéia era fazer só quatro apresentações, não queria montar uma turnê. Achava que minha relação com a obra do Cartola esgotava-se no disco original", disse o cantor. "Mas fiquei realmente surpreso ao ver a receptividade do público, especialmente da gente mais jovem. Só posso creditar isso à qualidade, à importância da música de Cartola". As quatro apresentações acabaram virando cerca de 80, lotando teatros pelo país e chegando a fazer uma curta passagem por Portugal ("O universo de Cartola é semelhante ao do fado, acho que os portugueses o compreenderam muito bem", arrisca Ney).

Junto ao CD, a inevitável versão em DVD também chega às lojas. É possível conferir a atitude reverente que Ney mantém no palco, num clima de recital. Quem se acostumou a ver o cantor saracoteando, seminu, pode estranhar. "No fim das contas, acho que até podia ter me soltado mais", reflete o cantor. Junto ao registro da apresentação - que vem na íntegra, incluindo um bis de cinco músicas -, o DVD traz de extra o documentário Ney Conta Cartola. No vídeo, o cantor narra a vida difícil e a obra riquíssima de Angenor de Oliveira, sambista-símbolo da Estação Primeira de Mangueira. Depoimentos de artistas e personalidades que conheceram e conviveram com Cartola são apresentados. Um making-of do show completa o DVD.

O futuro reserva muitos planos para Ney. O já anunciado disco que fará em parceria com o grupo Pedro Luís & A Parede será, certamente, seu próximo lançamento. "Estamos na fase de selecionar músicas, estou revendo o repertório de compositores como Itamar Assumpção, Fred Martins e Alzira Espíndola, além de inéditas do próprio Pedro e do pessoal do Monobloco", adianta Ney. O novo disco deve trazer também uma versão de Sangue Latino, clássico do Secos & Molhados. Outros dois trabalhos estão na fila de espera: o disco com canções inéditas deixadas por Cazuza, que foi adiado em prol da gravação com Pedro Luís, e um álbum só com canções românticas consagradas de nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Bosco, Djavan e Roberto Carlos. Ambos ainda não tem previsão de sair do papel.