AfroReggae celebra 10 anos com muita música

A banda-símbolo do grupo cultural carioca conta seus planos para 2003 e fala sobre seu trabalho social

Marco Antonio Barbosa
08/01/2003
Não, não foi ontem que uma chacina ocorrida na favela carioca de Vigário Geral (RJ) acabou por gerar o AfroReggae: na verdade, já faz dez anos. Em janeiro de 1993 saia do papel o Grupo Cultural AfroReggae, que se transformou com o passar dos anos em um verdadeiro complexo policultural de ativismo social, dando exemplos de ação de cidadania não apenas para o Brasil, mas também para todo o mundo. Parte fundamental de toda a movimentação do AfroReggae - a bem dizer, sua "imagem pública" - é a banda de mesmo nome (surgida em 1995), ponta de lança de um movimento musical que reúne outros três grupos já consolidados (AfroReggae II, Afro Lata e Afro Samba). E que já se tornou um marco na utilização consciente da música como instrumento de formação da cidadania. Neste momento em que o GCAR completa dez anos (com direito a uma extensa programação de eventos comemorativos este mês, no Rio de Janeiro), a Banda AfroReggae recarrega suas baterias para um 2003 cheio de planos.

"A nossa grande questão é saber que convite aceitar primeiro", diz José Junior, coordenador executivo do GCAR e porta-voz oficial da Banda AfroReggae. "Fomos convidados para desfilar no carnaval de Trinidad e Tobago, uma viagem e tanto. Mas também estamos convocados a tocar no carnaval da Bahia, o que para nós será mais vantajoso em termos de visibilidade." Sempre lembrando que para a banda, visibilidade é um ponto-chave na divulgação do trabalho social do GCAR. "Fomos o primeiro grupo formado em uma favela que conseguiu o apoio de uma gravadora multinacional (a Universal Music, que lançou o álbum Nova Cara ouvir 30s em 2000). Isso é uma conquista única em todo o mundo. Quanto mais nós aparecemos na mídia, mais estamos rompendo fronteiras, mostrando para juventude da favela que é possível uma alternativa", reforça Junior. (Confira toda a extensão do trabalho social do Grupo Cultural AfroReggae na página oficial da ONG na Internet, www.afroreggae.org.br).

A conexão da Banda AfroReggae com Trinidad e Tobago não é gratuita. Junior explica: "Estivemos lá no ano passado e tivemos um contato rápido mas muito produtivo com a música local. Nosso próximo disco certamente será influenciado pelos sons que ouvimos lá." Esse mergulho na música do país caribenho se justifica pela fuga da obviedade. "Evitamos cair nos clichês sonoros. Não faz sentido para nós explorarmos ritmos como o reggae ou o raggamuffin, que já são coisas batidas, incorporadas ao pop. Temos sempre que buscar a novidade", diz o porta-voz. O plano é que o próprio Junior, com mais dois integrantes da banda, retorne a Trinidad e Tobago em meados deste ano, para aprofundar as pesquisas nas sonoridades locais. "Também vamos estudar os movimentos sociais de lá e provavelmente fazer alguns shows", fala Junior.

Esta viagem não é a única no horizonte do AfroReggae. A banda tem pelo menos duas propostas de vulto para shows no exterior. "Pode ser que participemos do Festival de Montreux este ano", adianta Junior, lembrando a acolhida calorosa que a música brasileira sempre teve no tradicional evento na Suíça. "Quem está articulando nossa ida para lá é o André Midani", fala Junior. A outra oportunidade de ouro está prevista para 2004. "O Caetano (Veloso) quer se apresentar conosco no Carnegie Hall (Nova York). Seria incrível!", resume José Junior. E isso não é tudo. "O dramaturgo George Wolf quer nos levar para a Broadway, para estrelar um musical lá. O (cineasta Pedro) Almodóvar já está fazendo contatos para nós na Espanha..." enumera Junior.

Apesar de toda a movimentação do grupo carioca, eles não têm pressa para gravar o disco que vai suceder Nova Cara. "Nosso tempo é diferente dos padrões do mercado. Se fossemos seguir o que o mercado espera de nós, estaríamos tocando pagode ou funk", fala Junior. "Isso se reflete no tempo que levamos para trabalhar cada um de nossos discos e shows. Para o AfroReggae, um espetáculo deve durar pelo menos três anos. As músicas e a concepção de show do Nova Cara vem desde 1998. Não nos sentimos obrigados a seguir esse esquema de todo ano fazer um disco novo. Temos que fazer algo em que acreditamos, e não um trabalho feito só para agradar aos outros."

Na comemoração dos dez do GCAR, a Banda Afroreggae terá participação crucial. Fechando os quatro dias de programação (de 21 a 24 deste mês) no Rio, o grupo toca sob os Arcos da Lapa, com direito a convidados especiais ("MV Bill e Jorge Mautner já estão confirmados, por enquanto", fala Junior), abrindo para um show especial de Caetano Veloso. "Ele foi o primeiro grande nome a apoiar o AfroReggae. Tê-lo nessa comemoração, sem cobrar cachê, é uma grande vitória para nós", diz Junior sobre Caetano.

O sucesso e os ambiciosos planos de carreira nunca deixam a preocupação social da banda em segundo lugar. "Nossa trajetória de shows e discos é a forma que encontramos para que as ações do GCAR ecooem. Queremos através de nossa música fazer com que as pessoas repensem sua posição na sociedade, observando nosso trabalho social", fala Junior. Ainda assim, o coordenador afirma que o grupo já conseguiu seu lugar na história da música popular brasileira. "Uma de nossas maiores vitórias é perceber que nossa música é consumida também por suas qualidades artísticas. Há casos de pessoas que nem sabiam do nosso trabalho social, mas que foram conquistadas pela força de nosso som", orgulha-se Junior.