Agora, os novos talentos respondem
Nova geração de compositores rebate a dita crise criativa da MPB contemporânea e produz como nunca
Julio Moura
21/08/2001
Durante a semana que passou, muito se discutiu sobre o futuro (e o presente) da música brasileira. A nova geração da MPB teve que desentalar de sua garganta o desdém de Gal Costa, que atribuiu à ausência de uma boa safra de compositores a falta de canções inéditas em seu novo disco, De Tantos Amores . Enquanto Gal se isolava - e os jornais amplificavam a questão, ao indagar se "estaria secando a fonte da MPB" - chegava às lojas a caixa com dez CDs Cartografia Musical Brasileira , um prodigioso mapeamento sobre a atual produção independente brasileira, que revelou dezenas de compositores, de Norte a Sul do país, afastados do grande mercado e dos veículos de divulgação. Por sua vez, autores como Seu Jorge, Pedro Luís, Zeca Baleiro e Lenine injetam, a cada disco, vitalidade e esperança a três consoantes que andaram tão por baixo quanto CBF ou ISS. Enquanto a MPB volta a encontrar meios para se impor, outra "nova geração" de compositores chega ao disco.
"Acho que a música brasileira nunca esteve tão bem. O que vai mal é a economia" - despista Seu Jorge, cujo primeiro disco solo, Samba Esporte Fino (Regata), é referência para quase todos os novos autores da MPB. "Acredito na renovação, capitaneada por gente como Marcelo D2, Pedro Luís, Rodrigo Maranhão, meu primo Dudu Nobre. Não concordo que a fonte tenha secado. Por outro lado, sou fã da Gal. Se hoje em dia todo mundo gosta de parecer moderno, é em função das conquistas da sua geração. Muitas vezes os jornais distorcem as declarações. Nesta polêmica toda, não sei se ela é a criminosa ou a vítima", ameniza o autor de São Gonça , sucesso com o Farofa Carioca.
Fred Martins e Rodrigo Maranhão, dois nomes que despertam comentários nos bastidores, consideram a desinformação e a acomodação como os principais responsáveis pelo distanciamento entre os medalhões e a nova safra de criadores de canções: "As estrelas vivem um isolamento. Muitas vezes, a culpa não é delas, mas da própria estrutura que as cerca. A vida inteira mandei minhas músicas para diversos intérpretes e não conseguia vê-las gravadas. As companhias têm medo de arriscar, querem coisas palatáveis", aponta Martins, que acaba de emplacar duas músicas (Flores e Hóspede do Tempo) no novo disco de Zelia Duncan, Sortimento e prepara o lançamento de seu primeiro CD, Janelas, pela DeckDisc.
"Há cerca de dez anos, fui ao escritório de Gal mostrar minhas composições. Seu empresário me desencorajou de deixar a fita. Ele me disse: ‘ela vai jogar no lixo. É melhor você mandar para o Ney Matogrosso, que se interessa por novidades’", lembra Fred Martins. De fato, Ney gravou a canção Novamente , da autoria de Fred, no álbum Olhos de Farol (BMG), em 99, uma década depois do episódio. É verdade também que foi preciso que a cantora Lucina, amiga comum de Fred e Ney, levasse o jovem autor pelo braço até a casa do medalhão para que este ouvisse as canções. Novamente acabou sendo o carro-chefe do álbum, e considerada uma das melhores músicas do ano.
Rodrigo Maranhão, líder do Bangalafumenga - que também estréia em CD, com distribuição independente - não pode se queixar da boa vontade dos intérpretes. Maranhão é co-autor de Rap do Real (em parceria com Pedro Luís), Baile da Pesada (com Fernanda Abreu), A Rosa que me Encanta (outra com Pedro Luís, gravada por Verônica Sabino), Beleza Fácil e Chicken de Frango (lançadas pela parceira Zelia Duncan em Sortimento). Maranhão evita comparações com a chamada "geração dos festivais":
"Acho bobagem esta história de esperar pelo novo Chico ou o novo Caetano. Temos outro caminho, buscamos outra sonoridade. Acho complicado, num país como o Brasil, onde há um compositor em cada esquina, se falar em crise criativa. O valor exato do nosso trabalho só poderá ser avaliado daqui a 20 anos", projeta.
A discussão provoca contrariedade em Suely Mesquita, que enumera uma legião de parceiros: "Não tenho tempo sequer de suprir a demanda de músicas que meus parceiros propõem. Como é possível dizer que falta criatividade no trabalho de gente como Arícia Mess, Luiz Capucho, Antonio Saraiva, Mathilda Kóvac, Rodrigo Campello?", indigna-se Suely. Ela é uma das integrantes do projeto Cartografia Musical Brasileira, do programa Rumos Itaú Cultural Música, que produziu dez CDs e elaborou um banco de dados sobre 78 artistas pouco conhecidos, mapeados em dez regiões. Além disso, Suely também está lançando seu primeiro álbum solo, Sexo Puro, contendo parcerias com Zeca Baleiro e Pedro Luís.
Um dos curadores do Cartografia, o músico e compositor Lui Coimbra, defende a criação de alternativas paralelas à grande indústria: "A questão para ser discutida é o desenvolvimento de meios de distribuição para uma produção de caráter cultural mais forte que o industrial", avalia, acrescentando os nomes do pernambucano DJ Dolores, e dos paraenses Pio Lobato e Bado, como exemplo de bons criadores.
Siba, líder do Mestre Ambrósio, reforça a necessidade de mostrar que "a cultura não deve estar ligada aos meios de comunicação": "Não se pode pensar que a Cartografia vá mudar a realidade do país, mas já é uma contribuição. O projeto apresenta alternativas e mostra que a MPB não está passando por nenhuma crise criativa", afirma.
Teresa Cristina nasceu em Oswaldo Cruz e foi criada na Portela. Aos 26 anos, suas composições arrancam aplausos da Velha Guarda. Não é à toa que possui duas parcerias (Amém e A Vida me Fez Assim) com Argemiro, presentes no disco que Marisa Monte está produzindo com o velho portelense. De quebra, ela foi convidada para participar de uma das faixas. Surica, outra portelense histórica, acaba de gravar Cafofo da Surica, de Teresa Cristina. Ela estuda o convite de algumas gravadoras (a Nikita Music está na frente) para o lançamento de seu primeiro álbum, produzido por Paulão.
"Discordo da maneira como a expressão sambista é usada. Muitas vezes, ao invés de homenageá-lo, o rótulo acaba estigmatizando um artista. É pra você aprender qual é o seu lugar", critica. "Por que o Chico Buarque, que faz samba, não é chamado de sambista? Acho um absurdo haver uma separação entre o samba e a MPB, como se um não fizesse parte do outro. É preciso quebrar as panelas, abrir o baú dos compositores, que está cheio", indica Teresa.
Rubinho Jacobina é outro a debutar em disco, até o final do ano, pela Dubas. Rubinho é descendente musical de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, e tem em Moreno Veloso e Lucas Santana alguns dos principais divulgadores de suas canções. "Há um receio dos intérpretes em descobrir novos autores. Mandei músicas para Marisa Monte e não obtive resposta. É possível que os bons não sejam maioria, mas quem procura, acha", alerta Rubinho.
O jornalista João Pimentel também discorda da alardeada seca na fonte da MPB. Pimentel é compositor, parceiro de Noca de Portela, ao lado de quem concorre na disputa dos sambas de enredo da Portela, para 2002: "Tem muita gente boa por aí. Basta dar uma passada no CEP 20.000, no Humaitá pra Peixe ou em qualquer roda de samba carioca para comprovar. Concordo com o Lenine, quando ele diz que os artistas consagrados muitas vezes não encontram tempo para garimpar novos valores. O compositor fica dependente de alguém que apresente suas músicas para os intérpretes", avalia Pimentel.
Ganhador do prêmio Sharp de 99 como sambista revelação por seu primeiro CD, Olha Zé (Rob Digital), Osvaldo Pereira prepara o segundo álbum, As Árvores, com produção de Luís Felipe de Lima. É de sua lavra a poética instigante da música título: "De amores, não vou falar / na minha amargura./ que o samba já tem uma vasta literatura. / Meu único amor no mundo são as árvores". Osvaldo vai buscar no passado o link perdido entre compositores e intérpretes: "Antigamente não havia distanciamento. Francisco Alves subia a Mangueira atrás de Cartola, ou ia a um botequim do Estácio para ouvir Ismael Silva. Hoje os intérpretes não têm tempo ou disponibilidade para atender a demanda de compositores que poderiam acrescentar alguma riqueza ao repertório destes cantores".
"Acho que a música brasileira nunca esteve tão bem. O que vai mal é a economia" - despista Seu Jorge, cujo primeiro disco solo, Samba Esporte Fino (Regata), é referência para quase todos os novos autores da MPB. "Acredito na renovação, capitaneada por gente como Marcelo D2, Pedro Luís, Rodrigo Maranhão, meu primo Dudu Nobre. Não concordo que a fonte tenha secado. Por outro lado, sou fã da Gal. Se hoje em dia todo mundo gosta de parecer moderno, é em função das conquistas da sua geração. Muitas vezes os jornais distorcem as declarações. Nesta polêmica toda, não sei se ela é a criminosa ou a vítima", ameniza o autor de São Gonça , sucesso com o Farofa Carioca.
Fred Martins e Rodrigo Maranhão, dois nomes que despertam comentários nos bastidores, consideram a desinformação e a acomodação como os principais responsáveis pelo distanciamento entre os medalhões e a nova safra de criadores de canções: "As estrelas vivem um isolamento. Muitas vezes, a culpa não é delas, mas da própria estrutura que as cerca. A vida inteira mandei minhas músicas para diversos intérpretes e não conseguia vê-las gravadas. As companhias têm medo de arriscar, querem coisas palatáveis", aponta Martins, que acaba de emplacar duas músicas (Flores e Hóspede do Tempo) no novo disco de Zelia Duncan, Sortimento e prepara o lançamento de seu primeiro CD, Janelas, pela DeckDisc.
"Há cerca de dez anos, fui ao escritório de Gal mostrar minhas composições. Seu empresário me desencorajou de deixar a fita. Ele me disse: ‘ela vai jogar no lixo. É melhor você mandar para o Ney Matogrosso, que se interessa por novidades’", lembra Fred Martins. De fato, Ney gravou a canção Novamente , da autoria de Fred, no álbum Olhos de Farol (BMG), em 99, uma década depois do episódio. É verdade também que foi preciso que a cantora Lucina, amiga comum de Fred e Ney, levasse o jovem autor pelo braço até a casa do medalhão para que este ouvisse as canções. Novamente acabou sendo o carro-chefe do álbum, e considerada uma das melhores músicas do ano.
Rodrigo Maranhão, líder do Bangalafumenga - que também estréia em CD, com distribuição independente - não pode se queixar da boa vontade dos intérpretes. Maranhão é co-autor de Rap do Real (em parceria com Pedro Luís), Baile da Pesada (com Fernanda Abreu), A Rosa que me Encanta (outra com Pedro Luís, gravada por Verônica Sabino), Beleza Fácil e Chicken de Frango (lançadas pela parceira Zelia Duncan em Sortimento). Maranhão evita comparações com a chamada "geração dos festivais":
"Acho bobagem esta história de esperar pelo novo Chico ou o novo Caetano. Temos outro caminho, buscamos outra sonoridade. Acho complicado, num país como o Brasil, onde há um compositor em cada esquina, se falar em crise criativa. O valor exato do nosso trabalho só poderá ser avaliado daqui a 20 anos", projeta.
A discussão provoca contrariedade em Suely Mesquita, que enumera uma legião de parceiros: "Não tenho tempo sequer de suprir a demanda de músicas que meus parceiros propõem. Como é possível dizer que falta criatividade no trabalho de gente como Arícia Mess, Luiz Capucho, Antonio Saraiva, Mathilda Kóvac, Rodrigo Campello?", indigna-se Suely. Ela é uma das integrantes do projeto Cartografia Musical Brasileira, do programa Rumos Itaú Cultural Música, que produziu dez CDs e elaborou um banco de dados sobre 78 artistas pouco conhecidos, mapeados em dez regiões. Além disso, Suely também está lançando seu primeiro álbum solo, Sexo Puro, contendo parcerias com Zeca Baleiro e Pedro Luís.
Um dos curadores do Cartografia, o músico e compositor Lui Coimbra, defende a criação de alternativas paralelas à grande indústria: "A questão para ser discutida é o desenvolvimento de meios de distribuição para uma produção de caráter cultural mais forte que o industrial", avalia, acrescentando os nomes do pernambucano DJ Dolores, e dos paraenses Pio Lobato e Bado, como exemplo de bons criadores.
Siba, líder do Mestre Ambrósio, reforça a necessidade de mostrar que "a cultura não deve estar ligada aos meios de comunicação": "Não se pode pensar que a Cartografia vá mudar a realidade do país, mas já é uma contribuição. O projeto apresenta alternativas e mostra que a MPB não está passando por nenhuma crise criativa", afirma.
Teresa Cristina nasceu em Oswaldo Cruz e foi criada na Portela. Aos 26 anos, suas composições arrancam aplausos da Velha Guarda. Não é à toa que possui duas parcerias (Amém e A Vida me Fez Assim) com Argemiro, presentes no disco que Marisa Monte está produzindo com o velho portelense. De quebra, ela foi convidada para participar de uma das faixas. Surica, outra portelense histórica, acaba de gravar Cafofo da Surica, de Teresa Cristina. Ela estuda o convite de algumas gravadoras (a Nikita Music está na frente) para o lançamento de seu primeiro álbum, produzido por Paulão.
"Discordo da maneira como a expressão sambista é usada. Muitas vezes, ao invés de homenageá-lo, o rótulo acaba estigmatizando um artista. É pra você aprender qual é o seu lugar", critica. "Por que o Chico Buarque, que faz samba, não é chamado de sambista? Acho um absurdo haver uma separação entre o samba e a MPB, como se um não fizesse parte do outro. É preciso quebrar as panelas, abrir o baú dos compositores, que está cheio", indica Teresa.
Rubinho Jacobina é outro a debutar em disco, até o final do ano, pela Dubas. Rubinho é descendente musical de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, e tem em Moreno Veloso e Lucas Santana alguns dos principais divulgadores de suas canções. "Há um receio dos intérpretes em descobrir novos autores. Mandei músicas para Marisa Monte e não obtive resposta. É possível que os bons não sejam maioria, mas quem procura, acha", alerta Rubinho.
O jornalista João Pimentel também discorda da alardeada seca na fonte da MPB. Pimentel é compositor, parceiro de Noca de Portela, ao lado de quem concorre na disputa dos sambas de enredo da Portela, para 2002: "Tem muita gente boa por aí. Basta dar uma passada no CEP 20.000, no Humaitá pra Peixe ou em qualquer roda de samba carioca para comprovar. Concordo com o Lenine, quando ele diz que os artistas consagrados muitas vezes não encontram tempo para garimpar novos valores. O compositor fica dependente de alguém que apresente suas músicas para os intérpretes", avalia Pimentel.
Ganhador do prêmio Sharp de 99 como sambista revelação por seu primeiro CD, Olha Zé (Rob Digital), Osvaldo Pereira prepara o segundo álbum, As Árvores, com produção de Luís Felipe de Lima. É de sua lavra a poética instigante da música título: "De amores, não vou falar / na minha amargura./ que o samba já tem uma vasta literatura. / Meu único amor no mundo são as árvores". Osvaldo vai buscar no passado o link perdido entre compositores e intérpretes: "Antigamente não havia distanciamento. Francisco Alves subia a Mangueira atrás de Cartola, ou ia a um botequim do Estácio para ouvir Ismael Silva. Hoje os intérpretes não têm tempo ou disponibilidade para atender a demanda de compositores que poderiam acrescentar alguma riqueza ao repertório destes cantores".