Ainda romântica, Fafá de Belém inicia nova fase

Aos 25 anos de estrada, cantora volta a gravar repertório de grandes autores da MPB, promete investir mais em sua carreira no Brasil e diz que o povo mostrou seu descontentamento com país através do voto

Rodrigo Faour
19/10/2000
A exuberante Fafá de Belém aposta na classe em seu novo CD. Dispensou bobagens do repertório e decidiu gravar um disco romântico, porém de grandes canções, que vão de Tom Jobim (O Amor em Paz) a Waldick Soriano (Tortura de Amor), sem preconceitos e com o mesmo acabamento orquestral com que eram feitos os discos de MPB nos anos 50. O CD traz no título seu nome de batismo, Maria de Fátima Palha Figueiredo. O motivo é muito simples: a maior parte do repertório vem de sua memória afetiva, da Fafazinha que aos 11 anos já cantava nas rodinhas de violão de Belém do Pará. Há três anos sem fazer turnês pelo Brasil, a cantora volta à estrada dirigida por Miguel Falabella e Maria Carmen Barbosa a partir do dia 10 de novembro, no Tom Brasil (SP). A seguir, canta no Rio entre os dias 16 e 18 no Garden Hall, cumpre uma pequena agenda em seu adorado Portugal e retoma o espetáculo no Brasil por todo o país, em janeiro.

"Esse disco conta uma história de amor, mas com o olhar feminino. Passa por todas as fases do amor. Do Preciso Aprender a Ser Só até o momento em que a pessoa se apaixona de novo. Depois, vêm os barracos todos (gargalhadas)", conta Fafá. "Digo que ‘sou bandida/ Sou solta na vida’ e, mais tarde, ‘Mentira você não me amou’. Passo pelo descompromisso que é Meu Nome É Ninguém, do Miltinho e pela dor-de-cotovelo deslavada em Devolvi, do repertório da Núbia Lafayette, e por Ninguém Chora por Mim, que ouvia com Moacyr Franco, na época de seu programa na TV Excelsior, acompanhado, se não me engano, da orquestra do Silvio Mazzuca... Enfim, são grandes canções de amor. Da mulher que canta. Todas nós já passamos por isso, somos declaradas. Vocês homens também passam, mas não declaram", diverte-se a cantora, afirmando que a maioria das canções do CD chegaram ao seus ouvidos pelas ondas do rádio.

Além dos sucessos românticos, Fafá sempre obteve êxito com canções alegres, próximas de seu temperamento divertido – caso de Filho da Bahia (75), Bicho Homem (80), Aconteceu Você (83) e mais recentemente com a toada de boi, Vermelho (96). Mas ela diz que está mais contida e romântica neste disco por opção. "Venho do Vermelho e do CD Coração Brasileiro, mais festivo, que aconteceu muito fora do Brasil mas não por aqui. Depois desse tempo que estive fora, queria voltar com um disco que fosse do meu jeito. E ele vem na contramão do esperado, do óbvio, de tudo. Ele se parece comigo na coisa do inusitado", acredita. Por ela, o CD teria se chamado Dama da Canção, por seu repertório recheado de standards e por ter acabamento classudo. "Mudamos o título porque achou-se que poderia soar pretensioso", justifica.

Sem concessões
Que ninguém estranhe que Fafá dessa vez tenha deixado de lado canções de Michael Sullivan, Leonardo ou Zezé Di Camargo. "Esse disco é um divisor de águas. Gosto de tudo que fiz em minha carreira, mas nesse momento não fiz concessões. Era momento de radicalizar, de um retorno meu ao Brasil com toda a força", explica ela, que nos últimos quatro anos não passou mais do que duas semanas no Brasil, fixando residência em Portugal. "Agora vou ficar mais tempo por aqui. Trabalhei muito, conheci pessoas fabulosas e fiz grandes amigos em Portugal. Também levei pessoas daqui para lá, promovi eventos e cantei em espetáculos para 50 mil, 70 mil pessoas em estádios lotados. Fiz também a descoberta do compositor português contemporâneo e vi um Portugal que o Brasil desconhece, que se oxigena. Que depois da Expo 98 explodiu em juventude, com uma noite muito interessante, cheia de atrações. Há 16 anos, quando fui pela primeira vez, era um país cinza", compara.

De volta ao Brasil, Fafá se diz satisfeita com o resultado das últimas eleições. "O povo manda recado pelas urnas. Fico feliz de ver que ele está amadurecendo, ao contrário dos políticos, que sequer estão percebendo essa mudança. Essa revelação do PT tem que ser olhada com muita atenção. O povo sabe o que quer, embora declare isso só na hora do voto para se proteger", acredita.

Sedução e rock’n’roll
Em seu novo CD, Fafá está cantando em tons mais confortáveis e sem exageros. "Foi intencional. É uma volta à primeira fase minha de carreira. Em determinado momento, colocavam tons muito altos para mim. É o negócio de quererem o brilho da lágrima na voz... Mas gosto dos meus timbres médios como gravei agora", diz. Ao fundo, a sonoridade do disco é luxuosa. Apesar da lamentada ausência de seu amigo Wagner Tiso no disco, outros grandes arranjadores da MPB a puseram envolta num mar de cordas. Fafá conta que teve essa idéia de cantar com grande orquestra depois de assistir a um recital na Europa com a Orquestra Sinfônica de Sevilha, o maestro Ennio Morricone e a cantora portuguesa Dulce Pontes. "Quando soou uma sinfônica, disse para mim mesma: ‘Não quero menos que isso!’ Telefonei para minha assessora e disse: não sei ainda o que vou cantar só que preciso no mínimo de uma sinfônica, com Chiquinho de Moraes na veia", gargalha a cantora, que almeja um patrocínio para levar esse enorme time de músicos para o palco, em sua nova turnê. Caso contrário, ela garante que se contenta com um sexteto ou um quarteto de cordas.

Por falar em show, Fafá não adianta detalhes sobre o roteiro, mas promete arrasar. "Vamos falar do universo da diva, da mulher na escadaria, do sex appeal. Meu universo sempre foi mais passional do que low profile. Sempre estive mais para Gina Lolobrigida e Sophia Loren do que para Liv Ullman", diz ela, comparando as beldades italianas com a atriz cool sueca. Fã do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, ela diz que não dispensará essa porção latina.

Apesar do repertório de seu novo disco ter sido pinçado entre vários clássicos do samba-canção, do bolero e da bossa nova, Fafá incluiu uma ou outra canção mais pop contemporânea, como A Medida da Paixão, de Lenine e Dudu Falcão. A propósito, a cantora é do cast da Warner, uma gravadora de maior perfil pop, algo que a agrada. "Identifico-me muito mais com os pops do que a MPB. Sou mais rock’n’roll em atitude, acho que tem muita gente boa no pop. Adoro Ana Carolina e Lenine. Gosto dessa coisa mais contemporânea. Eles me dizem que as mães deles gostavam muito de ouvir minhas canções quando eles eram pequenos. O Toni Garrido, por exemplo, acabou de me dizer isso", diverte-se.

Depois de passar pela lambada, sertanejo, música de protesto, fados e toadas de boi, Fafá despista quanto ao futuro de sua música. "Pretendo continuar cantando. Quando gravei um estilo popular, não o fiz por estratégia de marketing. É porque o público que ia aos meus shows não se identificava com o que eu gravava. As canções que canto agora têm um perfil popular também. Descobri que o meu disco de fados, que era o mais distante possível da linha vigente do mercado, foi aquele com que mais consegui atingir o público. Vendeu muito. Mas nunca deixei de gravar com grandes músicos e não aceito exigência externa. Continuo na minha viagem emocional. Cada namorado que tenho é de um jeito e os discos são assim também."