Alceu Valença com atitude de independente

O cantor festeja 30 anos de carreira lançando, apenas nas bancas de jornal, o CD De Janeiro a Janeiro

Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
09/12/2002
Aos 30 anos de carreira, Alceu Valença - "um pernambucano hiperativo", segundo ele mesmo - encara o desafio de, mais uma vez, manter-se como músico independente. O cantor e compositor deu um tempo em sua relação com as gravadoras e está lançando De Janeiro a Janeiro; seguindo os passos de seu "companheiro espiritual" Lobão, o álbum só pode ser comprado nas bancas de jornal ou via Internet, como acompanhamento do primeiro número da revista Música de Atitude ( www.musicadeatitude.com.br). Em entrevista ao Cliquemusic, Alceu - que é capaz de lembrar fatos de sua infância e relacioná-los ao atual momento de sua carreira ou à crise do mercado fonográfico, apenas para responder a uma pergunta - fala dos desafios a sua frente e das três décadas de trajetória artística.

"Eu já vinha com a idéia de lançar um CD pelas bancas. Aí encontrei um amigo jornalista em São Paulo que virou empresário mas que estava com saudade das 'coisas de arte'. Perguntei por que ele não fazia uma revista dedicada a pessoas e músicas de qualidade. Não esse pop estereotipado, americanizado, onde o cara coloca um boné, umas calças largas, tipo skatista... Isso não é atitude. Ele achou a idéia ótima e meu disco foi o primeiro a sair na revista", discursa Alceu sobre a gênese da revista, já nas bancas ao preço de R$ 14,90. Música de Atitude inclui uma longa entrevista com Alceu, além das letras e a ficha técnica do CD - além de artigos, entrevistas e enquetes, tudo em torno de artistas independentes. Segundo Alceu, o 'amigo jornalista', Miguel de Almeida, diretor de redação de Música de Atitude, também o convidou para ser diretor artístico da nova publicação, mas o cantor declinou.

De Janeiro a Janeiro tem, segundo Alceu, timbres e cores totalmente diferentes. A começar pelo fato de não trazer bateria convencional, apenas instrumentos de percussão tipicamente nordestinos. "Só tem bateria na música-título, por ser um frevo. Assim mesmo, é só uma caixa", detalha. As 13 faixas do disco são de autoria do próprio, algumas em parceria com Don Tronxo (Balanço de Rede e Nas Asas de um Passarinho), Matias da Rocha/Joana Batista Ramos (Vassourinha Aquática) e Hebert Azul (Vai Chover). Alceu diz que a intenção do novo disco não é simplesmente revisitar sua obra. "Marca os 30 anos do Alceu, mas como um moto-contínuo, fazendo coisas novas, estando na estrada. Por isso só tem quatro músicas que já foram gravadas", comenta o cantor. Ele dá detalhes sobre as regravações: "Estação da Luz (de 85) está puxada para o blues, mas como quem toca pífanos. Agora ficou muito moderna. Quando Eu Olho Para o Mar (82) estava totalmente esquecida e Vai Chover ganhou na época um arranjo rápido, foi gravada de uma maneira que eu não tinha espremido o suco da canção. Agora ficou no lugarzinho certo dela".

Alceu conta que o caminho independente começou a ser traçado no CD Forró de Todos os Tempos ouvir 30s , de 98. "A (gravadora) Sony acabou comprando (o álbum), mas não aconteceu nada. Era um disco sazonal, para São João, e não tocou nem em Caruaru, em Garanhuns nem em São Bento do Una, minha terra... Foi quando vi que a indústria estava cada vez mais segmentada e, como não pertenço a nenhum desses segmentos - sou um artista singular e plural, modéstia à parte - acabei ficando de fora", lembra.

Alceu tentou outro caminho com o disco seguinte, o ao vivo Todos os Cantos ouvir 30s , de 99. "Esse eu licenciei para a Abril", detalha, lembrando que retornou à Sony para fazer o Forró Lunar ouvir 30s (2001). "A gravadora tinha mudado seus quadros, viram que as vendas do disco anterior tinham sido boas, e me convidaram para fazer outro. As pessoas eram legais, mas veio a crise do pirata, que chegou com sua perna de pau e blau-blau, comeu a indústria...", brinca.

O pernambucano aproveita para contar um lance inacreditável ocorrido ano passado, que acabou sendo a gota d'água em sua relação com as gravadoras: "Fui notando que meus discos não estavam nas lojas, por inadimplência, preços altos e a pirataria. Tinha CD pirata meu sendo vendido em meu próprio show! Em Brasília, tinha uma moça vendendo o Todos os Cantos em uma barraquinha e me ofereceu meu próprio disco! Acho que ela deve ter me confundido com o Moraes Moreira... Respondi que aquele eu tinha e queria saber do novo... Ela foi olhar em seu estoque, no carro!", relata Alceu. Diante de um quadro como esse, o compositor viu que através de sua própria produtora, a Tropicana, seria mais fácil trabalhar. "A isso se somou a gravação no Estúdio do Tempo (de Paulo Rafael, produtor, guitarrista e velho parceiro do cantor) no Leblon (RJ) - de casa eu olho e vejo se a luz está acesa! Ia na hora que queria, de calção, pijama... Não tinha horário nem patrão", conta.

Ainda assim, Alceu afirma que nunca brigou com gravadora alguma. "Eu só não discuto arte com ninguém, quem faz sou eu, eu sou produto do somatório de minhas experiências. NÆo tenho satisfação a dar". E lembra de fatos de sua carreira: "Quando fui fazer música, já vinha sabendo o que queria; não entrei em nenhum movimento. Por exemplo, na época tropicalista, existia uma briga grande na entre nova e velha música em Pernambuco. Era um lado tradicional, chiquista - e os modernos. Eu achava que a mistura era a grande história, não me enquadrei e fiquei rotulado como careta para os tropicalistas e, para os outros, muito louco".