Alcione só no vozeirão e violão

Cantora lança CD chique, no qual resgata clássicos românticos da MPB dos anos 50 aos 80, acompanhada pelo violão de João Lyra

Rodrigo Faour
04/07/2000
A idéia do CD que Alcione gravou ao vivo em abril deste ano no Garden Hall (RJ) foi de sua amiga Maria Bethânia. Ela chegou para a Marrom e disse: "Por que você não grava um disco se apoiando em músicas que mostrem a sua voz?" De quebra, sugeriu que ela gravasse Bar da Noite, A Noite do Meu Bem e De Onde Vens, respectivamente popularizadas por Nora Ney, Dolores Duran e Cynara & Cybele (do Quarteto em Cy). Realmente, a Abelha Rainha não poderia ter tido idéia melhor. Na verdade, a Marrom merecia uma chance dessas há muito tempo, e finalmente ela chegou.

O CD Nos Bares da Vida traz a cantora num repertório irretocável de clássicos românticos da MPB dos anos 50 aos 80. Detalhe: ela está acompanhada em todas as faixas pelo violão de João Lyra, com direito a canjas de músicos do quilate de Rildo Hora (gaita), Cristóvão Bastos (piano), Vittor Santos (trombone), Márcio Montarroyos (trompete), Gordinho, Beloba e Esguelba (percussão) e até Dori Caymmi (violão).

O roteiro do CD/show foi baseado no som que se escuta nos pianos-bar de todo o Brasil, com aquele cantor romântico acompanhado de um violãozinho, entoando standards da MPB. Apesar de ter começado na noite, cantando em boates como Katakombe e Black Horse (Rio), Blow Up, Catedral do Samba e Igrejinha (São Paulo), Alcione confessa que estranhou um bocado a atual empreitada, mais intimista.

"Gostei de ter gravado esse disco. Acho que foi uma coisa diferente. Mas estranhei muito pois já comecei cantando com 20 músicos. Depois reduzi para 12 porque sempre gostei de tocar com bandão. E saí disso para ser acompanhada apenas de um violão. Tive que baixar todos os tons das músicas para manter um clima intimista. Mas gostei, é bonito cantar acompanhada só de violão", vibra a cantora que lança o CD do dia 12 ao 22 no palco do Teatro Rival (RJ) e depois segue para Sampa, apresentando-se no Magical Pub (no bairro do Itaim), entre os dias 10 e 12 de agosto.

Ela informa, porém, que durante a temporada, vai precisar de um quinteto para acompanhá-la. "Preciso disso para o dia-a-dia. Tenho que ter um músico como o Luizão, que toca flauta, sax e trompete, para fazer os efeitos de que preciso, os mesmos que os convidados fizeram no disco. Tenho ainda dois violões na banda e percussão", diz. Ela cantará as 21 faixas do CD, de estilos distintos como Este Seu Olhar (Tom Jobim), Olha (Roberto & Erasmo Carlos) ou Mel na Boca (sucesso de Almir Guineto) e mais cinco extras, entre as quais, sua versão bossa nova para Overjoyed, de Stevie Wonder.

Os tempos de crooner e as ousadias
Algumas das músicas incluídas no disco ela realmente retirou de sua época de crooner. "O pot-pourri de sambas que está nesse disco eu já cantei muito ao lado da Tânia Maria, quando fazíamos um show no Blow Up, em São Paulo. Foi num desses dias de temporada que o Jair Rodrigues foi assistir ao show e me apresentou a Roberto Menescal, que me levou para o disco, na antiga Philips", recorda a cantora que gravou seu primeiro compacto em 1973, com Tem Dendê e O Sonho Acabou. Última Forma (Baden Powell e Paulo César Pinheiro), A Noite do Meu Bem (Dolores Duran) e Carinhoso (Pixinguinha e Braguinha) também eram figurinhas fáceis no repertório ancestral de Marrom, no tempos das boates.

Mas Alcione, sempre eclética, não cantava só pérolas românticas nacionais. "Cantava muito Burt Bacharach, como Do You Know the Way to San José, e mais People (sucesso de Barbra Streisand), bossa nova, boleros de Armando Manzanero, músicas do repertório de Elis, do Gil, de Ângela Maria e Núbia Lafayette...", conta. Ao ser cobrada pelo repórter sobre quando registrará em disco essa sua outra faceta, respondeu: "Até pensei em gravar algumas dessas músicas agora, mas preferi não tirar a brasilidade do disco. Mas eu ainda prometo ousar mais um pouquinho".

Enquanto o CD mais jazzístico, incluindo músicas suingadas e estrangeiras, não vem, o fã terá a oportunidade de ouvir sambas-canções dos anos 50, um ou outro samba mais recente e algumas bossas novas. Há grandes canções imortalizadas por divas da era de ouro do rádio – Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira, Nora Ney, Ângela Maria e Doris Monteiro – como Nossos Momentos, Tudo Acabado e Amendoim Torradinho. De todas essas cantoras, Marrom diz que as que ela mais ouviu foram Ângela, Elizeth e Nora. "Sempre gostei daquele grave lindo da Nora", elogia.

Ela conta ainda que fez questão de convencer seu produtor José Milton a regravar duas músicas menos manjadas no roteiro: Que Sejam Bem Vindos (Cartola), apenas gravada por Beth Carvalho, em 1978, e o samba-jazz Pelo Cansaço (Fátima Guedes), imortalizado por Leny Andrade, em 1989. "Ele me disse: ‘Mas, Marrom, essas músicas ninguém conhece!’. E eu respondi: ‘O que interessa é que eu conheço. A minha missão enquanto artista é divulgar essas músicas para que elas passem a ser conhecidas", acredita. Já a ultra regravada Carinhoso (única canção anterior aos anos 50, gravada com letra pela primeira vez em 1937) foi pinçada por ela porque "é uma música que, onde quer que você vá, todo mundo gosta. É um clássico forever!".

Alcione aproveita o ensejo da entrevista para dizer que não ficou chateada quanto ao cancelamento do show Brazilian Divas que ela, Rita Lee, Bethânia e Zizi Possi fariam no James L. Knight Center, em Miami, na última semana de junho. "Sou espiritualista. Tenho uma filosofia que quando uma coisa não acontece é porque não tinha que acontecer. Acho que isso poderá acontecer de uma outra forma comigo. Sinceramente, não fiquei chateada", diz ela que em outubro já entra em estúdio para gravar seu primeiro CD de inéditas em quatro anos para lançá-lo em março de 2001.