Amigos e pianistas choram Carolina Cardoso de Menezes

A última pianeira do Brasil é lembrada como sendo dona de grande ritmo e musicalidade, tendo tocado e gravado até poucos dias antes de morrer

Rodrigo Faour
02/01/2001
A morte da pianista Carolina Cardoso de Menezes pegou de surpresa seus colegas de teclados. Dia 31 de dezembro, a "última das pianeiras" faleceu em sua casa às oito e meia da manhã, vítima de um câncer no fígado (de cuja existência nem mesmo ela sabia) e foi enterrada ontem, dia 1º, às 11h, no Cemitério São João Batista (RJ). O que tornou o acontecimento inesperado foi o fato de que, aos 84 anos, Carolina continuar em atividade. Há três anos, ela havia lançado seu primeiro CD, Preludiando, e, no começo do ano passado, participou de um recital na Sala Cecília Meireles (RJ) destinado a angariar fundos para a Rádio MEC. No final do mês de outubro, ainda tocou três músicas no show da amiga e também pianista Maria Teresa Madeira, na Sala Funarte, também no Rio.

Uma das pessoas que mais sentiram sua morte foi justamente Teresa, que a conheceu há quatro anos. Ela ficou tão fascinada pela obra de Carolina que pensava até em escrever uma biografia da pianista. Para tanto, enviou um projeto à RioArte chamado Carolina Cardoso de Menezes - A Pianeira, que objetivava catalogar toda sua obra, escrever seus arranjos e também entrevistá-la. "Foi um choque, pois até outubro ela estava animadíssima com o projeto. Parecia uma mocinha falando dos nossos planos", atesta Maria Teresa.

Foi ao ver Carolina tocando no começo do ano passado, na Sala Cecília Meireles, que Teresa teve a idéia de catalogar a obra da pianista para a posteridade. Em seguida, dedicou seu mais recente CD, sobre a obra de Chiquinha Gonzaga, à nova amiga, que retribuiu enviando-lhe também seu novo disco. "Ela era muito intuitiva na maneira de tocar, foi nossa última pianeira. Então, entusiasmei-me em elaborar um cronograma para cumprir ao lado dela, pois ela me disse que eu era a única pessoa que poderia fazer esse trabalho, o que me deixou muito orgulhosa. E aí, de repente, ela se vai...", lamenta Teresa, que gravou em minidisc a última apresentação da pianista, durante a canja que deu em seu show na Sala Funarte, tocando Lembrando Nazareth, Preludiando (ambas de sua autoria) e Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu). Mês que vem Teresa terá a resposta da RioArte a seu projeto, mas assegura que fará de tudo para preservar a memória de Carolina. "Agora, mais do que nunca, sinto que tenho uma missão a cumprir", destaca.

Ritmo e excelência no instrumento
Não é à toa que Teresa sente o peso do que tem nas mãos. É que a importância de Carolina é, de fato, sui generis para a nossa música, conforme ressalta o historiador de MPB Jairo Severiano. "A Carolina fazia parte de uma família de músicos e desde menina já começou tocando com um senso rítmico como ninguém de sua geração teve, com um balanço excepcional do piano. Aos 14 anos, ela já tocava na histórica gravação de Na Pavuna, primeira faixa a usar a percussão dos ritmistas das então nascentes escolas de samba. Depois, atuou em rádio e gravou durante sua vida inteira, ao lado de instrumentistas de excelente qualidade, como Garoto. Na era do LP, fez muitos discos para dançar na Sinter e na Odeon, gravando sambas, choros, baiões, entre outros ritmos. Além de tocar de ouvido, conhecia bem música. E, fora o grande ritmo que possuía, sabia tocar com expressão. Era uma senhora instrumentista, tocando até o fim da vida", depõe Jairo, que por várias vezes almoçou na casa da pianista, travando com ela longas conversas.

O pesquisador lembra que em 1986, quando produziu o disco Os Pianeiros, de brinde para a empresa Fenab, ele levou para Carolina um samba pouco conhecido de Sinhô, Sete Coroas (nome de um bandido da época), pretendendo que ela aprendesse a tocá-lo. "Ela colocou a partitura sobre o piano e tocou direto, perfeitamente, mesmo sem conhecer a música", conta ele, lembrando que depois disso ela ainda gravaria dois discos: um LP, ao lado do violinista Fafá Lemos, e um CD solo. Jairo ressalta que Carolina não era do tipo que gostava muito de falar de si, ou expansiva a ponto de colecionar amigos. "Apesar disso, quando gostava de uma pessoa, era para valer, sendo extremamente atenciosa".

Mão pequena
A cantora Zezé Gonzaga, que perdeu as contas de quantas vezes foi acompanhada por Carolina na Rádio Nacional, prestou sua última homenagem à amiga comparecendo a seu funeral. "Era uma artista ímpar. Uma mulher que apesar de ter uma mão pequena, conseguia fazer aquelas harmonias maravilhosas, como se tivesse uma mão enorme. Ficava doida vendo-a tocar. Assisti a suas duas últimas apresentações, sendo que na da Sala Cecília Meireles ela deveria tocar apenas duas músicas, mas teve de tocar oito porque não a deixavam sair do palco. Foi uma consagração", lembra Zezé.

Pianistas falam sobre a importância de Carolina:

Leandro Braga
"A gente fica triste por ela ter ido... Mas fica o grande exemplo que ela deixou: de ser pianista popular, de forma análoga à de Chiquinha Gonzaga, num tempo em que essa não era das profissões mais bem vistas e indicadas para mulheres. Eu a curtia muito. Ela tinha suingue para tocar, não era como outros eruditos que quando tocavam popular pareciam soldados marchando".

João Carlos Assis Brasil
"É um mito na história do piano brasileiro. Tinha uma facilidade extraordinária, uma fluência pianística muito grande. Ela tinha uma maneira muito simples de tocar. Creio que isso é que cativava as pessoas. Além disso, tocava com muito charme".

Clara Sverner
"Foi maravilhosa. Sinto muito sua morte porque estivemos juntas no ano passado, pois tocamos no mesmo dia na Sala Cecília Meireles. Era de uma vivacidade enorme. Essa vivacidade e juventude dela me chamaram a atenção. Tinha uma personalidade única na matéria de interpretar, vai ser difícil de encontrar outra igual".

Antonio Adolfo
"Fiquei surpreso com sua morte pois toquei com ela na Sala Cecília Meireles há pouco tempo e ela parecia ótima. Sempre ficava impressionado com sua memória e sua lucidez, além, é claro, de seu desempenho no piano que era uma coisa fantástica. Estava super em forma. Com aquela mãozinha, fazia misérias. Cheguei a gravar um disco com ela e o Aloysio de Alencar Pinto, produzido pelo Jairo Severiano, em que ela deu um banho. Ela gravou tudo em duas horas e eu demorei seis! (risos) E como pessoa era um doce, parecia uma menina! Em suma, Carolina foi a grande pianeira do Brasil"

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