André Geraissati acerta as contas com o passado

Violonista relança em CD três álbuns dos anos 80 e pensa em retomar a carreira de solista, depois de ter passado bom tempo exclusivamente como produtor de shows e discos

Carlos Calado
19/03/2001
Depois de passar grande parte da última década atuando como produtor de discos e shows de música instrumental brasileira, o violonista e compositor paulista André Geraissati está decidido a investir novamente na carreira de solista. Planejando um disco em parceria com Egberto Gismonti, o ex-integrante do trio D’Alma anuncia para o mês que vem o relançamento em CD de três álbuns que gravou pela Warner, na década de 80.

"Decidi relançá-los por causa do grande número de e-mails que tenho recebido cobrando esses CDs. Fiquei pensando que esses discos têm uma certa importância", justifica o violonista. Solo (1987) Dad Gad (1988) e 79 89 (1989) vão ganhar novas capas, porque Geraissati considerou que as originais não funcionam no formato reduzido do CD. Os três álbuns saem pelo selo Tom Brasil, com distribuição Eldorado.

"Continuo achando que eles são bastante originais para os dias de hoje, mas eu não toco mais daquele jeito. Não falo sob o ponto de vista das notas, mas da atitude ao tocar. Agora, na meia-idade, estou exibindo muito menos a minha técnica. Em meus últimos shows, as pessoas têm vindo falar comigo sobre como a minha música as deixou sensibilizadas. É isso que me interessa agora", diz Geraissati, resumindo sua impressão ao reouvir os três discos.

"Hoje eu tenho outra postura. Agora até uso cordas velhas no violão. Antes só usava corda zero quilômetro, que eu mesmo mandava fazer. Eu era muito chato com isso", compara o violonista, que no encarte original do álbum Solo fez questão de explicitar todas as afinações não-convencionais que utilizou nas gravações, incluindo até mesmo as medidas das cordas de bronze de seu violão.

Geraissati chegou a parar de tocar entre os anos de 1995 e 1999. Mas não encostou o violão por decepção com a carreira ou com a música. O motivo foi o crescimento rápido da Tom Brasil, a produtora de discos e shows de música instrumental que ele e o produtor executivo Solon Siminovich fundaram em 1991. "A gente não esperava que fosse dar tão certo. No começo eu até tocava um pouco, mas em vez de subir no palco atormentado, preferi tocar só a produtora. Acho que valeu a pena, porque foi um grande impulso para a música instrumental", diz, lembrando que a produtora, da qual está afastado, já lançou cerca de 50 títulos em CD e organizou centenas de shows pelo país, com o patrocínio do Banco do Brasil. "Provavelmente, o Tom Brasil foi o selo que mais distribuiu produziu música instrumental brasileira, só que de uma forma não-ortodoxa: como brinde", observa.

Falta de renovação
Por outro lado, o violonista e produtor lamenta o desaparecimento de outros selos dedicados a esse gênero, que não conseguiram se adaptar às mudanças do mercado musical, nos anos 90. "Talvez o mais expressivo para a música instrumental brasileira tenha sido o Som da Gente", ressalta, referindo-se ao selo paulista dirigido pelo compositor bossa-novista Walter Santos e sua mulher, a letrista Tereza Souza, que entre dezenas de preciosidades do gênero também lançou dois álbuns do grupo D’Alma. "O perfil da indústria fonográfica mudou demais na última década. Às vezes eu me pergunto se não foi o mercado que evoluiu, enquanto a música instrumental ficou presa a uma fórmula", reflete o violonista, apontando uma certa falta de renovação nesse gênero.

"Tenho ouvido instrumentistas brilhantes, que têm um potencial enorme, como o André Mehmari, o Célio Barros e o Hamilton de Holanda. Até agora, porém, eu ainda não ouvi uma música realmente diferente, que me chame atenção por uma idéia inovadora", observa, comparando essa nova geração à do início dos anos 80. "Ali sim eu vi algo especial, com o grupo Medusa do Amilson Godoy, com o Pau Brasil do Nelson Ayres, com o D’Alma ou o Pé Ante Pé. Foi uma coincidência de grandes instrumentistas com uma música muito boa. Não vi isso acontecer de novo até hoje", afirma.

Foi justamente a vontade de contribuir com algo novo, diz Geraissati, que o levou a utilizar o avançado sistema surround, na sonorização dos shows de lançamento de Next, seu álbum mais recente, de 1999. "Isso motivou mais a platéia, mas não pude fazer muitas apresentações, porque a estrutura para montar aquele show era muito cara em relação ao preço do ingresso que podia ser cobrado. Eu já estava chegando ao valor de uma Elba Ramalho. Preciso encontrar um valor mais viável para esse show", reconhece.

O relativo fechamento do mercado brasileiro para a música instrumental não chega a desanimar o violonista. "Sempre vai existir o grande mercado, com Madonna e Schwarzenegger, mas além do global também há o local. Acho que a música instrumental sempre terá um espaço", considera Geraissati, tomando o guitarrista norte-americano Pat Metheny como um exemplo significativo de renovação na música instrumental internacional, que consegue atrair grandes platéias. "Para mim, ele é o Ray Conniff dos tempos modernos. O Pat Metheny tem uma fórmula musical de que todo mundo gosta", compara.

Prestes a completar 50 anos, Geraissati revela que seu antigo projeto de gravar um álbum com arranjos orquestrais de Egberto Gismonti pode finalmente acontecer. "Conversei com ele alguns dias atrás e a vontade existe dos dois lados. Fazem uns seis anos que a gente vem combinando de fazer um disco com essa música estranha que eu toco, arranjada por ele. Antes de começar, a gente passaria um tempo junto, trocando idéias. Só falta pensar em como viabilizar isso. É o que eu tenho mais vontade de fazer agora", afirma o instrumentista, que também planeja para os próximos meses um show de violão solo, para marcar o relançamento de seus três discos. A temporada será em São Paulo, mas as datas e o local ainda não estão definidos.