Ânimos acirrados em debate sobre música digital

Evento promove discussão entre artistas, gravadoras, entidades arrecadadoras e defensores do MP3; ABPD diz que tirou 2.300 sites do ar só este ano e que Usina do Som está sendo processada

Nana Vaz de Castro
11/11/2000
“A internet é um castigo de Deus para a indústria do entretenimento”. A frase, dita pelo advogado Nehemias Gueiros Jr., especialista em direitos na internet, foi o tom da primeira roda de debates promovida pelo MP3 in Rio, evento realizado nos dias 10 e 11 de novembro no campus Tom Jobim da Universidade Estácio de Sá (RJ) reunindo, além de debates, workshops sobre música e tecnologia e shows de artistas que utilizam a internet para divulgação de seu trabalho.

Participaram da discussão no primeiro dia, além de Gueiros, Gloria Braga, superintendente do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), Márcio Gonçalves, diretor geral da ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos), Marcelo Negrini, gerente de produto do Windows Media, Augusto Santos, da Real Networks, Jameson Rangel, consultor de webmarketing, Bruno Ribeiro, da Módulo Security Solutions, e o cantor e compositor Lobão. Vicente Tardin, jornalista de CliqueMusic, foi o mediador do debate.

As grandes gravadoras, representadas por Gonçalves, foram o principal alvo de críticas. Quando questionado sobre os motivos do preço alto do CD nacional, o que seria um dos motivos da disseminação da pirataria no Brasil, o representante da ABPD chegou a dizer que “o CD nacional não é caro, nós é que ganhamos mal”, provocando reações na platéia.

Lobão – que lançou seu último trabalho, o disco A Vida É Doce, em esquema alternativo, com distribuição em bancas de jornal e pela internet – bateu na tecla da resistência das gravadoras em numerar os discos, para que os próprios artistas possam saber com maior margem de segurança quantas cópias estão sendo vendidas, o que é uma antiga reivindicação da classe artística. “Atualmente só o que se tem a esse respeito é o relatório da gravadora”, corroborou Gueiros. Gonçalves respondeu que as gravadoras estão estudando um modelo de selo numerado para ser colocado nos CDs – o que Lobão já fez em A Vida É Doce, segundo ele a custo de R$ 0,02 por disco.

Representantes de sites de MP3 cobraram do Ecad uma posição em relação ao procedimento legal, tanto para download quanto para streaming, reforçando a diferença entre o primeiro (distribuição) e o segundo (execução pública). O diretor do site Som Brasil – que teve que se reformular e tirar do ar os MP3 que oferecia – apontou a confusão que impera no setor. “Já procuramos o Ecad e os demais órgãos responsáveis, queremos pagar legalmente, mas ninguém sabe quanto cobrar e, ao invés de resolver, simplesmente nos mandam sair do ar”. Gloria Braga, do Ecad, disse que até o final do ano já haverá valores acertados para a cobrança da veiculação de músicas por streaming, principalmente por causa da proliferação das webradios.

Márcio Gonçalves disse que muitos sites não têm meios tecnológicos para especificar quantas vezes tocam cada música, e por isso são retirados do ar. Os representantes dos principais players para internet, Windows Media e Real Player, afirmaram que seus produtos já dispõem dessa tecnologia há tempos. Para confundir ainda mais, a própria representante do Ecad afirmou que muitas rádios e outros veículos convencionais não especificam o que tocam, o que obriga o Ecad a monitorar TVs e rádios para poder pagar corretamente compositores e intérpretes. “Então por que só os sites são retirados do ar, e não as TVs e rádios?”, perguntou da platéia um produtor musical, que não obteve resposta.

Segundo Gonçalves, de janeiro a outubro deste ano 2.300 sites foram tirados do ar por irregularidades relacionadas a execução e/ou distribuição de música em formato digital. Ele afirmou também que o site Usina do Som está sendo processado por desrespeito aos direitos autorais.

Napster e as majors
O recente acordo entre o Napster e a Bartelsmann (BMG Ariola) também foi tema de discussão. “Neste momento, as majors (grandes gravadoras) são aliadas dos artistas, porque essa transição atual e o ajuste que virá exigirão muito dinheiro. É preferível que isso seja feito pelas majors, que têm algum discernimento artístico, do que pelas empresas de telecomunicações, que são a outra opção e que não entendem nada de arte”, disse Negrini, da Windows Media. Ele ressaltou ainda que o Napster é muito mais uma oportunidade do que uma ameaça para as majors.

Gueiros acrescentou que, com 38 milhões de usuários, o Napster representa uma mudança de paradigma no mercado da música.

A internet como alternativa no esquema de distribuição foi um dos tópicos mais discutidos. Negrini apontou como uma das grandes falhas a falta de profissionais especializados nas lojas de discos, que possam atender a vários nichos do mercado, e não apenas ao mainstream.

“O mainstream vai continuar, e cada vez mais mastodôntico, mas com a internet pode haver uma diversidade maior, e cada nicho de mercado poderá ter acesso ao seu produto específico”, disse Lobão, que afirmou também já ter vendido 100 mil cópias com seu esquema alternativo.

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