Antônio Adolfo: entre o passado e o ultra-novo

Músico segue com a série Puro Improviso e relança seu clássico Viralata, de 1979

Marco Antonio Barbosa
15/07/2001
Não basta ter quase 40 anos de carreira, ser reconhecido como um músico fundamental na fusão entre o samba, a bossa nova e o jazz e também desfrutar de um raro status no exterior. Para o irrequieto Antônio Adolfo, tudo isso é pouco. Tanto que, aos 54 anos, o pianista e compositor se lança de cabeça na mais radical experiência criativa de sua vida: os álbuns da série Puro Improviso, que chega agora a seu terceiro volume. O próprio nome do projeto não engana ninguém: tratam-se de álbuns (gravados ao vivo) nos quais Adolfo, só ao piano, inventa literalmente na hora temas 100% improvisados. Como o próprio músico faz questão de explicar - em entrevista ao Cliquemusic concedida do Canadá, onde passa um curto período de férias -, não é um mero exercício instrumental, e sim composições totalmente novas que vão sendo buriladas diante do público. O resultado é gravado digitalmente e os CDRs resultantes são sorteados entre os espectadores do show - e naturalmente transformam-se em peças de colecionador. O mais recente exemplar do projeto foi gravado no último dia 11 de maio, no Teatro Municipal de Niterói, contendo exatos 66 minutos e 38 segundos de... puro improviso.

Convivendo com a inquietação de Puro Improviso, está o relançamento do álbum Viralata ouvir 30s, de 1979, que ganha pela primeira vez edição em CD (pela gravadora Kuarup, em associação com o selo Artezanal, do próprio Antônio Adolfo). O disco é considerado por especialistas como um dos mais importantes na obra de Adolfo. Reúne um time de craques (Jamil Joanes no baixo, Hélio Capucci na guitarra, Teo Lima na bateria, Agenor Mendes na percussão, Bidinho no trompete, Zé Carlos no sax e flauta e Serginho do Trombone), costurando versões ultra-suingadas de Cascavel, Assanhada e Brincadeira em Mi Bemol. O resultado é um marco, afinadíssimo tanto com as tendências mais contemporâneas do jazz elétrico da época quanto com a mais brasileira das tradições. Remasterizado em 1997, o álbum também ganhou uma capa nova, com ilustração de Bruno Liberati (substituindo a capa original, com a foto do cachorro que "inspirou" o título do disco).

Cliquemusic - Como e quando surgiu a idéia da série Puro Improviso?
Adolfo
- O Puro Improviso nasceu em 1999. Eu sempre tive uma vontade muito grande de registrar em disco o momento da composição. Às vezes, quando se está tocando - seja em casa, seja passando o som num estúdio, ou antes de começar um show - surgem coisas que a gente acaba se arrependendo por não ter gravado. Eu simplesmente saio tocando e criando improvisos e composições totalmente na hora. Claro que o piano é um instrumento que ajuda muito neste processo, porque é completo: você tem a melodia, a harmonia, o ritmo e a linha de baixo tudo de uma vez. Outro fator que contribuiu nessa minha vontade de criar esta série foi o fato de eu nunca ter gravado um disco de piano solo, por incrível que pareça.

Cliquemusic - Há uma boa dose de risco envolvida no conceito do projeto...
Adolfo
- É uma experiência ousada, não acha? O risco também contribuiu para essa iniciativa. Quer dizer, você está ali diante de uma platéia que veio para te escutar... Tem gente que foi para ouvir Samarina, Teletema, Juliana ou Cascavel. E eu sem saber o que vou tocar, já que não estou ali para corresponder à expectativa do público. Em vez disso, vou criando climas, frases e componho tudo na hora.

Cliquemusic - E é uma mudança muito radical em relação a seu método tradicional de composição?
Adolfo
- É como olhar para o desconhecido, para o novo, frente a frente. E acaba nascendo alguma coisa dali, sempre nasce. O interessante é que todos os fatores envolvidos no momento da gravação podem contribuir para aquela criação. Outra coisa legal é que na verdade não se trata de um improviso sobre um tema dado, como em uma jam-session de jazz - na qual se tem uma idéia básica e vai se tocando a partir daquilo, fazendo experimentações. O Puro Improviso não é experimentação sonora, é composição mesmo.

Cliquemusic - Na prática, como funciona?
Adolfo
- Eu comecei a experimentar com o Puro Improviso há uns dois anos e registrei de cara um disco, logo nas primeiras sessões, feitas em estúdio - o Mega, no Rio de Janeiro. Foi sensacional. Eu tinha um piano excelente e um técnico - o Márcio Gama - exceleten também. O primeiro exemplar da série saiu pelo selo, o Artezanal. Vou te dizer, muita gente que ouviu o disco não acreditou que eu criei aquilo tudo na hora...

Cliquemusic - E dá mais trabalho que uma gravação convencional?
Adolfo
- Pelo contrário. É só dar um Rec e um Play. Bota para gravar e seja lá o que for!

Cliquemusic - Por quanto tempo você ainda vai prosseguir com a série?
Adolfo
- Pretendo seguir por mais alguns volumes. Preciso sempre de um piano em condições muito boas, e uma sala em condições adequadas - não pode ser apenas um espaço com uma acústica razoável para um concerto, tem de permitir uma boa qualidade de gravação também. O Teatro Municipal de Niterói (RJ), onde gravamos este último volume, foi perfeito. Já na Sala Funarte (RJ), onde fizemos uma gravação em novembro do ano passado, o piano estava meio desregulado e o resultado não ficou muito bom. Essa também é uma outra complicação: os técnicos de som e gravação tem de ser ótimos profissionais.

Cliquemusic - E o retorno comercial?
Adolfo
- Bom, isso sempre depende da necessidade do público de ouvir trabalhos como estes. Mas também depende da mídia, de como se divulga o projeto.

Cliquemusic - Falando agora sobre o relançamento do Viralata, que hoje é considerado um de seus clássicos. Você também acha que é um disco especialmente importante em sua carreira?
Adolfo
- Ah, eu o adoro. Tem o maior suíngue. Muita gente já me disse isso, que o Viralata é minha obra prima. O Victor Biglione é um dos fãs desse disco, não cansa de me dizer isso. O legal é que até hoje ele é moderno; nas mãos de um DJ da pesada, pode ficar muito interessante.

Cliquemusic - Conte um pouco sobre o clima das gravações e a banda que tocou com você no disco.
Adolfo
- O Viralata tem uma grande cozinha rítmica de baixo e bateria e ao mesmo tempo um grande naipe de sopros. Acho que foi a primeira vez em que toda aquela galera se juntou: o Teo Lima e o Jamil Joanes tocando com o Serginho, Bidinho e Zé Carlos. Tem o Hélio Capucci na guitarra, o cara era o rei do suíngue - infelizmente, ele morreu, há pouquíssimo tempo, eu soube outro dia desses. E o Agenor Mendes, um ótimo percussionista, outro cara a quem eu nunca mais vi. Nós ensaiamos por dois dias lá mesmo na Sonoviso. A gravação também só levou dois dias, numa paulada só, com o Toninho Barbosa na técnica.

Cliquemusic - Depois de 22 anos, é a primeira vez que Viralata ganha edição em CD. Você sabia que cópias em vinil do disco original valem hoje uma pequena fortuna nos sebos especializados?
Adolfo
- Sabia sim! Acabei de encontrar em Nova York um DJ chamado Greg Casseus, e as coisas que ele me contou me deixaram estarrecido. Nunca podia imaginar que eu estivesse tão em evidência nas rodas de DJs no exterior. Fiquei sabendo que o Viralata e alguns outros discos meus estão valendo uma grana. O Casseus falou que o Brazuca 2, por exemplo, é um dos mais valorizados. Ele chegou a pagar US$ 250 por um compacto duplo da Brazuca, o que tem Glória Glorinha. Soube também que uma edição do Feito em Casa - que eu havia autorizado a Funarte a usar como divulgação da MPB no exterior - estava sendo vendido pelo selo Dusty Groove, que aliás tem tudo de MPB em vinil nas mãos. Esses caras devem estar ricos... bom, vocês da imprensa sabem disso melhor do que eu. Por um lado fico revoltado com essa exploração, mas por outro também muito feliz. O ego fica nas alturas.

Cliquemusic - Por falar em Nova York, como vai sua carreira no exterior?
Adolfo
- Neste momento estou descansando no Canadá, por pouco mais de duas semanas. Falo que são férias, mas nunca são férias de verdade. Fiz uns contatos em Nova York e agora estou falando com você. Em abril, passei uma semana na Holanda, trabalhando em oficinas de música e palestras no Rotterdam Music Conservatory. Eles têm um departamento de música brasileira por lá, veja você!

Cliquemusic - E também há o Centro Musical que você mantém no Rio de Janeiro. Como vão as coisas por lá?
Adolfo
- Noventa por cento de todo o meu trabalho é dedicado ao Centro Musical. Eu adoro dar aulas e considero um trabalho muito importante, além de ser uma forma digna de se viver só de música. Por lá já passaram amadores e profissionais, crianças e adultos nos mais diferentes níveis de aprendizado. Possuímos também um quadro de profissionais do qual eu me orgulho muito. Ou seja, o Centro vai muito bem, obrigado.