Antônio Nóbrega e o almanaque da cultura popular
O polivalente artista pernambucano comemora seus trinta anos de carreira com o disco/espetáculo Lunário Perpétuo
Marco Antonio Barbosa e Mônica Loureiro
15/08/2002
Muito, muito antes de Chico Science botar Pernambuco no mapa da modernidade musical brasileira, já havia Antônio Nóbrega lá - praticamente um antípoda da geração manguebeat, fincando pé no passado mais remoto para extrair de lá sons, gestos e histórias que embevecem os ouvintes contemporâneos. Nóbrega está de volta com o disco/show Lunário Perpétuo, espécie de resumo de seus 30 anos de carreira, todos dedicados a reler a tradição popular nordestina de uma maneira pessoal, dedicada à interação total com o público e o entretenimento do mesmo. O espetáculo, que estreou em São Paulo em julho, esteve no Rio na semana passada e vai seguir pelos palcos brasileiros afora, relembrando o projeto artístico único de Nóbrega. Único mesmo; quem mais pode se dizer cantor/rabequeiro/brincante/dançador/pesquisador além dele? "Não é uma antologia de minha carreira. Dentro do show novo, privilegiei alguns assuntos, alguns aspectos que me são queridos", revelou Nóbrega ao Cliquemusic sobre Lunário Perpétuo.
O Lunário original era um livro, espécie de almanaque que circulava entre o povo nordestino durante a infância de Nóbrega (que tem hoje 51 anos). "Tinha astrologia, receitas, histórias de mitologia, biografias de santos, dados para a agricultura..." cita o múltplo artista. O disco assume ares de "álbum conceitual", organizado visual e sonoramente em função das referências ao tal almanaque. "São três os tópicos que escolhi enfocar no disco", conta Nóbrega. "A importância da rabeca na minha carreira, que um instrumento ao qual ainda devoto muito de minha energia criadora; os romances, as histórias cantadas que sempre estão presentes em meu trabalho; e o cancioneiro popular, com o qual me expresso através das formas da poética nordestina."
No palco, 13 pessoas - entre músicos e dançarinos - ajudam a dar nova vida aos frevos, marchas, galopes e cantigas entoados por Nóbrega. "O Lunário não tem a mesma grandiloqüência do Marco do Meio-dia (espetáculo anterior do artista, de 2000)", diz o pernambucano. "É uma encenação mais austera, mas ainda assim com a mesma intensidade." As músicas do CD homônimo (editado pelo selo Brincante, do próprio Nóbrega, e distribuído pela Trama), como O Rei e o Palhaço, Romance da Filha do Imperador do Brasil e Romance da Nau Catarineta são a base do repertório. Nóbrega destaca algumas canções em particular. "Gostei de gravar e cantar Pagão, foi a primeira vez em que gravei Pixinguinha. Além disso, há uma música do grande Lourival Oliveira, Canjiquinha - uma polca - e Ponteio Acutilado, uma canção que escrevi em 1970, a primeira que fiz para o Quinteto Armorial", lembra.
A estréia do show, em São Paulo, foi uma ocasião de gala; uma temporada de duas semanas no Sesc Pompéia que incluiu várias participações especiais, palestras, exposições e até uma aula-espetáculo conduzida por Ariano Suassuna. Para as apresentações posteriores, o formato foi reduzido. "Em São Paulo foi o Sesc que produziu, então pudemos fazer algo mais amplo. Mas já na vinda para o Rio tivemos grandes dificuldades de espaço", explica Nóbrega. Reduzido ou não, o espetáculo vai contar com o mais conhecido personagem encarnado pelo artista, o palhaço Tonheta. "Ele não está no CD, mas no palco sim", fala Nóbrega, que refere-se ao personagem sempre na terceira pessoa. "Quem decide quanto tempo dura o espetáculo é ele. A duração oficial é de 1h35m, isso quando Tonheta não fica meio doido da cabeça e estica um pouco mais...", brinca. Na versão ao vivo de Lunário, Tonheta canta Meu Foguete Brasileiro, parceria de Nóbrega e Bráulio Tavares, Patativa (Vicente Celestino) e uma versão de Apanhei-te Cavaquinho (Ernesto Nazareth) rebatizada Apanhei-te Rabequinha.
A multiplicidade de ritmos e estilos, o forte tom lúdico da encenação e as marcantes performances de dança, marcas registradas do trabalho de Nóbrega, estão no show e sublinham as três décadas de arte do polivalente pernambucano. "Na verdade, minha estrada começou aos 11 anos, quando descobri o violino. Mas foi o convite para tocar no Quinteto Armorial que eu considero o ponto inicial de minha carreira efetiva", narra. "Ariano Suassuna me chamou para trocar o violino pela rabeca, e sofri um abalo com as formas de aprendizado que se abriram para mim. Dez anos com o Quinteto renderam quatro discos; paralelamente, Nóbrega criou três espetáculos-solo (a partir de 1976) antes de deixar o grupo e radicar-se em São Paulo, em 1982.
Hoje, o lado pesquisador/educador é tão forte quanto a porção artística - na verdade, as duas faces se completam. "Toco, em parceria com minha esposa Rosane, o Brincante, que agora está fazendo dez anos - que funciona na Vila Madalena (SP) e é um espaço para criar e produzir eventos que mostrem o Brasil que o povo não conhece por falta de divulgação. Lá, temos cursos como 'A arte do brincante para educadores', coordenamos o projeto Zabumbau, com jovens percussionistas, fazemos oficinas de artistas populares e dança..." enumera Nóbrega. Tudo isso em função da bandeira que carrega há 30 anos, que reza: cultura popular não é folclore. "A cultura do povo não pode ser vista por esse viés da 'coisa exótica', que é estático, não gera nada. As manifestações sobre as quais eu trabalho tem um papel fecundador da cultura, coisa que o folclore não tem", diz Nóbrega.
O Lunário original era um livro, espécie de almanaque que circulava entre o povo nordestino durante a infância de Nóbrega (que tem hoje 51 anos). "Tinha astrologia, receitas, histórias de mitologia, biografias de santos, dados para a agricultura..." cita o múltplo artista. O disco assume ares de "álbum conceitual", organizado visual e sonoramente em função das referências ao tal almanaque. "São três os tópicos que escolhi enfocar no disco", conta Nóbrega. "A importância da rabeca na minha carreira, que um instrumento ao qual ainda devoto muito de minha energia criadora; os romances, as histórias cantadas que sempre estão presentes em meu trabalho; e o cancioneiro popular, com o qual me expresso através das formas da poética nordestina."
No palco, 13 pessoas - entre músicos e dançarinos - ajudam a dar nova vida aos frevos, marchas, galopes e cantigas entoados por Nóbrega. "O Lunário não tem a mesma grandiloqüência do Marco do Meio-dia (espetáculo anterior do artista, de 2000)", diz o pernambucano. "É uma encenação mais austera, mas ainda assim com a mesma intensidade." As músicas do CD homônimo (editado pelo selo Brincante, do próprio Nóbrega, e distribuído pela Trama), como O Rei e o Palhaço, Romance da Filha do Imperador do Brasil e Romance da Nau Catarineta são a base do repertório. Nóbrega destaca algumas canções em particular. "Gostei de gravar e cantar Pagão, foi a primeira vez em que gravei Pixinguinha. Além disso, há uma música do grande Lourival Oliveira, Canjiquinha - uma polca - e Ponteio Acutilado, uma canção que escrevi em 1970, a primeira que fiz para o Quinteto Armorial", lembra.
A estréia do show, em São Paulo, foi uma ocasião de gala; uma temporada de duas semanas no Sesc Pompéia que incluiu várias participações especiais, palestras, exposições e até uma aula-espetáculo conduzida por Ariano Suassuna. Para as apresentações posteriores, o formato foi reduzido. "Em São Paulo foi o Sesc que produziu, então pudemos fazer algo mais amplo. Mas já na vinda para o Rio tivemos grandes dificuldades de espaço", explica Nóbrega. Reduzido ou não, o espetáculo vai contar com o mais conhecido personagem encarnado pelo artista, o palhaço Tonheta. "Ele não está no CD, mas no palco sim", fala Nóbrega, que refere-se ao personagem sempre na terceira pessoa. "Quem decide quanto tempo dura o espetáculo é ele. A duração oficial é de 1h35m, isso quando Tonheta não fica meio doido da cabeça e estica um pouco mais...", brinca. Na versão ao vivo de Lunário, Tonheta canta Meu Foguete Brasileiro, parceria de Nóbrega e Bráulio Tavares, Patativa (Vicente Celestino) e uma versão de Apanhei-te Cavaquinho (Ernesto Nazareth) rebatizada Apanhei-te Rabequinha.
A multiplicidade de ritmos e estilos, o forte tom lúdico da encenação e as marcantes performances de dança, marcas registradas do trabalho de Nóbrega, estão no show e sublinham as três décadas de arte do polivalente pernambucano. "Na verdade, minha estrada começou aos 11 anos, quando descobri o violino. Mas foi o convite para tocar no Quinteto Armorial que eu considero o ponto inicial de minha carreira efetiva", narra. "Ariano Suassuna me chamou para trocar o violino pela rabeca, e sofri um abalo com as formas de aprendizado que se abriram para mim. Dez anos com o Quinteto renderam quatro discos; paralelamente, Nóbrega criou três espetáculos-solo (a partir de 1976) antes de deixar o grupo e radicar-se em São Paulo, em 1982.
Hoje, o lado pesquisador/educador é tão forte quanto a porção artística - na verdade, as duas faces se completam. "Toco, em parceria com minha esposa Rosane, o Brincante, que agora está fazendo dez anos - que funciona na Vila Madalena (SP) e é um espaço para criar e produzir eventos que mostrem o Brasil que o povo não conhece por falta de divulgação. Lá, temos cursos como 'A arte do brincante para educadores', coordenamos o projeto Zabumbau, com jovens percussionistas, fazemos oficinas de artistas populares e dança..." enumera Nóbrega. Tudo isso em função da bandeira que carrega há 30 anos, que reza: cultura popular não é folclore. "A cultura do povo não pode ser vista por esse viés da 'coisa exótica', que é estático, não gera nada. As manifestações sobre as quais eu trabalho tem um papel fecundador da cultura, coisa que o folclore não tem", diz Nóbrega.