Arnaldo Baptista quer voltar à cena
Cansado da vida pacata num sítio em Juiz de Fora, o compositor já planeja um disco inédito e é convidado por Lobão e Sean Lennon para participar de shows
Os projetos não param por aí. Outro ilustre fã, com sobrenome famoso, quer porque quer levar Arnaldo para acompanhá-lo em suas turnês mundiais. É Sean Lennon, filho de John, que desde que ouviu pela primeira vez os Mutantes no toca fita do carro (essa história quem conta é Arnaldo, durante a entrevista) ficou obcecado pela extinta banda paulistana. De lá para cá, Sean virou uma espécie de divulgador oficial do grupo no exterior - desenhou a capa de Tecnicolor, álbum inédito (gravado em 1970) lançado em 2000. Os dois se encontraram em setembro do ano passado, durante o Free Jazz, no Rio de Janeiro. Na ocasião, Sean convidou Arnaldo para cantarem juntos uma versão em inglês de Panis et Circensis, clássico do primeiro disco dos Mutantes.
Arnaldo também lembrou de seu contato rápido com Kurt Cobain (líder do Nirvana, morto em 1994), com quem trocou alguns bilhetes quando o americano esteve aqui, em 1993, participando do Hollywood Rock. "Cuidado com o sistema, eles te engolem e te cospem fora como sementes de cereja", alertou Cobain, outro fã de carteirinha dos Mutantes. A resposta do brasileiro veio na mesma hora: "Eu já fui engolido, cuspido e estou começando tudo de novo." Recomeçar e retomar o mesmo brilho como compositor, de criações como Balada do Louco e Ando Meio Desligado, não tem sido fácil. Porém, a dificuldade em conversar e escrever já não é tão grande como nos primeiros anos após o acidente. Tanto que ele já pensa em lançar um novo disco - a Universal Music fez uma proposta oficial ao músico.
Apesar de mais lúcido e articulado, Arnaldo ainda insiste em levantar discussões sem muito nexo, como a sua defesa apaixonada das guitarras Gibson, segundo ele eternamente superiores às Fender, preferidas dos atuais guitarristas. Por esse motivo ele alega que não fala mais com o irmão, o também mutante Sérgio Dias Baptista, um dos grandes guitarristas surgidos no Brasil. Com Rita Lee, sua ex-mulher e parceira, não há mais relação - os dois não se vêem mais e nem fazem questão disso, o que acaba com qualquer possibilidade de volta dos Mutantes.
Nesta entrevista a CliqueMusic, Arnaldo Baptista conversou sobre seus planos; sua participação no Abril Pro Rock, festival em que ele vê semelhanças com o lendário Woodstock; da amizade com Sean Lennon; da tardia aceitação dos Mutantes no exterior e sobre a atual fase da música brasileira. "Fui assistir a um show do Charlie Brown Jr e achei legal", conta.
CliqueMusic - O Lobão conseguiu te convencer a participar do Abril Pro Rock no Recife. Como será cantar num festival para mais de 40 mil pessoas depois de tantos anos ausente do palco?
Arnaldo Baptista - Estou muito feliz. Andei pesquisando algumas matérias sobre esse festival e percebi que ele dá muita força aos grupos novos, ao pessoal do underground. Esse perfil é muito parecido com a do Woodstock (a primeira edição, em 1969). Não há a presença forte do mercado, das gravadoras.
CliqueMusic - Existe a chance de você cantar alguma canção inédita?
Arnaldo Baptista - Não sei ainda. Eu e o Lobão combinamos de tocar novas versões de Sanguinho Novo e Sr. Empresário, já gravadas por mim. Outro dia, ensaiei no meu estúdio uma canção de que gosto muito, Traduções, também já lançada em disco (Disco Voador, de 1987, pela Baratos Afins). Das inéditas, talvez toque uma que compus recentemente, chamada Deve Ser Amor o que Eu Estou Sentindo.
CliqueMusic - Se você voltou a compor com freqüência deve também estar preparando um novo disco...
Arnaldo Baptista - Tenho escrito bastante, mas não consegui ainda levar esse material para o mercado. Surgiram propostas das gravadoras Universal Music e da Virgin. Não sei quando deve sair esse disco, estou por fora dessa parte empresarial.
CliqueMusic - Incentivadores é que não faltam. Sean Lennon, por exemplo, é um grande entusiasta de sua música.
Arnaldo Baptista - Curioso isso, né? O filho de meu ídolo é meu fã. O Sean me convidou agora para eu acompanhá-lo em turnês internacionais. Queria que eu fosse com ele ao Japão, onde iria me apresentar a alguns amigos. Não vou, prefiro ficar por aqui.
CliqueMusic - Como surgiu essa aproximação de vocês?
Arnaldo Baptista - Participei do show do Sean aqui no Brasil. Conversamos bastante sobre Beatles e Mutantes. Das brigas de John (Lennon) com George (Harrison). Ele me disse que estava dirigindo o seu carro quando ouviu Mutantes pela primeira vez. Parou o carro na mesma hora e disse: "Isso é uma maravilha!"
CliqueMusic - Está surpreso com o sucesso tardio dos Mutantes no exterior?
Arnaldo Baptista - De uma certa forma, sim. Recebo fitas do exterior com gente querendo me mostrar novas canções. Outras me mandam e-mails me elogiando. E muitas dessas pessoas eu sei que são conhecidas mundialmente (Dave Grohl, baterista do Nirvana, hoje líder dos Foo Fighters, e Beck são algumas delas).
CliqueMusic - Eles devem sempre pedir a volta do grupo...
Arnaldo Baptista - Estive recentemente com o Serginho (Baptista, seu irmão) e fomos até o estúdio dele. Lá estavam seis guitarras Fender. Ele se recusa a usar a guitarra Gibson, mesmo sabendo que ela é superior em todos os sentidos a Fender. São mais de 20 anos discutindo por causa disso. Não há possibilidade de volta dos Mutantes.
CliqueMusic - Mas você não acha infantil levar essa discussão até o fim? Não é um motivo pequeno para separar dois irmãos e companheiros de grupo?
Arnaldo Baptista - Não acho, pois o uso da Gibson é fundamental para definição de uma sonoridade. Não vou mais brigar por isso, hoje eu só vou fazer o que eu quero.
CliqueMusic - O que você tem ouvido de música brasileira? O que acha da invasão da música eletrônica?
Arnaldo Baptista - Outro dia fui assistir a um show do Charlie Brown Jr. Achei bom. Gosto mesmo é do Zeca Baleiro, do modo como ele compõe. Ainda estou engatinhando na música eletrônica e por enquanto não sinto falta dela. O meu instrumento, o piano, não pode ser substituído por nenhum recurso eletrônico.