Ary Vasconcellos é homenageado no Rio

Pioneiro pesquisador e crítico de MPB comemora 75 anos com roda de samba e choro no Centro de Arte Hélio Oiticica (RJ)

Rodrigo Faour
15/02/2001
Foto: Nana Vaz
Ary Vasconcellos
Ary Vasconcellos é um nome que não pode ser esquecido por todos os estudiosos de música popular brasileira. Apesar de ter-se formado advogado, o jornalismo falou mais alto. Já nos anos 40, colaborava na famosa coluna Um Pouco de Jazz, de Silvio Tulio Cardoso, no jornal O Globo. Nos anos 50, trocou as análises de jazz pelas de MPB. Como crítico, colunista, cronista e redator participou de revistas e jornais como A Cena Muda, A Cigarra, O Cruzeiro, O Papagaio, O Jornal, Rio Magazine, Chuvisco, Country, Farpa, Guanabara, além dos jornais O Dia, O Globo, Jornal do Brasil e Jornal do Commércio. Paralelamente a essas atividades, escreveu alguns dos primeiros livros sobre a história da MPB, como Panorama da Música Popular Brasileira (volumes I e II), Raízes da Música Popular Brasileira, Panorama da Música Popular Brasileira na Belle Époque, Nova Música da República Velha e Carinhoso - História e Inventário do Choro. Também participou da estruturação dos grandes festivais internacionais da canção nos anos 60, produziu diversos programas de rádio e TV e organizou discos com peças de sua imensa discoteca.

Depois de passar pela chefia da musicoteca do Museu da Imagem e do Som (MIS) e de ser membro do Conselho Estadual de Cultura e assessor do Instituto Nacional da Música (da Funarte), ele está desde 1983 como conselheiro e diretor de atividades culturais na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Para comemorar uma vida tão intensa em prol da música brasileira e seus 75 anos de idade, completos no último dia 4, alguns de seus amigos estão promovendo uma roda de samba e choro aberta ao público, hoje, dia 15, a partir das 18h30, no Centro de Arte Hélio Oiticica (R. Luis de Camões, 68 - Praça Tiradentes, RJ). Entre outros, já confirmaram presença Hermínio Bello de Carvalho, Cristina Buarque, Maurício Carrilho, Teresa Cristina, Pedro Amorim e Luciana Rabello. Na oportunidade também estarão à venda os livros por ele escritos.

Do jazz à MPB
Ary conta que seu interesse pela MPB foi gradativo. Inicialmente, era um amante do jazz americano. "Nos anos 40, trabalhava com o crítico Silvio Tulio Cardoso, que era muito meu amigo. Assim como ele, eu gostava dos grandes cantores da música americana em geral. Quando o grande artista era o Bing Crosby, já sabia que tinha um outro tão bom ou melhor que ele surgindo, que era o Frank Sinatra. A Billie Holiday também foi uma que me entusiasmou muito na época. Na revista A Cena Muda, o Silvio Tulio me dava o material, mas quem escrevia a coluna Swing Fã já era eu", conta ele, que pouco depois, por influência da coluna de MPB que Lúcio Rangel possuía na Revista Manchete, passou também a interessar-se sobre o assunto e a escrever a sua própria coluna em veículos como O Jornal (RJ) e a revista O Cruzeiro. Dessa época, ele guarda recordações curiosas, como a que artistas como Luiz Gonzaga e ritmos nordestinos em geral, como o baião, não eram tão valorizados por ele próprio e pela crítica em geral como seriam posteriormente.

À medida que foi se interessando pela MPB, Ary foi criando sua famosa coleção de discos, ainda na época das bolachas de 78 rotações. "Tenho pelo menos uns 20 mil discos. Tenho um apartamento só para guardar os discos e também os milhares de livros. Já não tenho lugar para colocar nada...", diverte-se ele, que ao mesmo tempo começou a realizar o precioso trabalho de pesquisador de MPB, publicando livros, de uma forma também casual. Essa atividade começou quando, em sua coluna de música brasileira na revista O Cruzeiro, ao escrever sobre figuras como o sambista Wilson Batista, percebeu que sabia muito pouco a respeito delas. E assim como ele, o público estava carente de informações mais precisas sobre os grandes criadores de nossa música.

"O Wilson foi um dos primeiros que contatei. Sabia-se que ele era um grande sambista, mas nada além disso. Para me aprofundar, fui entrando em contato com grandes figuras para saber mais sobre suas vidas, fazer um levantamento biográfico. Perguntei ao dono da Editora Martins se ele teria interesse em publicar um livro sobre biografias de MPB. E ele me respondeu: 'Você fazendo, publicamos'. Isso me entusiasmou. Quer dizer, de certa forma até me atrapalhou pois vi que não podia fazer qualquer droga... (risos) Tinha algumas biografias mas estavam um pouco incompletas. Trabalhei quase um ano procurando melhorá-las. Não foi muito difícil porque no começo dos anos 60 estava quase todo mundo vivo, até Pixinguinha", lembra. A repercussão do primeiro livro de Ary, Panorama da Música Brasileira, foi muito boa. Esgotou em pouco tempo, o que, segundo ele, o incentivou a fazer cada vez mais e melhores livros.

Maratona, macrobiótica e choro
Quando não está à frente da ABI, Ary fica em casa curtindo sua imensa coleção ou cuidando da saúde. Ele adora fazer cooper. Chegou a disputar nove maratonas e há muitos anos é adepto da culinária macrobiótica. "Não como carne vermelha e no dia em que comi, quebrei a cara. Foi no Sul. Lá, churrasco é quase uma religião, e para não fazer desfeita, pensei: 'comer carne uma vez na vida não tem importância...' Mas foi terrível. Voltei, já no avião, todo inchado", ri. Só não ganha espaço em seu cotidiano a música "jovem" atual. "A música tem que entusiasmar. Temos que ouvir o que gostamos. E hoje a maioria das coisas que tenho ouvido ficam mais na gaveta do ruim. Mas os grandes autores brasileiros e os mestres choro - inclusive do presente - são hoje os que ocupam o lugar que o jazz tinha no começo da minha vida".

Feliz com seus 75 anos de bons serviços prestados à MPB, Ary não esconde uma ponta de orgulho por seu pioneirismo. "Só posso dizer que o mercado para a pesquisa musical melhorou. Na minha época, era muito difícil as pessoas apoiarem e investirem nesse tipo de trabalho". E será que há algum disco que Ary sonharia ver em formato CD? Sua resposta é digna de um grande colecionador: "Não tenho problemas. Porque se o disco está em 78 rpm, vou lá e escuto. Em LP, a mesma coisa, não importa. A Revivendo é que tem lançado muita coisa boa. O próprio Orlando Silva, que para mim foi o maior cantor do mundo, tem muita coisa que não saiu em CD. Dircinha Batista, que era uma das minhas favoritas, e a própria Linda, não têm praticamente nada reeditado. Felizmente, eu tenho esses discos e posso ouvir". Pelo menos é uma recompensa por tanta dedicação.