As belas noites de Caetano Veloso

Novo show do cantor arrebata público de celebridades em temporada carioca

João Pimentel e Mario Marques
21/06/2001
Caetano Veloso sobe hoje (dia 21) ao palco do Canecão (RJ) para a última semana da temporada de Noites do Norte, visto até agora por 16 mil espectadores. As louvações em frente ao palco são de deslumbre diante do cantor, que faz gestos de rapper, deleita-se sobre as harmonias da bossa nova, olha para o passado com as mãos sujas de modernidade e pinta o futuro com o espectro de Joaquim Nabuco. Sob olhares reverentes de habitués vips e dos fãs, Caetano montou o que de melhor um espetáculo de música brasileira pode produzir.

"É o mais brilhante que já vi", sentencia a cantora Ana Carolina, traçando um paralelo entre este e todos os outros que assistiu nos anos 90. "Ele mostra o quanto é moderno, conseguindo reler com propriedade, sem prender-se às fórmulas iniciais, músicas como Cajuína e Tigresa. É uma fonte de informação de música."

Caetano capta a essência de sua própria música: avança sobre repertório sem compromisso com conceito, diferentemente da linha sócio-racial do último CD, Noites do Norte ouvir 30s, no qual se debruça sobre os pensamentos de Joaquim Nabuco.

"Tem tudo o que se espera de Caetano. E muitas surpresas. Em perfeito equilíbrio: tem peso e leveza, tradição e renovação, solidez e audácia", comenta o compositor e jornalista Nelson Motta. "Musicalmente é um grande avanço, com a sensacional seção de percussão, que executa arranjos de verdade, ricos e complexos, com nuances, dinâmicas, frases, polifonias. Com a banda renovada, criou novos arranjos percussivos para seus clássicos como Menino do Rio, Gente, Trem das Cores e para O Último Romântico (Lulu Santos e Antonio Cícero) e várias outras suas e alheias, sempre com resultados de surpreendente beleza. De Joaquim Nabuco a MC Beth. Aliás, a miniversão do Tapinha, ao contrário da original, tem grande riqueza rítmica e muito mais suíngue! "

Delicadeza que não ajoelha ao batuque
Ao longo do show, que revisita a bossa nova, com Samba de Verão (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle), Caminhos Cruzados (Tom Jobim e Newton Mendonça) e Eu e a Brisa (Johnny Alf); empresta lirismo a pérolas do pop, como O Último Romântico e Magrelinha (Luiz Melodia); mortifica emblemas do axé como Meia-lua Inteira (Carlinhos Brown) e Mimar Você (Timbalada); relê-se delicadamente em Tigresa, Leãozinho, Dom de Iludir e, claro, a quase sua Sozinho (de Peninha); e até faz o Menino do Rio cair na batucada de seu voraz quarteto de percussionistas Marcio Vitor, Josino Eduardo, Eduardo Josino e André Junior. "A banda está perfeita. Os quatro percussionistas e o Davi (Moraes), na guitarra, dão um show" analisa a cantora Sandra de Sá, que considera o espetáculo tão primoroso que não consegue se lembrar dos anteriores de Caetano. "Ele abusa das experimentações sem nunca abrir mão da simplicidade, toca fundo na alma de quem está assistindo. E o repertório é perfeito."

Nana e Waly olham para o passado
A despeito de sua vasta coleção de canções, há também a nova safra de composições, sete ao todo pinçadas do denso Noites do Norte, no espetáculo. Delas retira-se a crueza instrumental do disco e acrescenta-se muito suingue ao vivo.

"O Caetano optou por uma linguagem mais moderna, com guitarras", diz Nana Caymmi, que, entretanto, faz aumentar o volume de seu saudosismo. "Mas eu, particularmente, prefiro somente ele com voz e violão, aquela coisa meio lânguida. Esse é meu gosto pessoal. Adoro boleros, baladas. E o Caetano só em cena com o violão me remete a outros tempos, faz-me lembrar a mãe dele, dona Canô. São lembranças de tempos atrás. Mas isso é coisa minha, ele tem que fazer o que quiser e acho que ele está muito certo. Gosto de tudo o que ele faz."

Para trás também se olha, complementa o poeta e produtor Waly Salomão, que revira o baú e tem lá suas queixas. "Não dá para deixar de olhar para os primeiros shows do Caetano e compará-los com este", começa Salomão, que em seguida desanda a relembrar sua ligação estreita com Caetano. "Para mim são muitos. Hoje, acho que Caetano canta cada vez melhor, mas não me bate a passarinha e a ausência de Cobra Coral (letra de Waly musicada por Caetano no novo CD) desfalca o show de uma boa dose de veneno. A minha carteirinha de fã desbotou."

Zera a Reza, 13 de Maio, Rock'n Raul, Sou Mulato, Zumbi (Jorge Ben) e a belíssima Meu Rio chamam as companhias de Haiti - cujo andamento rap e silêncio contemplativo no refrão soam irmãs sonoras - e Two Naira Fifty Kobo, mistura que fermenta quando o show precisa.

"É o show do Caetano mais diversificado que já vi. As várias formações dão dinâmica ao espetáculo e as versões são arrebatadoras", define o compositor Flávio Venturini, que esteve na estréia. "A cozinha está perfeita e os arranjos são magníficos. A isso damos o nome de espetáculo."

Todo de preto, acompanhado no figurino pela banda que, além dos percussionistas, tem ainda Davi Moraes (guitarra), Jaques Morelenbaum (cello), Pedro Sá (baixo) e Cesinha (bateria), Caetano instiga a platéia a entender quais caminhos sua apresentação vai tomar. São muitos, que revisitam sua carreira ou dão novos coloridos às sonoridades empregadas em sua música desde os anos 60. Mas, ao final, neste domingo, os rumos do cantor estão definidos, e não há previsão de volta ao palco da casa de shows de Botafogo. Do Rio, o espetáculo Noites do Norte segue para São Paulo, dia 28. Dali vai para Portugal e Espanha. A produção de Caetano não confirma uma turnê nacional. Até agora, o privilégio é carioca e paulistano.