As sete cordas eternas de Dino

Aos 82 anos de idade, o maior violonista de sete cordas do Brasil continua atuando, dando aulas e gravando, e não esconde a satisfação por ter sido o maior divulgador do instrumento

Nana Vaz de Castro
12/03/2001
Pouca gente entende tanto de baixaria como Horondino José da Silva. Mais conhecido como Dino 7 Cordas, o violonista não inventou o instrumento que lhe serve de sobrenome artístico, mas foi o principal responsável pelo desenvolvimento de sua técnica e de sua linguagem - que passa necessariamente pelo que se chama nas rodas de choro de "baixaria", uma espécie de contraponto melódico nas cordas mais graves do violão. Mais que isso, Dino criou uma escola de sete cordas na música brasileira. "Dizem que eu criei uma escola. Acho isso formidável. Quando se fala em violão de sete cordas, fala-se do Dino", diz o mestre, referindo-se naturalmente a si mesmo na terceira pessoa.

Com quase 83 anos de idade (faz aniversário dia 5 de maio), Dino continua em plena atividade. Não grava mais no mesmo ritmo frenético de 20 anos atrás, quando passava mais de 12 horas dentro dos estúdios ("nem dava tempo de almoçar"), mas continua propagando sua arte através de aulas, quatro vezes por semana, nas tradicionais lojas de instrumentos Bandolim de Ouro (segundas e quartas-feiras) e Casa Oliveira (terças e quintas-feiras), no centro do Rio. E garante: "Meu ideal é morrer com o violão na mão."

A didática, assim como o violão, aprendeu sozinho. "Sou um autodidata, nunca tive professor de violão", orgulha-se, ressaltando que teve apenas aulas de teoria musical nos anos 40. O início do namoro com o violão foi com o instrumento do pai, que tocava como amador. Tirava tudo de ouvido, escutando rádio e imitando. Em 35, conheceu o flautista Benedito Lacerda, líder do mais prestigiado conjunto regional da época. "O Jacob do Pandeiro [Jacob Palmieri] me levou para conhecer o Benedito no Camiseiro, na Rua Larga [atual Marechal Floriano]. Ele quis ver se eu tocava mesmo, pegou um violão e botou na minha mão. E aí eu comecei a descascar o abacaxi", lembra Dino, divertido.

Dino e Meira, uma grife
No ano seguinte o violonista oficial do Regional de Benedito Lacerda, Nei Orestes, ficou doente. "Ele foi pra Argentina, tomou um banho frio e ficou doente. Apanhou uma galopante. Aí o Canhoto [cavaquinista do conjunto] sugeriu o meu nome para o Benedito, e foi até a minha casa me avisar, me falou que o Benedito queria que eu substituísse o Nei", conta Dino. As coisas acabaram acontecendo de uma tal forma que Nei Orestes morreu sem nunca mais ter voltado para o conjunto, e Dino assumiu definitivamente um dos violões do regional. Logo em seguida, entrou Jayme Florence, o Meira, no outro violão (no lugar de Carlos Lentine), estabelecendo uma das duplas mais longevas da MPB, com mais de 40 anos de parceria. "Violões: Dino e Meira" passou a ser uma grife, constante e quase obrigatória em nove de cada dez discos de choro e samba nas décadas de 40, 50, 60 e 70.

Nessa época, Dino ainda tocava o violão de seis cordas, e foi com ele que participou das famosas gravações do duo Pixinguinha (sax tenor) e Benedito Lacerda (flauta) nos anos 40. Para violonistas como Mauricio Carrilho, essa experiência foi importante para o desenvolvimento da linguagem do instrumento. "A minha opinião é que ele sofreu muita influência do Pixinguinha, na época em que ele fazia duetos com o Benedito Lacerda. O Pixinguinha no saxofone fazia o contraponto, mais grave, como faria mais tarde o Dino com o sete cordas", diz Carrilho. Luiz Otávio Braga, que inovou ao usar pela primeira vez cordas de náilon no sete cordas, quando entrou para a Camerata Carioca de Radamés Gnattali, em 1983, concorda: "De certa forma o Dino assumiu o papel do sax tenor do Pixinguinha".

Foto: Nana Vaz de Castro
Dino toca um dos seus cinco violões de sete cordas
A inspiração para a sétima corda veio do violonista Tute (Artur de Souza Nascimento), que tocava nos conjuntos liderados por Pixinguinha (Oito Batutas, Grupo da Guarda Velha, Orquestra Victor). Antes de Tute, não há praticamente referências ao violão de sete. Segundo o violonista e pesquisador Luis Filipe de Lima, autor de uma tese de doutorado sobre choro, o violonista Otávio Vianna, o China, irmão de Pixinguinha e integrante dos Oito Batutas, também tocava sete cordas. "Há uma foto de 1910 em que China empunha o instrumento. O que não quer dizer que ele tenha sido de fato o primeiro. Afinal, ele e Tute eram da mesma geração e tocavam nos mesmos grupos", diz Lima.

Dino freqüentava os lugares onde Tute tocava só para vê-lo em ação com o sete cordas. "Eu achava lindo o Tute tocando aquele violão, mas não queria que ele pensasse que eu o estava imitando, então só comecei a tocar sete cordas depois que ele morreu", conta, referindo-se à primeira metade da década de 50. Dino encomendou um violão de sete cordas com o luthier Silvestre na loja Bandolim de Ouro e passou a estudar o instrumento, usando como sétima uma corda de violoncelo, procedimento adotado até hoje. Já então o Regional de Benedito Lacerda virara Regional do Canhoto, comandado pelo cavaquinista, e o som que Dino fazia com o novo violão, que tinha a corda extra afinada em dó, fez sucesso.

Dino não largou mais o violão de sete cordas, e ao longo das décadas desenvolveu uma verdadeira linguagem para o instrumento, definindo um papel diferente para o violão de seis e o de sete cordas dentro do conjunto regional de choro e samba. Na década de 60, foi chamado por Jacob do Bandolim (a quem já conhecia desde a década de 30) para integrar o Época de Ouro, conjunto de que faz parte até hoje. Até então conhecido apenas como Dino, foi Jacob quem o convenceu a incorporar o 7 Cordas ao nome artístico. Mas para suas composições, usa o nome de batismo, Horondino Silva. "O compositor é Horondino, o violonista é Dino", explica, citando Isaurinha Garcia, Orlando Silva, Déo e Silvio Caldas como intérpretes favoritos para suas músicas.

Guitarrista de baile
Um pouco mais tarde, a explosão da Jovem Guarda e da música jovem tornaram as coisas mais difíceis. Gravações e shows escassearam, e Dino viu-se obrigado a tomar uma atitude extrema: comprar uma guitarra. "Eu passei a tocar guitarra porque já não era mais chamado para tomar parte em gravações. Aí me chamaram e eu passei a tocar com o Paulo Barcelos, que tinha um conjunto de bailes e tocávamos todo fim de semana. Eu defendia. Mas ficava muito triste e chateado, porque eu gostava do choro, que estava em baixa", lembra-se. A má fase passou, e na década de 70 Dino voltou a gravar, primeiro com as pioneiras coletâneas anuais de sambas-enredo do carnaval carioca, depois para uma infinidade de discos de samba. O que fez com a guitarra? "Vendi na primeira oportunidade."

São da década de 70 alguns de seus trabalhos mais notáveis, como os dois discos de Cartola lançados pelo selo Marcus Pereira, considerados a melhor aula por todos os violonistas de sete cordas (leia depoimentos). Nos créditos, arranjos e direção musical de Dino. "O Cartola fazia assim: ele tocava violão - mal, mas tocava - e eu ia escrevendo, e aí comecei a fazer os arranjos. Trocava acordes, fazia diferente do que ele fazia. Fazia os baixos... Eu harmonizei tudo e passaram a dizer que era arranjo meu", conta.

Raphael & Dino
Não faltaram convites para gravar um disco próprio, mas Dino gentilmente recusou, sempre com o mesmo argumento: não é solista, é acompanhador. O único que conseguiu convencê-lo a ter seu nome figurando na capa de um disco foi seu mais famoso discípulo, Raphael Rabello. Juntos, fizeram os arranjos e gravaram Raphael Rabello & Dino 7 Cordas em 1991, pelo extinto selo Caju Music (hoje em catálogo pela Kuarup). A adoração de Raphael por Dino é comprovada por todos que conviveram com eles. Houve uma época em que Raphael - que a princípio usava o nome Rafael 7 Cordas - chegou ao cúmulo de se vestir com roupas idênticas às de Dino, feitas no mesmo alfaiate. "Eu usava óculos, ele passou a usar óculos. Eu usava um anel neste dedo, ele passou a usar também. Tudo pra parecer comigo. Mas isso me deixava feliz da vida", ri o sete cordas. Dizem até que, nas rodas de choro, Dino costumava virar o braço para que o pupilo não copiasse suas baixarias. "Isso é folclore", nega. Mas há quem jure que é verdade.

Nos últimos dez anos, Dino diminuiu o ritmo das gravações e concentrou-se mais nas aulas. No ano passado, foi condecorado na Assembléia dos Vereadores do Rio com a Medalha Pedro Ernesto pelos serviços prestados à cultura carioca. É aposentado como músico desde 1972 e recebe do Ecad os direitos conexos relativos às suas incontáveis gravações. "Se eu tivesse todos os discos em que gravei, eles não caberiam nesta casa", assegura. No apartamento em Vila Isabel, onde mora com a esposa e o filho Dininho (baixista que acompanha Paulinho da Viola e outros nomes do samba, além de integrar o grupo Toque de Prima), Dino só gosta de ouvir choro e samba. De preferência, com ele mesmo tocando.

Não há como arrancar dele o nome de um violonista de sete cordas atual que considere bom. "Não vou apontar A nem B, são todos meio duvidosos", despista. Conservador, faz poucas concessões à música estrangeira, até porque só saiu do Brasil uma única vez, para ir ao Uruguai: só gosta de tango, fox e fado, e mesmo assim "se for bem tocado". Mas surpreende ao revelar que gostava dos Beatles. E, para dissipar qualquer dúvida, pega o violão e cantarola Yesterday, com letra e tudo. O violão de sete cordas, que já ganhou o mundo - "principalmente no Japão e nos Estados Unidos, onde gostam muito de choro" -, sente-se à vontade nas mãos de Dino, qualquer que seja o estilo.

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