Atirando contra o próprio pé

Opinião: a recusa de algumas majors em participar do Napster pago para desenvolver soluções não testadas é um caso extremo de cegueira estratégica

Alvaro de Castro
08/03/2001
A recente vitória legal da RIAA contra o Napster consolida a imagem de anacrônica, sem sentido, e gananciosa que parte da indústria do disco possui entre a comunidade online. A recusa deliberada de parte das majors em negociar em bases realistas sugere um futuro difícil de prever para a distribuição digital de música.

Tomemos como exemplo os servidores "Open Napster". Estes são servidores que empregam a mesma tecnologia desse e oferecem serviço idêntico, mas sem relação com esse. Poucos dias depois da vitória, a RIAA enviou mais de 60 solicitações de encerramento de atividades de vários destes.

Porém, servidores Open Napster podem facilmente ser encontrados com o programa "Napigator" e, de acordo com seu author, Chad Boyda, há mais de 350 destes servidores, alguns uns simples PCs ligados a um bom link de rede. Além disso, muitos destes estão localizados em outros países, fora do jurisdição da RIAA.

Assim, agora a instituição está tendo um pequeno exemplo de como será simplesmente impossível processar todo mundo se o Napster sair do ar. De fato, o Napster é somente uma pedra no sapato, uma grande pedra, mas pelo menos esta concentra toda uma comunidade. Fechá-lo simplesmente criará um monte de pedrinhas que aparecem e somem sozinhas, tornando simplesmente impossível um prosseguimento legal.

Pior ainda, se o Napster for fechado, teremos a segunda opção mais conhecida, que é o Gnutella. Este, por não possuir servidor central como o Napster, é mais difícil de ser processado. Há também a possibilidade de se processar milhões de usuários individualmente...

Em outro exemplo de incrível caso de total cegueira estratégica, temos a esnobada que as grandes gravadoras fizeram à proposta do Napster, em troca de elas mesmas desenvolverem seu próprio sistema concorrente. De acordo com Jean-Marie Messierto, chefe da Vivendi, que controla a Universal, "o povo freqüentemente acha que uma aliança com Napster é a única solução, mas não vejo porque deveríamos dar uma vantagem aos piratas".

Obviamente, o executivo considera a sua opinião mais importante do que a do público... O tal sistema que estão desenvolvendo, chamado de "Duet", deverá ser baseado em site. Já consigo até ver como será - cheio de animações, applets, e papagaiadas (como muitos sites de música), sobrecarregando a parca conexão do nosso pobre usuário e dificultando o download de pesados arquivos de música.

Em seguida os vejo contratando alguma empresa de consultoria que diz ter experiência comprovada no desenvolvimento de soluções parecidas ao Napster, mas que os acabará usando como cobaia (como é muito comum no mercado). Ou seja, em vez de fechar parceria com algo que comprovadamente funciona, vamos reinventar a roda com alguém que diz saber do assunto...

Finalmente, falta aqui também o entendimento de que a internet possui a rara capacidade de torrar montes de dinheiro para zero de aceitação. Ou seja, não importa quanto dinheiro você invista em propaganda, o público escolherá o que melhor lhe convier.

Assim, em vez de engolir egos mostruosos e se aliar a um sistema tecnicamente comprovado, com um market-share solidificado e desesperado para conseguir qualquer financiamento, preferem tirá-lo do ar para em seguida reinventar a roda. Pagando caro para alguém sem experiência desenvolver um sistema, gastando ainda mais em propaganda inútil para convencer as pessoas a usar esse sistema e ainda paralelamente criando um caos de total desrespeito por direitos autorais muito além de qualquer solução jurídica.

Assim, até já vejo como a BMG, que sabiamente investiu US$ 50 milhões no Napster, vai acabar rindo das outras, que terminarão mais pobres porque pagaram o desenvolvimento e a manutenção de um sistema que ninguém usa. Um belo tiro no pé...

Alvaro de Castro é diretor da gravadora virtual Kviar.com.

Leia também:
Sony e Universal desenvolvem Napster próprio