Azymuth: a internacional mistura brasileira

Com disco novo lançado na Inglaterra, Before We Forget, a veterana banda carioca curte sua aura de mito do jazz funk, mas espera que seu samba doido volte a ter sucesso no Brasil

Silvio Essinger
02/03/2001
Um mito da música instrumental brasileira, com seu coquetel de jazz, samba, funk e rock, o trio carioca Azymuth se encaminha para passar mais um aniversário de fundação, o 28º, distante do público brasileiro. Em junho, eles vão para o Japão fazer uma temporada apresentando o repertório de seu mais novo CD, Before We Forget amostras de 30s, lançado no fim do ano passado pela Far Out. É o quarto disco do grupo que sai pelo selo inglês - o quarto, por sinal, que só chega ao Brasil em cópias importadas. Mas não é nada a que José Roberto Bertrami (teclados), Alex Malheiros (baixo) e Ivan Mamão Conti (bateria e percussão) não estejam acostumados. Depois de sucessos como Linha do Horizonte (do primeiro disco do grupo, Azimuth amostras de 30s, de 75), Melô da Cuíca e Vôo Sobre o Horizonte (do disco Águia Não Come Mosca amostras de 30s, de 77), eles embarcaram com seu samba doido para o exterior e não mais voltaram às paradas brasileiras.

Freqüentadores assíduos de festivais de jazz e de música brasileira no mundo inteiro (foram a primeira banda brasileira a tocar em Montreux, em 1977), os músicos do Azymuth assinaram no fim dos anos 70 com o selo Milestone, da gravadora americana Fantasy. O primeiro disco para a companhia, Light As a Feather, de 79, de cara estourou na Inglaterra e nos Estados Unidos a faixa Jazz Carnival. O single da música vendeu 250 mil cópias na Europa, passou oito meses em primeiro lugar na parada de sucessos inglesa e nada menos que um ano na dos Estados Unidos. Reconhecida hoje como um clássico do jazz funk, ao lado de gravações de craques como Herbie Hancock, Chick Corea e Roy Ayers, ela transformou o grupo num objeto de culto - a ponto de merecer, nos anos 90, discos de remixes (três volumes da série Misturada), feitos por nomes emergentes e consagrados da cena eletrônica européia, como Roni Size, Jazzanova e 4Hero.

Foi em busca desse clássico som do Azymuth, dos anos 70, que a banda partiu em Before We Forget. Bertrami, por exemplo, voltou a recorrer àqueles instrumentos eletrônicos que ajudou a popularizar no Brasil, como o piano Fender Rhodes, os sintetizadores Mini Moog, ARP Strings e Clavinet, o órgão Hammond, e mesmo efeitos hoje ancestrais, como o Vocoder. "Eles foram ficando caquéticos com o tempo, mas agora voltaram a ser moda. O Joe Davis [dono da Far Out e produtor dos discos do Azymuth] é maluco por esses instrumentos. Teve uma época em que eles passaram a não valer nada - hoje custam uma fortuna", conta o tecladista, que não é muito fã dos sintetizadores digitais que invadiram os estúdios a partir dos anos 80. "Estava sentindo falta disso aí [dos antigos teclados analógicos]. Aquele som petrificado japonês não tem muito como mudar, já vem pronto. O Hammond, o Mini Moog são instrumentos que aconteceram de verdade, o músico conseguia soar em cima deles."

A volta do Azymuth ao passado em Before We Forget (Antes Que Esqueçamos) incluiu até a recuperação de algumas músicas obscuras. Caso de Equipe 68, composta em uma época (1968) em que a banda nem existia, e os músicos se encontravam em gravações de artistas do selo Equipe, de Oswaldo Cadaxo - entre eles, feras como Eumir Deodato e os Catedráticos, Paulo Moura e o sambista Candeia. "O Oswaldo liberou o estúdio para a gente e isso tudo ficou em fitas que eu e o Mamão guardamos", conta Bertrami. "O Joe Davis desencavou essas gravações e disse que a gente não poderia esquecer dessas músicas. Por isso, gravamos algumas", conta. Além da Equipe, surgiu dessas fitas a música Tempos do Paraná, parceria de Bertrami com o compositor Paraná - a mesma parceria, por sinal, que deu origem a Vôo Sobre o Horizonte, sucesso eterno nos programas de flashback das FMs.

Formação na noite
Paulista de Tatuí, o bossanovista José Roberto Bertrami foi para o Rio na década de 60 com o irmão, o baixista Cláudio Bertrami, por sugestão da cantora Flora Purim, para tentar a sorte na noite. Por lá, encontrou Ivan Conti, carioca da Tijuca, que tocou com a banda de rock The Youngsters, acompanhou Roberto Carlos no Canecão e começou sua vida profissional aos 14 anos de idade, com Cauby Peixoto, na lendária boate Drink. Filho de um músico que costumava se apresentar em cassinos, o niteroiense Alex Malheiros, por sua vez, passou a adolescência ouvindo virtuosos do quilate de um Sérgio Mendes tocando em sua casa. Aos 17 anos de idade, ele fez um duo com Egberto Gismonti e, mais tarde, tocou nas bandas de Ed Lincoln e Tim Maia. Ao mesmo tempo, seguiu o tradicional roteiro de bares, animando até strip teases.

O primeiro trabalho conjunto de Bertrami, Alex e Mamão foi na banda escalada para a inauguração da finada boate carioca Monsieur Pujol, criada por Miéle e Ronaldo Bôscoli. Era o grupo Seleções, do qual ainda faziam parte a cantora Fabíola e o percussionista Ariovaldo Contesini. "Faziamos covers de Carpenters e Stevie Wonder", conta Mamão. Em 1973, o trio, já bem escolado em trabalhos de estúdio, foi convocado por Marcos Valle para gravar a trilha do filme O Fabuloso Fittipaldi. O título de uma das músicas, Azymuth (de Novelli com Marcos e Paulo César Valle) chamou a atenção dos músicos, que decidiram usá-lo para batizar a banda que resolveram formar.

Com esse termo técnico de aviação (esporte praticado por Paulo Sérgio - o que, por sinal, o aproximaria do paralama Herbert Vianna anos mais tarde), o trio gravou músicas para novelas, caso de Pela Cidade (de O Espigão), Linha do Horizonte (de Cuca Legal - recentemente a música foi sampleada pela banda de rap Doctor MCs na música Tik Tak) e Melô da Cuíca (da trilha de Pecado Capital, que está sendo relançada em CD pela Som Livre).

O que faltava à banda era gravar um LP - e em 1975 saiu Azimuth. "Gravamos ele independente, no peito e na raça, no estúdio Havaí [no Rio, onde hoje o produtor Bira Havaí grava discos de pagode em série]. Depois a Som Livre comprou", conta Mamão. Puxado por Linha do Horizonte, o disco vendeu bem. Mas a receita financeira do Azymuth vinha mesmo dos trabalhos em estúdio. Naqueles meados de anos 70, Bertrami, Alex e Mamão gravavam com todo mundo da MPB - de Hyldon, Clara Nunes, Belchior e João Nogueira a Odair José, Raul Seixas, a Banda Veneno de Erlon Chaves e Tim Maia. "Foi bom porque a gente passou a entender melhor o estúdio", conta Alex Malheiros.

Pioneirismo eletrônico
O tecladista era chegado a estranhas experiências, como meter uns ARP Strings no meio do samba alheio, e Clavinets meio enrustidos nas músicas de João Nogueira. "O povão achava bonito, mas não sabia o que era", revela Bertrami (que já fez arranjos para Elis Regina, Milton Nascimento, Sarah Vaughan e Marcos Valle), chamando a atenção para o pioneirismo tecnológico: "Trouxe esse equipamento para o Brasil em 1972 - só depois o Lincoln Olivetti começou a usá-los. Na época, só o Chick Corea e o Herbie Hancock gravavam com esses teclados."

As inovações eletrônicas do Azymuth agradaram a alguns, mas chocaram os puristas. "Ninguém sabia o que era música eletrônica, os instrumentos eram novos. A gente estava descobrindo as coisas aqui no Brasil ao mesmo tempo em que os músicos lá fora", conta Alex. "Éramos sacaneados, mas nosso objetivo era procurar uma nova música." O músico mesmo foi um dos pioneiros no Brasil da técnica do slap no baixo elétrico - efeito percussivo que se consegue ao se bater nas cordas com o polegar, ou puxá-las e em em seguida soltá-las, como num estilingue. "A gente estava interessado nas novidades. Coisas como [a lendária banda de funk] Sly & The Family Stone ainda eram estranhos na época", conta.

Com essa filosofia de trazer sonoridades novas para a música brasileira, o Azymuth lançou então, pela então recém-inaugurada WEA, o seu segundo disco, Águia Não Come Mosca, que se beneficiou bastante do fato de Vôo Sobre o Horizonte ter estourado na novela Locomotivas. Segundo Mamão, foi depois de ouvir esse disco que Claude Nobs, o diretor do Festival de Jazz de Montreux, decidiu incluí-los na edição de 1977.

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