Beth Carvalho põe samba e política na roda

Cantora lança mais um punhado de sambistas em seu novo CD, Pagode de Mesa 2, e elogia o crescimento do PT nas últimas eleições

Rodrigo Faour
31/10/2000
"Sou uma pessoa consciente, não sou encrenqueira – só não venha querer me enganar. Mas acho que tenho um jogo de cintura enorme, senão não teria 32 anos de carreira." Dessa forma, a sambista Beth Carvalho resumiu sua situação como cidadã e cantora num país difícil e conturbado como o Brasil, ao ser questionada sobre sua fama de "difícil". Por fazer questão de um contrato mais bem-feito e por clamar por uma divulgação melhor de seu trabalho, ela trocou a Universal pela Indie Records e reuniu a imprensa carioca para anunciar o lançamento de seu novo CD – Pagode de Mesa 2 – Ao Vivo, cuja turnê de lançamento se inicia dia 22 no Teatro Rival (RJ).

De cara, ela foi logo brincando com o nome da nova gravadora. "Foi um disco em tempo recorde! Fiz tudo em duas semanas. Entrei no espírito da nova casa. Eles são muito animados e me convenceram a entrar no clima deles", elogia a cantora que entre as 25 faixas gravadas no Tom Brasil (SP), escolheu 16 para o disco e mesclou sambas inéditos de novos compositores com clássicos, como Acontece (Cartola) e Coração Leviano (Paulinho da Viola). Sorridente e como sempre bem articulada, ela falou sobre samba e política. Para começar, Beth discorreu amplamente sobre os novos compositores que está lançando nesse CD, especialmente a turma paulista do Quinteto em Branco e Preto, a quem ela dedicou o trabalho. Ela conta que os descobriu há cinco anos, exatamente no dia em que "os três branquinhos conheceram os dois pretinhos" – referência à mistura de raças dos componentes. Beth diz que os rapazes sabem tudo, do samba da antiga ao atual, e que apesar da origem muito humilde superaram as dificuldades e hoje já são respeitados até pela velha guarda.

"Eles são muito pobres. São da periferia paulista, de São Mateus – um lugar que até cinco anos não tinha nem luz nem água – e de Santo Amaro. Um dia eles me ofereceram uma rabada na casa da Tia Cida, que vem a ser a filha do (falecido) sambista Blecaute, e descobri ali um novo Cacique de Ramos. Ali havia um terreninho onde começaram a fazer um samba de roda da pesada. Tinha um cara que chamavam de Tim Maia por se parecer com o cantor, e que tinha um carro no qual eles ouviam fitas cassetes com sambas gravados. Entravam todos no carro para tirar as harmonias nos instrumentos, porque ali não havia eletricidade. Dentro dessa precariedade, a sabedoria que eles têm é espantosa", conta Beth, que foi a responsável pelo nome de batismo do grupo e que agora decidiu revelá-lo ao grande público, gravando Melhor Pra Nós Dois e A Comunidade Chora – de autoria de Magno de Souza e Maurílio de Oliveira, dois do Quinteto, com alguns parceiros da redondeza.

"A Comunidade Chora é um samba que faz referência ao Samba da Vela, que é o seguinte. Nesse lugar onde eles se reúnem para o pagode, eles acendem uma vela e começam a cantar seus sambas inéditos. E quando acaba a vela, termina o samba, e eles sempre encerram a festa cantando essa música. Então, é muito forte!", analisa. Em recente temporada em Johanesburgo, na África do Sul, Beth pode comprovar a popularidade desse samba: viu toda platéia cantando seu refrão, mesmo estando num local onde ninguém possui intimidade com a música brasileira, e muito menos com a língua portuguesa.

A faixa de trabalho, Água de Chuva no Mar (Carlos Caetano/ Wanderley Monteiro/ Gerson Gomes) é um samba romântico com floreios diferentes na melodia, de autores também pouco gravados – Caetano e Monteiro, ela lançou há quatro anos, no CD Brasileira da Gema: o primeiro com Vida de Compositor e o outro com Salve São Sebastião. "A imagem da água da chuva no mar fala da integração do amor de uma maneira linda", diz. Finalmente, Beth também está lançando Tia Hilda Macedo e Fernando Cerole com o belo samba, Novo Endereço. "O Cerole é um freqüentador do samba e não pensei que ele fosse capaz de compor uma obra-prima como essa", elogia.

"Não canto apenas, eu penso"
Por que Beth lança sempre tantos compositores? "Sou muito idealista, não sou egoísta. Sou uma apaixonada pelo meu país. Infelizmente, o espaço é pequeno para a quantidade de talentos que temos. E quando penso que já revelei muita gente, surge um povo como esse do Quinteto...", explica ela, antes de falar do samba político Nossa Pátria Mãe Gentil (Vaguinho/ Boneco), cuja letra diz: "Seu moço, a gente não agüenta mais, não!/ 500 anos foram em vão/ Unidos vamos lutar/ Não vamos nos entregar/ Pra não ser preciso partir pra guerra." "É um discurso que está engasgado na boca de todos nós. Esse samba me remeteu à época do Teatro Opinião. Há muito tempo não gravo um samba de uma crítica social tão contundente", frisa.

Por falar em política, Beth se diz satisfeita com o resultado das eleições no país, que revelou uma ascensão do PT em várias cidades. "Isso é um bom sinal. É uma maneira de mostrar que o brasileiro não está nada satisfeito com o que está aí. Em São Paulo, a vitória é tripla: do PT, de uma mulher (Marta Suplicy) e contra o malufismo", diz. Beth não tem medo de se expor falando de política e explica o porquê. "A censura não acabou. Acho que existe uma proibição no ar. Existe um sistema decadente que censura muito todo mundo, inclusive os artistas. Hoje não tem mais tortura, mas tem outra tortura pior, que é a mental. Existe muito medo. De se expor, de perder o emprego, o espaço por se dizer determinadas coisas. Mas o Brasil está muito ruim. Ver um povo tão trabalhador como o brasileiro ser tão mal remunerado, espezinhado, dói muito. Por isso, se eu tenho esse palanque, por que não usá-lo? Antes de ser artista, sou cidadã. Não canto apenas, eu penso". E ponto final.