Bola para frente em um ano muito estranho

Na continuação da entrevista, Dado Villa-Lobos conversa sobre Herbert Vianna, o legado da Legião e a nova polêmica com Renato Rocha

Marco Antonio Barbosa
07/09/2001
Cliquemusic: Depois de ter ficado anos a fio trabalhando com um pequeno núcleo de músicos, como era a Legião, como foi fazer um álbum tão cheio de convidados e participações?
Dado:
Não só gostei da experiência como era uma idéia que vinha me acompanhando há um certo tempo. Não ter um núcleo fixo de músicos, e sim poder interagir com vários núcleos, compondo, gravando, tocando, cantando... Achei muito interessante. Mas ao mesmo tempo, no disco eu estou ali bem firme, dando uma linha condutora, deixando homogêneo o negócio. Mas esse formato de colaboração já acontece há algum tempo comigo. Teve o disco do Toni (Platão) que foi nesse esquema, estou trabalhando também com a Paula Toller assim, e com o Humberto (Effe)... Na hora de gravar, isso dá possibilidades mais amplas de escolher as pessoas certas. É muito positivo.

Cliquemusic: Nesse contexto, como fica o Dado compositor? Você compõe muito, no dia-a-dia? Ou depende de uma encomenda como a trilha sonora?
Dado:
Ah, vem ao acaso... eu pego o violão e vem alguma coisa na cabeça. Agora estou pensando na trilha sonora do filme do José Henrique Fonseca, que está filmando O Homem do Ano. Daí eu toco, paro e penso: "será que isso ficaria bom na trilha, ou não?". Não dependo de ter uma encomenda para criar. Eu pego o violão (pega o instrumento e toca quatro ou cinco acordes) e..., esse tema aqui, eu já estou nele há uma semana. Daí vem a segunda parte (emenda outros acordes), fico bolando... A música fica na cabeça, me perseguindo. Daí um dia dá um estalo, eu sento aqui no estúdio e falo para mim mesmo: "bom, vamos pôr ordem nisso". E a música sai. Meu disco solo está em estado embrionário mas já tem uma bela seqüência de coisas a serem trabalhadas. Vou cantar, mas não só eu. Toda essa galera que me cerca vai estar no álbum.

Cliquemusic: Há um tempo atrás, você falou em uma entrevista que estava meio desgostoso com sua carreira e até com a vida, depois do acidente com Herbert Vianna. Como está sua cabeça quanto a isso agora?
Dado
: Ah, está se ajeitando... O tempo é o melhor aliado nesses momentos. Você acaba se acostumando com essas idéias: o que aconteceu, como, por quê, e vai-se tirando algumas conclusões. Em relação ao Herbert, está tudo maravilhoso, acho que eles (Paralamas) vão voltar à ativa em breve, o mais breve possível. Foi tudo muito marcante, forte, trágico, e tudo mais... e é obvio que interfere em seu lado pessoal, na sua vida. Meus projetos ficaram paralisados em função disso, e de outras coisas mais... Esse ano, na verdade, é um ano esquisito. O I Ching já me falou disso, você percebe no ar, muitas coisas estranhas acontecendo ao mesmo tempo. Então devia ser um ano de retração, de atenção, de parar e observar o que está rolando. Acho que tem a ver com o que aconteceu, não só com o Herbert.

Cliquemusic: E quanto à esta nova polêmica com o Renato Rocha, o Negrete (ex-baixista da Legião, entre 83 e 88) - que agora se juntou ao grupo Finis Africae para tocar antigos sucessos da Legião?
Dado
: Acho que... esse rapaz... enlouqueceu (sorrindo). Quem conhece o Negrete sabe quem ele é, o que se passa naquela cabeça ali. É uma pena, e o que sinto em relação a isso é como se eu tivesse sido apunhalado pelas costas. Porque eu sempre apoiei esse filho da puta! Aqui no Rio ele sempre foi "o legionário preferido". "Ô queridinho, você vai dormir onde...?" E eu arrumava apartamento para ele. Sempre compreensivo com ele. Ele perdia o baixo, eu ia lá e conseguia outro baixo para ele. E agora ele vem com esse... texto para cima de mim. Então eu me sinto apunhalado. Eu até falei isso tudo para ele uma vez em que nos encontramos no Metropolitan (atual ATL Hall, no Rio de Janeiro), botei o dedo na cara dele e mandei ele calar a boca, porque já estava exagerando. Então acho que agora encontrou essa veia de auto-promoção, que eu nem sei direito do que se trata... Tocando com o Finis Africae? É mesmo um bando de traíra (risos), esse ano vai ser assim mesmo: só trairagem. A traição impera. Então o lance é "Atenção!" Do seu lado pode surgir um inimigo. E eu nem entendo... cantar Legião? Para quê, já tem tanta banda cover aí... É mais uma banda cover? Não entendi.

Cliquemusic: Na verdade, ele alega que conseguiu com a mãe do Renato Russo uma permissão exclusiva para cantar as músicas dos três primeiros discos da Legião.
Dado
: Para cantar as músicas ele não precisa pedir permissão a ninguém. Quem quiser montar uma banda e fazer um show com o repertório inteiro da Legião pode, você (aponta para o repórter) pode fazer uma banda e tocar o que você quiser, Raul Seixas, Roberto Carlos, Tim Maia - basta ter gente querendo ouvir (risos). Ninguém pode impedir ninguém de tocar as músicas ao vivo. Isso já seria censura, ditadura. Agora, gravar um disco, isso não; tem de lidar com a editora, com a gravadora. E gravar, provavelmente, seria o próximo passo para eles - mas também não posso afirmar, estou totalmente fora dessa história.

Cliquemusic: Falando em Legião, o que mais pode sair do baú de gravações do grupo?
Dado
: Já foi dado o pontapé inicial de catalogação das fitas que estão na EMI - são muitas, cento e tantas fitas. O (pesquisador Marcelo) Fróes é quem está fazendo, catalogando o material, e eu devo ir na semana que vem lá para ver o que existe. Vamos avaliar o que há na EMI, e também há coisas arquivada em emissoras de TV e rádio. Tem um programa da Globo, ao vivo, com os Paralamas e a Legião - eu nem me lembro mais dos detalhes, mas sei que é ótimo, e essa fita ainda deve existir. Tem também o material pessoal meu e do Bonfá, também para ser catalogado. O que há de concreto, e que deve sair ainda este ano, é o songbook oficial da Legião. Vai ser um puta livrão, cheio de fotos e textos de várias pessoas, além da obra completa do grupo. Será um projeto nosso, com meu aval e do Bonfá, um presente para o público. Mesmo porque não existe - com cifras e letras da Legião, só tem as revistinhas populares de violão.

Cliquemusic: São basicamente gravações ao vivo? Há alguma coisa inédita?
Dado
: Existem coisas ao vivo, outtakes e versões alternativas que podem ter ficado interessantes. Também tem algumas músicas que nunca apareceram mesmo, tipo Juízo Final ou O Grande Inverno na Rússia, uma ou outra instrumental. E faixas meio experimentais, com a banda montando coisas no estúdio. Podem ter muitas surpresas. Mas só posso dizer isso ouvindo, porque ali tem muita coisa - são muitos anos de gravação, nossa história de estúdio vai de 1983 até 1996.

Cliquemusic: Você já ultrapassou as duas décadas de carreira. Hoje, chegando aos 36 anos, como avalia sua posição - e a de contemporâneos seus, como os Titãs ou o Barão Vermelho - dentro de um mercado que já mudou tanto, desde o estouro do dito BRock nos anos 80?
Dado
: (Pausa). Na verdade, eu posso dizer que já me aposentei, desse filão de "ser um artista", e carregar essa relevância para algum lugar. Eu me aposentei em 1996, cinco anos já. Toquei com os Paralamas, com o Fausto, são coisas que eu gostei de fazer, que me deram vontade. Já o futuro... Pô, o disco do Frejat é maravilhoso. São poucas as pessoas hoje em dia que fazem algo interessante com música, e o Frejat conseguiu... Daí você se pergunta "Mas de onde é que ele veio...?" e as pessoas se lembram: dos anos 80. A medida é a qualidade do trabalho, não importa se o cara envelheceu um pouco, ou nem tanto. Mas não sei se isso para o público quer dizer alguma coisa. Às vezes eu penso nisso, too young to die, too old for rock'n'roll. Mas como eu já estou aposentado (risos), estou fora, não me grila muito. Talvez se a banda (Legião) estivesse junto até hoje, essa questão estaria dentro do grupo, e seria possível que uma a gente chegasse e dissesse "Cheeega! Não agüento maaaais!" (risos)... Provavelmente a banda já teria acabado, mesmo sem a morte do Renato. As bandas não acabam aqui no Brasil, e têm de acabar (risos). Acho que nos anos 90 o processo todo que a geração dos anos 80 detonou acabou meio que "patinando" um pouco, com a era Collor e tudo o mais. Ficou ruim para todo mundo. Mas a nossa geração foi como uma autocombustão generalizada, no Brasil inteiro. As pessoas pensavam da mesma maneira em Brasília, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte... e foi. Tudo ao mesmo tempo. Todos estavam sintonizados na mesma freqüência, foi uma explosão que abriu as portas. A grande força dessa geração foi essa - fizemos uma revolução que foi registrada. Mudou o comportamento do público, o jeito como a indústria lidava com o mercado de discos, o jeito de gravar e fazer música, tudo.