Cabeça na cidade e coração na roça
Martinho da Vila celebra o samba urbano e resgata a tradição rural em seu novo álbum
Marco Antonio Barbosa
28/07/2001
Em algum ponto entre Duas Barras - interior do Estado do Rio - e Vila Isabel, se encontra o coração e a mente criativa do sambista Martinho da Vila. O cantor e compositor, que nunca escondeu a (saudável) dualidade entre o universo rural e a agitação urbana presente em sua obra, consagrou seu mais novo disco à junção dessas duas facetas. Martinho da Vila, da Roça e da Cidade
, 32º álbum da carreira do sambista, retrata de forma explícita as idas e vindas da música de Martinho - do interior para a metrópole, com várias paradas no meio do caminho.
"Esse disco é como eu sou: dividido entre a roça e a cidade. Nasci no interior (em Duas Barras) e sou carioca de formação. Quando vou para Duas Barras, fico feliz da vida, não quero saber de outra coisa. Na hora de voltar para o Rio, até me entristeço. Mas basta eu passar pela Ponte Rio-Niterói e olhar para a cidade, para ficar alegre de novo", afirma Martinho. E não é por acaso que o disco tem "a cara" de seu autor. "Escolhi como tema do disco essa divisão entre interior e cidade antes mesmo de saber que músicas iriam entrar no álbum. Faço assim sempre: escolho um tema e resolvo que o disco vai ficar em torno daquele tema", conta o compositor.
...Da Vila, da Roça e da Cidade mostra a habilidade que Martinho tem de unir influências da música regional (como o samba calangueado de Minas, a batida do forró nordestino e a percussão herdada das folias de reis) a seu legítimo sambão carioca. "Para mim não tem diferença", fala Martinho. "A música do interior é tão importante para mim quanto a da cidade. Pesquisar ritmos e composições vindas do interior, ou do folclore, é um exercício que faço sempre. Este disco é mais para homenagear esse lado interiorano, principalmente da música de todo o Estado do Rio. Quando se fala em Rio só se pensa na capital, mas basta você dirigir umas duas horas para o interior e vai ver e ouvir um mundo completamente diferente."
O compositor narra como concebeu originalmente o álbum: "Pensei primeiro em abrir com as músicas mais urbanas, mostrar o meu samba da Vila, e depois partir para a parte da roça. Mas acabei invertendo: abri com uma do interior, depois 'viajo' para a cidade e em seguida eu volto para a roça." Deste modo, a música que abre o CD, Tô na Roça e na Cidade, faz a síntese: união da métrica e da ginga sambística com a base oriunda do calango. Há mais sonoridades "de raiz" com Mineiro-Pau, também proveniente da percussão da Zona da Mata mineira; Dança de Palhaço, inspirada na música dos reisados do Norte; e Festa de Caboclo, com letra extraída de pontos de candomblé.
"São cantigas de terreiro, recolhidas pelo meu filho Tunico Ferreira", fala Martinho sobre esta última canção. "Retratam um momento mais descontraído do culto nos centros. Aliás, é comum que os adeptos nem falem em centro ou terreiro - preferem dizer 'Eu vou à roça' do que 'Eu vou ao centro espírita'." Rumo à cidade novamente, Martinho exercita seu romantismo nas sentimentais Nunca Amei Ninguém Tão Sexy (dedicada à sua esposa, Cléo), Além do Mais, Eu Te Amo e Penetrante Olhar; e celebra sua vizinhança com A Comida de Filó e na regravação do samba-enredo da Unidos de Vila Isabel para 2001, Estado Maravilhoso Cheio de Encantos Mil.
Duas outras músicas chamam na parte "urbana" do álbum: Dona Ivone Lara e Presente aos Fãs. "Compus essa homenagem a Dona Ivone no ano passado. Sempre achei que ela tem o potencial para ser a estrela maior da música brasileira no mundo. Foi uma coincidência eu ter lançado a música agora, que ela está com disco novo na praça", fala Martinho, rasgando seda para a veterana. Já Presente aos Fãs é a primeira parceria entre Martinho e Ivan Lins, amigos de longa data. "O Ivan me mandou - de presente de aniversário, ano passado - uma fita cassete com duas músicas. Duas melodias prontas, só esperando letra. Escolhi uma e compus uma letra dedicando a música a um fã imaginário. O Ivan gostou", conta o sambista.
Para dar corpo a essa sua viagem interior-capital, Martinho confiou, mais uma vez, na produção de Rildo Hora. "Já é o 30º disco que eu faço com ele", relembra o sambista. "O Rildo trabalha em cima do conceito que eu tenho para o disco, e sempre dá sugestões, debate comigo, dá idéias. Na hora de gravar, eu o deixo bastante livre", relata Martinho sobre a parceria. Coordenados por Rildo, outros cinco arranjadores (Leonardo Bruno, Jota Moraes, Wanderson Martins, Ivan Machado e Cláudio Jorge) construiram a sonoridade do álbum. "Eu só interfiro na hora de gravar as coisas mais folclóricas, interioranas. Tem batidas e levadas que às vezes os músicos não conhecem, então eu vou lá e ensino", fala Martinho.
Este novo álbum do partideiro de Vila Isabel se junta a outros dois bons trabalhos recentes - Aurora de Paz
, de Elton Medeiros, e Nasci Pra Sonhar e Cantar
, de Dona Ivone Lara - na tarefa de manter ativos os grandes talentos da tradição do samba carioca. Mas, aos 63 anos, Martinho ainda não se vê como representante da dita velha guarda. "Acho que sou uma mistura entre a tradição e a novidade. É muito bom ver toda essa gente boa lançando discos e fazendo shows. Mas eu estou mais para Dudu Nobre do que para Elton Medeiros", fala o sambista, rindo.

"Esse disco é como eu sou: dividido entre a roça e a cidade. Nasci no interior (em Duas Barras) e sou carioca de formação. Quando vou para Duas Barras, fico feliz da vida, não quero saber de outra coisa. Na hora de voltar para o Rio, até me entristeço. Mas basta eu passar pela Ponte Rio-Niterói e olhar para a cidade, para ficar alegre de novo", afirma Martinho. E não é por acaso que o disco tem "a cara" de seu autor. "Escolhi como tema do disco essa divisão entre interior e cidade antes mesmo de saber que músicas iriam entrar no álbum. Faço assim sempre: escolho um tema e resolvo que o disco vai ficar em torno daquele tema", conta o compositor.
...Da Vila, da Roça e da Cidade mostra a habilidade que Martinho tem de unir influências da música regional (como o samba calangueado de Minas, a batida do forró nordestino e a percussão herdada das folias de reis) a seu legítimo sambão carioca. "Para mim não tem diferença", fala Martinho. "A música do interior é tão importante para mim quanto a da cidade. Pesquisar ritmos e composições vindas do interior, ou do folclore, é um exercício que faço sempre. Este disco é mais para homenagear esse lado interiorano, principalmente da música de todo o Estado do Rio. Quando se fala em Rio só se pensa na capital, mas basta você dirigir umas duas horas para o interior e vai ver e ouvir um mundo completamente diferente."
O compositor narra como concebeu originalmente o álbum: "Pensei primeiro em abrir com as músicas mais urbanas, mostrar o meu samba da Vila, e depois partir para a parte da roça. Mas acabei invertendo: abri com uma do interior, depois 'viajo' para a cidade e em seguida eu volto para a roça." Deste modo, a música que abre o CD, Tô na Roça e na Cidade, faz a síntese: união da métrica e da ginga sambística com a base oriunda do calango. Há mais sonoridades "de raiz" com Mineiro-Pau, também proveniente da percussão da Zona da Mata mineira; Dança de Palhaço, inspirada na música dos reisados do Norte; e Festa de Caboclo, com letra extraída de pontos de candomblé.
"São cantigas de terreiro, recolhidas pelo meu filho Tunico Ferreira", fala Martinho sobre esta última canção. "Retratam um momento mais descontraído do culto nos centros. Aliás, é comum que os adeptos nem falem em centro ou terreiro - preferem dizer 'Eu vou à roça' do que 'Eu vou ao centro espírita'." Rumo à cidade novamente, Martinho exercita seu romantismo nas sentimentais Nunca Amei Ninguém Tão Sexy (dedicada à sua esposa, Cléo), Além do Mais, Eu Te Amo e Penetrante Olhar; e celebra sua vizinhança com A Comida de Filó e na regravação do samba-enredo da Unidos de Vila Isabel para 2001, Estado Maravilhoso Cheio de Encantos Mil.
Duas outras músicas chamam na parte "urbana" do álbum: Dona Ivone Lara e Presente aos Fãs. "Compus essa homenagem a Dona Ivone no ano passado. Sempre achei que ela tem o potencial para ser a estrela maior da música brasileira no mundo. Foi uma coincidência eu ter lançado a música agora, que ela está com disco novo na praça", fala Martinho, rasgando seda para a veterana. Já Presente aos Fãs é a primeira parceria entre Martinho e Ivan Lins, amigos de longa data. "O Ivan me mandou - de presente de aniversário, ano passado - uma fita cassete com duas músicas. Duas melodias prontas, só esperando letra. Escolhi uma e compus uma letra dedicando a música a um fã imaginário. O Ivan gostou", conta o sambista.
Para dar corpo a essa sua viagem interior-capital, Martinho confiou, mais uma vez, na produção de Rildo Hora. "Já é o 30º disco que eu faço com ele", relembra o sambista. "O Rildo trabalha em cima do conceito que eu tenho para o disco, e sempre dá sugestões, debate comigo, dá idéias. Na hora de gravar, eu o deixo bastante livre", relata Martinho sobre a parceria. Coordenados por Rildo, outros cinco arranjadores (Leonardo Bruno, Jota Moraes, Wanderson Martins, Ivan Machado e Cláudio Jorge) construiram a sonoridade do álbum. "Eu só interfiro na hora de gravar as coisas mais folclóricas, interioranas. Tem batidas e levadas que às vezes os músicos não conhecem, então eu vou lá e ensino", fala Martinho.
Este novo álbum do partideiro de Vila Isabel se junta a outros dois bons trabalhos recentes - Aurora de Paz

