Cabruêra reinventa o Nordeste a sua moda
Quinteto paraibano divulga no Sudeste seu elogiado disco de estréia homônimo, repleto de experimentalismos
Mônica Loureiro
07/11/2001
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O grupo em pessoa (clique para ampliar) |
Cabruera, o disco, já havia saído ano passado, de forma independente, e agora foi remasterizado e "adotado" pela Nikita. Os seis integrantes trabalham com a percussão como linha de frente e apresentam criativos recursos para diferenciar seu som: caneta Bic, lixa de unha, moringas... Os integrantes do grupo carregam influências completamente divergentes que, no resultado final, acabam soando integradas. "Eu fazia um som pop; Orlando tocava numa banda de hardcore; Zé tem formação clássica; Tom era ligado ao maracatu; Fredi ao chorinho; e Alexandre tocava death metal", enumera Arthur Pessoa (voz, acordeon, violão esferográfico e percussão). Mas uma orientação é comum entre esses cinco paraibanos e um pernambucano: autenticidade.
"Nós já mudamos coisas de nosso repertório que não achávamos que tivesse a ver com o que a gente queria mostrar. Uma vez, por exemplo, vimos que a meninada cantava na rua um refrão de uma música nossa e que as meninas já estavam até fazendo coreografia! Tratamos de cortá-la do repertório. Fomos fazendo uma lapidação em busca de nossa identidade", revela Orlando Freitas (baixo, craviola, pífano, percussão e vocais). Zé explica algumas mudanças estéticas na proposta da banda: "A gente tinha outro repertorio no início, que foi sendo limado naturalmente. Tinha forró, por exemplo. Nem chegamos a discutir no grupo, mas dizia-se 'vamos tirar essa, aquela'... Eram músicas que beiravam mais o folclore, apelativas, até caindo para o forró universitário - que a gente acha legal para divulgar o forró, mas musicalmente não acrescenta nada. A partir daí a banda foi tracando um perfil e hoje temos uma identidade."
As 12 faixas alternam músicas instrumentais e outras com o vocalista Arthur Pessoa. Loa de Chegança abre com a participação do Coral Voz Ativa, que dá um tom de procissão à música - eles também cantam em Ciência Nordestina. Um som visionário invade a segunda faixa - Forró Esferográfico -, onde a tal caneta Bic transforma o violão em um misto de rabeca, cello e violino, num tom mais grave. Em Muganzé, Zé Guilherme parece um Antônio Conselheiro paraibano ao recitar seu texto em tom profético. A parte instrumental é tão forte no disco que os vocais chegam até a surpreender, como em Cangaço, quando Arthur só entra lá pela metade da música. Talvez aí esteja o único ponto a ser acertado em um próximo trabalho: a voz de Arthur é forte, contundente, deve ser mais (e melhor) aproveitada.
Depois de começar ensaiando no DCE da Universidade Federal da Paraíba, pegar caronas para chegar a São Paulo, tocar em congresso de funcionários públicos e outras "aventuras" típicas de bandas em início de carreira - e, principalmente, sem gravadora poderosa por trás - a Cabruêra conquistou um bom público na Paraíba e nos festivais por onde passou. "O disco foi produzido pela gente e por Rosildo Oliveira. Foi um pouco antes de embarcarmos para a Europa. Ainda deu tempo de prensar e levar 300", diz Orlando. "Se a gente tivesse levado mais, teria vendido todos. Já não tinha mais CD no quinto show - e foram 11 apresentações", completa Alexandre Magno (percussão e vocais).
O grupo encara o contrato com a Nikita como uma parceria. "O Felipe (Llerena, dono da gravadora) foi bem claro com a gente: `nós não vamos ser um pai para vocês, vamos trabalhar juntos'. E é isso mesmo, a gente quer que a gravadora tenha esse papel de difusão, fazendo uma boa distribuição do disco. O resto, estamos por nós mesmos", afirma Zé Guilherme. Vontade de trabalhar é que não falta: os seis se mudaram há um mês para o Rio, e ainda penam um pouco para se adaptar. "Ainda nem temos local para ensaiar", diz Tom Rocha (percussão e vocais).
Segundo Orlando, quem ouviu o disco vai perceber grandes diferenças no show ao vivo. "Estamos em uma nova fase, que traz desafios diferentes. Fomos amadurecendo, experimentando novas sonoridades", diz. Além das 12 músicas do CD - incluindo Forró Esferográfico, Certo Sertão e Pontal - o show inclui algumas composições inéditas. As experimentações foram mantidas: caneta como arco de violão, baixo e viola com varetas, lixa de unha na bateria são algumas "particularidades" no ousado e diferente som da Cabruêra.
Alexandre esclarece como as sonoridades pouco usuais foram sendo incorporadas: "A gente só foi experimentando. O que cada um tocava e se interessava, ia adotando. Chegou então o pifano, a viola de 12 cordas, depois o berimbau... A gente nunca teve preconceito nenhum. A sonoridade é acústica, não tem teclado nem samplers, mas tem um peso, uma pegada de rock. Usamos uma moringa que quebrou, mas podemos voltar a usar. Todas as estripulias que a gente faz são espontâneas, não tem direção de palco, marcação."