Caetano e Gil <i>mapeados</i> em supercaixas

Todo Caetano, com 40 CDs, e Palco, de 28 discos, fazem reverências luxuosas às obras da dupla de baianos

Marco Antonio Barbosa
01/01/2003
O ano que acaba de se encerrar foi o ano das caixas para a MPB. Inúmeros artistas de peso tiveram suas obras revisitadas - quase sempre, com direito a remasterização e faixas-extras - em boxes múltiplos empacotados com pompa e luxo. Mesmo que seja díficil apontar destaques na farta e variada oferta de caixas que chegaram às lojas em 2002, é inegável que duas obras em especial merecem uma atenção especial: Palco (Warner), de Gilberto Gil, e Todo Caetano (Universal) de Caetano Veloso. Os ilustres baianos sairam na pole-position deste período rico em relançamentos graças ao requinte e às portentosas dimensões dos respectivos projetos. Palco traz 28 CDs, com os álbuns gravados por Gil entre 1975 e 2002 (de Refazenda a Kaya N’gan Daya). Já Caetano ganhou um tratamento ainda mais caprichado: são 40 discos (39 CDs e um áudio-DVD), compilando não apenas toda a obra do cantor até o momento, mas também incluindo um seleto sortimento de raridades.

As discografias dos dois tropicalistas já tinham sido relançadas em CD antes (Caetano, inclusive, foi o primeiro dos ícones da MPB a merecer um relançamento integral no formato digital, em 1990, quando o CD ainda era artigo de luxo no país). Isso não tira nem um pouco do brilho de Palco e Todo Caetano, que além dos discos trazem um alentado material gráfico, incluindo detalhes das gravações e fichas técnicas de cada álbum e faixas raras e inéditas em CD - tudo devidamente remasterizado (quando possível) das fitas originais. Todo Caetano ganha ares de pioneirismo ao investir na tecnologia Dolby Surround 5.1, usada na remasterização das músicas do áudio-DVD que acompanha a caixa; o processo dá mais clareza e profundidade ao som estéreo original e ainda não foi usado em lançamentos fonográficos no Brasil.

Todo Caetano, mesmo
A caixa que encerra 35 anos da carreira artística de Caetano Veloso merece realmente o título que ganhou. Todo Caetano traz todos os álbuns gravados pelo baiano para a Universal (antes Polygram, e antes ainda Phillips), única gravadora pela qual Caetano passou. De Domingo (1967, em dupla com Gal Costa) a Eu Não Peço Desculpa (2002, com Jorge Mautner), está tudo aqui. Charles Gavin, o baterista dos Titãs que hoje em dia é mais conhecido por seu trabalho de "arqueólogo" da MPB, encarregou-se de dirigir o projeto - que incluiu a remasterização de 13 títulos e a remixagem de outros 17. Charles também fez a entrevista com Caetano que consta de Tantas Canções, o encarte (ou livro, já que tem 62 páginas) da caixa e cuidou pessoalmente da arte (que recupera em detalhes as capas e encartes originais dos LPs dos anos 60, 70 e 80). Até mesmo os selos dos discões de vinil estão reproduzidos, pintados sobre os CDs.

Mesmo quem tem tudo de Caetano em CD (além do primeiro relançamento, a obra do baiano já havia sido empacotada numa caixa homônima com 30 CDs, de 1996) em motivos para se interessar pela mega-caixa, por conta de duas raridades inclusas no pacote. Bicho Baile Show, disco de 1978 gravado ao vivo com a Banda Black Rio, mostra Caetano mandando versões ultrasuingadas para o repertório do álbum Bicho (77) - registro de uma turnê que na época não foi bem recebida nem por público, nem pela crítica. A outra pepita é Singles, disco feito para o mercado japonês compilando canções lançadas em compactos por Caetano. A seleção de faixas vai de Braguinha (Yes, Nós Temos Banana) a Rolling Stones (Let it Bleed). Além dos dois discos-bônus, há o áudio-DVD em Dolby 5.1, na verdade uma compilação de grandes sucessos escolhidos por fãs via Internet, com coisas como Tropicália, Não Enche, Terra, O Leãozinho, Queixa, Luz do Sol e Fora da Ordem.

O ministro que cheira a Palco

Gilberto Gil, que tomou posse ontem como ministro da Cultura do governo Luís Inácio Lula da Silva, é o outro baiano que brilha em forma de caixa. Palco cobre um período de tempo menor (27 anos) e traz menos discos (28) que o parrudo box dedicado a Caetano. Ainda assim, enche os olhos de qualquer apreciador da boa música brasileira. O produtor Marcelo Fróes (que se dedica a pesquisar e arquivar a obra de Gil há cerca de sete anos) teve mais dificuldades para compilar a cedezada de Gil do que Charles Gavin enfrentou com Caetano - pois, diferentemente de Caê, Gil não manteve-se na mesma gravadora durante os anos compreendidos pela caixa. Refazenda (75) e Refavela (77), por exemplo, discos cruciais da trajetória de Gil, tiveram de ser negociados com a Universal, pois foram lançados originalmente pela Polygram.

Não é a primeira vez que Fróes se debruça sobre os arquivos de Gilberto Gil para extrair uma caixa: em 1998, a produção do cantor entre 1966 e 1977 foi relançada no box Ensaio Geral. Palco reconstrói toda a saga das gravações dos discos originais nos mínimos detalhes, com direito a histórias, causos e fichas técnicas completas (tudo obtido em colaboração com o próprio Gil). Boa parte dos álbuns contêm faixas-bônus . Em termos de raridades, a caixa de Gil está até mais bem munciada que a de Caetano. São quatro os CDs inéditos (ou praticamente inéditos) incluídos em Palco. Z, trilha sonora composta em 1995 para o Balé da Cidade de São Paulo e Gilberto Gil, Salvador (1962-1963) (compilando gravações do começo da carreira) nunca tinham sido editados; Nightingale, feito para o mercado exterior, ganha sua primeira versão brasileira e Quilombo, trilha sonora do filme de Cacá Diegues, permanecia inédito em CD. O par de coletâneas To Be Alive Is Good (Anos 80) e It’s Good to Be Alive (Anos 90) vale pela curiosidade: traz apenas canções já conhecidas, mas todas em versões alternativas e/ou ao vivo, inéditas até agora.

Apenas um detalhe entrava a plena fruição das duas monumentais coleções: o preço. Ninguém pagará menos que R$ 1000 pela caixa de Caetano, ou R$ 800 pelo box de Gil. Outro detalhe que merece atenção é a tiragem limitada das caixas (apenas duas mil unidades serão lançadas). Alguém acredita que sobrará alguma nas prateleiras?