Caetano Veloso diz que máfia do dendê é uma bobagem

O compositor, uma das atrações da noite de ontem do Festival de Verão, em Salvador, cantou músicas do novo disco, Noites do Norte. Na entrevista coletiva após o show, o artista aproveitou para conversar sobre antigas polêmicas

Tom Cardoso
01/02/2001

SALVADOR - Apesar de não ter estreado para valer a sua nova turnê, Caetano Veloso aproveitou ontem sua passagem pelo Festival de Verão, em Salvador, para aquecer o repertório de seu último disco, Noites do Norte ouvir 30s. Muito aplaudido pelas mais de 40 mil pessoas que lotaram o Parque de Exposições, o compositor cantou quatro canções do repertório inédito - Zera a Reza, Rock‘n’Raul, 13 de Maio e Noites do Norte, amparado por um suingadíssimo quarteto de percussionistas, formado no bairro do Candeal, território de Carlinhos Brown e hoje principal fornecedor de músicos da cidade.

Os velhos sucessos foram muitos - Leãozinho, Desde Que o Samba É Samba, Tigresa, Sampa, Menino do Rio, Você É Linda, Nosso Estranho Amor, A Luz de Tieta, Não Enche e Sozinho. Caetano ainda fez uma homenagem ao Araketu, apresentando um pot-porri com hits do grupo baiano. "Não esperava ouvir a garotada cantando junto comigo uma canção antiga como Nosso Estranho Amor. Gostei também do resultado ao vivo de Rock'n'Raul (canção em homenagem a Raul Seixas)", disse o músico, numa entrevista coletiva concedida após o show.

Aliás, na coletiva Caetano interrompeu o silêncio - não dava entrevista desde o lançamento de Noites do Norte - e se dispôs a conversar sobre os mais variados assuntos, alguns deles até caducados, como a comentada briga com Marcelo D2, vocalista do Planet Hemp. "Continuo mantendo a minha posição: acho que o D2 fez comigo (faltou a uma gravação agendada) não foi um gesto digno da sua grandeza como músico".

Sobre a demonstrada força dos artistas do axé, que no Festival de Verão são tratados como deuses pelo público (na noite de ontem, Penélope e Skank tocaram para quase a metade do platéia que compareceu depois, para assistir aos shows do Chiclete com Banana e do Harmonia do Samba), Caetano não ficou nada surpreso. "A música que a Bahia produz hoje é de grande qualidade. Acho Xandy (vocalista do Harmonia do Samba) um grande artista. Como é grande também o samba do Recôncavo feito pelo É o Tchan!", elogiou.

A paixão pela atual música baiana é tanta que Caetano está disposto a colocar logo em prática um antigo projeto: gravar uma antologia da axé music. "Sou apaixonado principalmente pelo movimento que resultou na axé music (ainda nos anos 80), representado por músicos como Luiz Caldas. Há obras-primas produzidas neste período".

Máfia do dendê
Por defender com fervor quase tudo que é produzido na sua terra (atualmente ele está encantado com o novo disco de Rebeca Matta, Garotas Boas Vão Pro Céu, Garotas Más Vão Pra Qualquer Lugar ouvir 30s, artista baiana que se diferencia dos demais conterrâneos pela sonoridade arrojada e o uso freqüente da música eletrônica), Caetano algumas vezes foi apontado como o principal representante de uma suposta máfia do dendê, de baianos que exerceriam grande poder sobre os meios de comunicação e os artistas da MPB. "Odeio qualquer tipo de máfia, mas adoro dendê. Não sei quem criou esse nome, mas garanto que as duas palavras não combinam. Aliás, acho isso uma acusação boba, sem substância."

Chegado a uma boa polêmica, Caetano não negou que um trecho da canção Rock’n’Raul ("Hoje qualquer zé-mané, qualquer caetano/Pode dizer que na Bahia meu Krig-Há Bandolo/ É puro ouro de tolo/ (e o lobo bolo") é uma provocação clara a Lobão. "Dei uma cutucada nele sim. Mas está tudo bem. A gente se encontrou no Programa do Jô (Soares) e foi tudo bem. Andei lendo a resposta que ele preparou para mim e achei ótima. Nunca fiquei chateado com as agressões que Lobão faz a mim. Acho que elas são sempre carregadas de ironia, são interessantes. Não levo muito a sério."

O prometido disco com músicas de compositores norte-americanos deve começar a ser gravado em breve. "Tenho mais de 50 músicas selecionadas. Vamos ver o que vai entrar", disse Caetano, que teve de interromper a coletiva (que estava começando a esquentar) para conceder uma entrevista à ex-dançarina e hoje apresentadora de televisão Carla Perez, que àquela altura já estava ansiosa do lado de fora da sala mandando beijinhos ao baiano, sob o olhar vigilante de Paula Lavigne.