Caixa resgata os primórdios de Nara Leão

Os 13 primeiros álbuns da cantora, gravados entre 1964 e 1975, ganham relançamento em formato luxuoso

Mônica Loureiro
04/06/2002
"Foi Nara quem criou o que chamamos de MPB hoje". A afirmação do jornalista Sérgio Cabral - biógrafo oficial da cantora - resume a importância de Nara Leão para a música brasileira. Musa da bossa nova, inovadora de estéticas, cantora de protesto, jeitinho meigo... Nara foi muito além da imagem de sainha curta e violão, cantando eternamente amenidades. Uma boa comprovação dessa multiplicidade da intérprete está na caixa especial que acaba de ser lançada pela Universal. O pacote tem projeto gráfico de Pinky Wainer, sobrinha de Nara e inclui os 13 primeiros CDs de Nara (64 a 75) e mais um com raridades. Nove discos ainda trazem duas faixas-bônus garimpadas por Marcelo Fróes, responsável pela concepção e produção executiva do projeto. "Em 99 conversei com os executivos da Universal e contactei a família de Nara, especificamente sua filha Isabel Diegues, e tive sinal verde para pesquisar raridades para que o box ficasse com o perfil dos trabalhos que assino", conta Fróes.

O jornalista e pesquisador revela que o trabalho foi facilitado pelo fato de Nara - como poucos artistas da MPB - ter sua carreira registrada em uma única gravadora. "Por isso o projeto é completo", afirma. Os discos em vinil já eram peça de colecionador. "O nível de raridade é grande se formos levarmos em conta a qualidade de conservação. Mas destaco que nessa caixa, além do som impecável, temos também em estéreo pela primeira vez - nos anos 60 era em mono e a diferença é gritante", garante Fróes.

O trabalho de audição de pesquisa e verificação de Fróes também proporcionou faixas-bônus em nove dos CDs da caixa e um CD exclusivo de raridades. "As faixas originais foram mantidas. As diferenças se referem a alguns bônus, incluídos de forma cronológica. As faixas que ficariam destoantes, por não fazerem parte do contexto dos discos de Nara, foram agrupadas no de raridades", explica o pesquisador.

O CD de raridades, com músicas gravadas entre os anos 68-75, tem curiosidades como Ta-hi - Pra Você Gostar de Mim, que não foi incluída na trilha de Quando o Carnaval Chegar, de 72, e suas versões para Le Métèque ("O estrangeiro") e Votre Fille a Vingt Ans ("Vinte anos"). Pinóquio, sua primeira gravação no universo infantil, tem uma curiosidade particular. "Esta foi gravada e recortada num disco de historinhas infantis, que saiu num compacto da revista Pais & Filhos, em 69. Aqui podemos ouvi-la cantando sem a interferência da historinha", conta Fróes.

Fróes gosta de destacar que Nara sabia, como ninguém, procurar pérolas para seus shows e discos. "Não gosto de fazer esse tipo de análise, mas sinto influências de Nara na carreira de Adriana Calcanhotto. Ela realiza atualmente um trabalho muito interessante na busca de seu repertório", opina. "Cada álbum novo de Nara era uma surpresa. Mas ela nunca se rendia aos modismos. Ou os antecipava, ou fazia algo inesperado, resgatando algum compositor esquecido ou um ritmo fora de moda. Tinha muita personalidade", reafirma Sérgio Cabral.

Inéditas
A disponibilização de tantas gravações pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas de Nara nesta caixa não foi suficiente para fechar a tampa de sua carreira. Fróes afirma que existem pelo menos dois shows que podem render discos ao vivo. "Uma apresentação foi na Flag, em 72, e outra no Teatro da Galeria, em 78, com Dominguinhos. Poderão virar discos individuais no futuro, uma vez vencidas as burocracias que estes projetos invariavelmente envolvem", diz.

Segundo Fróes, os discos da caixa vão ser vendidos separadamente ainda este ano, juntamente com o restante da discografia de Nara, no período de 77-89. Enquanto isso, o incansável pesquisador segue com seus outros projetos, que incluem a finalização das caixas de Erasmo Carlos (Universal), Gilberto Gil (Warner) e Gal Costa (BMG) - que devem ser lançadas em breve - e o relançamento dos discos de Zizi Possi, Angela Rô Rô e Kleiton & Kledir. "O levantamento do material inédito da Legião Urbana na EMI está no fim e já vou começar a complementar a pesquisa ouvindo as fitas caseiras de Renato, Dado Bonfá e de seus produtores, além de material de rádio e televisão", revela.

Com visual preto & branco
A caixa de Nara Leão recebeu todos os cuidados visuais e informativos. As capas foram fielmente reproduzidas dos originais, incluindo textos e fichas técnicas. O projeto gráfico foi entregue à sua sobrinha, a artista plástica Pink Wainer. "A Isabel me indicou para o projeto. Eu queria fazer o melhor e a Universal me deu total liberdade. A única 'ordem' que recebi era a de não utilizar materiais que encarecessem o produto", conta Pinky. Foi considerando essa "fase preto e branco" de Nara que Pink começou o trabalho. "A maioria de seus discos era em p&b e, além disso, Nara tinha um visual gráfico, com aquela franjinha... Foi com essa leitura que planejei a caixa", conta.

A artista também foi responsável pala edição do livreto que acompanha os CDs, com texto de Tárik de Souza e dezenas de fotos. "As fotos foram um problema. Envolvem todo aquele processo de autorização e crédito. Tudo deve ser legalizado. Então houve muitas que não pudemos usar, pois não sabíamos as origens", lamenta Pinky. A artista destaca também o trabalho com a caixa, propriamente, que é transparente e com o nome Nara em letras pretas. "O material é de poliuretano. É um produto que seduz, surpreende e chama a atenção do consumidor", garante.

Os CDs e algumas faixas principais
Nara (64) - Marcha da Quarta-feira de Cinzas, O Sol Nascerá (A Sorrir), Réquiem por um Amor.
Opinião de Nara
(64) - Opinião (também em espanhol), Derradeira Primavera, Sina de Caboclo.
Show Opinião
(65) - Peba na Pimenta, Incelença, Guantanamera.
5 na Bossa
(65, com Edu Lobo e Tamba Trio) - O Trem Atrasou, Cicatriz, Minha História.
O Canto Livre de Nara
(65) - Não me Diga Adeus (também em espanhol), Carcará, Suíte dos Pescadores.
Manhã de Liberdade
(66) - A Banda, Canção da Primavera, Funeral de um Lavrador (também em francês).
Nara Pede Passagem
(66) - Olê Olá, Deus me Perdoe, Madalena Foi Pro Mar.
Nara (67) - Se Você Quiser Saber, Camisa Amarela, Carolina (bônus).
Vento de Maio
(67) - Quem Te Viu, Quem Te Vê, Maria Joana, Morena do Mar.
Nara Leão
(68) - Mamãe Coragem, Mulher, Infelizmente.
Coisas do Mundo
(69) - Atrás do Trio Elétrico, Pisa na Fulô, Poema da Rosa.
10 Anos Depois
(71 - duplo) - Samba de Uma Nota Só, Corcovado, Sabiá, Este Seu Olhar, Desafinado.
Meu Primeiro Amor
(75) - Atirei o Pau no Gato, Casinha Pequenina, A Saudade Mata a Gente.
Raridades
(68-75) - Maria, O Profeta, Nordeste: Seu Povo, Seu Canto e Sua Glória.