Camargo Guarnieri: um retrato da vida na coleção dos 50 <i>Ponteios</i>

Laís de Souza Brasil é a intérprete ideal para uma obra-prima pianística

Luiz Paulo Horta
22/05/2001
Duas coisas boas acontecem hoje para a música brasileira, dois lançamentos simultâneos: o do CD em que Laís de Souza Brasil interpreta os 50 Ponteios de Camargo Guarnieri, e o do livro monumental, coordenado por Flávio Silva, em que a Funarte e a Imprensa Oficial de São Paulo homenageiam o mesmo Guarnieri, através de ensaios escritos por diversos especialistas.

O CD é uma boa introdução a Guarnieri, e define muito bem o seu lugar na nossa música. O mestre paulista pertence à primeira geração pós-Villa-Lobos: nascido em 1907, era 20 anos mais moço que Villa-Lobos, dez anos mais moço que Francisco Mignone (outro grande nome da escola nacionalista). Foi o suficiente para que ele - apoiado no seu gênio próprio - apresentasse uma outra linguagem, que tanto impressionou a um mestre americano como Copland.

Guarnieri é tão “brasileiro” quanto os dois citados antecessores. Mas nele, a preocupação nacionalista é controlada por um cuidado especial com a forma, e deságua numa linguagem musical de uma sutileza enorme. Como os maiores mestres, ele tem a capacidade de afirmar-se em diversos gêneros. Pode brilhar igualmente no domínio da sinfonia, de um concerto para piano e orquestra, de uma sonata para violino ou violoncelo; deixou uma coleção maravilhosa de canções, peças preciosas para conjuntos de câmara - todo o necessário para mostrar a música brasileira na sua completa afirmação, em termos de arte universal.

Esses Ponteios são um bom lugar para tomar pé no universo de Guarnieri, sobretudo quando interpretados por uma pianista - Laís de Souza Brasil - que trabalhou diretamente com o compositor. A série dos Ponteios começa em 1931, e vai terminar em 1959. São, todas elas, pequenas peças para piano. A palavra ponteio lembra as brincadeiras que os tocadores nordestinos fazem com as suas violas. Mas se existe, na série, muito de lúdico, e uma conexão direta com as nossas raízes brasileiras, ela também serve para mostrar Guarnieri na plena posse de seu gênio, ainda que nesse terreno da obra pequena.