Candomblé + mulher bonita = a volta de Otto
O percussionista recifense apura seu samba esquema noise no segundo álbum solo, Condom Black
Marco Antonio Barbosa
28/10/2001
"Na verdade o título me apareceu quando eu tinha acabado de fazer o Samba Pra Burro, foi a primeira sacada - falar da mistura de raça, de culturas... e aí veio nesse crescendo nos últimos três anos, eu querendo falar de coisas que estavam na minha vida há muito tempo, encerrando um ciclo e começando outro... referências que estão na cabeça de todo brasileiro, acho, todo mundo que gosta de futebol, de... Mas qual foi a pergunta mesmo (risos)?" Este é o recifense Otto tentando explicar o que há por trás de Condom Black (Trama), seu terceiro álbum solo - o primeiro com canções inéditas desde o aclamado Samba Pra Burro . Para quem não entendeu ainda, não se trata de um álbum sobre preservativos negros - e sim uma truncada referência ao candomblé, dado fundamental tanto na vida quanto na música do cantor e percussionista. No mesmo caldeirão em forma de CD, Otto mescla inusitadas participações especiais, trocadilhos/aliterações, jazz e samba... Ou seja, ele mudou, mas por isso mesmo continua o mesmo: o que permanece é justamente sua vontade de misturar e confundir. Cliquemusic conversou com o músico para tentar desvendar como ele acabou parindo este novo, aham, trabalho - com trocadilho, por favor.
Otto sustenta que o candomblé, em suas manifestações culturais e musicais, o acompanha "desde que se entende por gente." Por isso mesmo, Condom Black não nasceu agora, e sim em 1974, ano em que o pequeno Otto escutou pela primeira vez o álbum Canta Canta Minha Gente, de Martinho da Vila. "Escutava o disco o tempo todo e tinha ali uns legítimos pontos de terreiro (Festa de Umbanda). Na época eu nem morava no Recife ainda, estava no sertão, não tinha a menor idéia do que aquilo significava", diz Otto. Fazia-se então uma sinapse primordial na cabeça do futuro compositor - a conexão samba-macumba. "Fui crescendo e aquilo tudo se misturou na minha cabeça, junto com os sons do Recife, como o maracatu, e outros ritmos negros. Quando viajei à Bahia e tomei contato com o trabalho do Pierre Verger (etnógrafo francês que pesquisou a fundo os terreiros de Salvador), tudo se formou na minha cabeça", lembra o ex-Mundo Livre S/A.
Mais do que uma questão de fé, o candomblé entra na mistureba de Otto como base musical. "Não tenho a clareza da celebração afro-brasileira, não freqüento terreiros", diz o compositor. "Entretanto, a influência está na minha vida o tempo todo, no jeito como falo, na minha maneira de compor. Faço um candomblé freestyle, não cheguei a pegar literalmente os temas e a percussão dos terreiros - só meti a mão, toquei e pronto, seja o que Deus quiser. Acho que a principal influência está no jeito em que componho, sempre abordando a natureza. Isso eu aprendi com a música do candomblé, que celebra as forças naturais", afirma.
Daí também vem a matriz das letras do disco, repletas de trocadilhos, replicando a linguagem cifrada das mães-de-santo à moda "Ottoniana". "Nada é por acaso, todas as brincadeiras com os versos são pensados. As palavras vão se transformando umas nas outras, sendo quebradas e misturadas - é uma maneira de mostrar vários jeitos de se cantar a mesma coisa", fala Otto. Versos como “dilata mulata teus olhos dilata/ Só não me delete o teu coração, de lata, mulata” (Dilata), “Aporta a tropa na porta/ Obriga o gado a brigar/ Brigado por bater a porta/ Bata em todo lugar” (Armadura) provam essa disposição, junto a citações variadas a entidades afro. "Retratista, por exemplo, é dedicada a Oxalá, e Anjos do Asfalto, a Exú. Vou sincronizando isso tudo", fala Otto.
Esta sincronia, ou melhor, sincretismo, levou nada menos que três anos para se concretizar. "Comecei a pensar este disco logo assim que acabei o trabalho no Samba Pra Burro", fala Otto. "Desta vez, queria entrar cantando mais, dar uma maior ênfase ao vocal. Porque no Samba... tinha pelo menos umas quatro ou cinco faixas mais experimentais que as pessoas ouviam e ficavam assim: 'Será que isso é música?!' Era um disco mais complexo, conceitual. Agora eu preciso ser mais musical, ter composições mais trabalhadas." Neste meio tempo, surgiu o CD duplo Changez Tout , com remixes feitos por top DJs brasileiros para as canções do primeiro disco de Otto. Quem esperava que Condom Black viesse radicalmente eletrônico por causa dos experimentos de Changez Tout terá uma surpresa. "O disco de remixes me deixou meio over com tanta eletrônica. Por isso é que o novo CD está com instrumentos de verdade, sintetizadores analógicos. Quis condensar a eletrônica, deixar tudo com menos cara de ProTools e mais acústico. É bom variar entre o acústico e o eletrônico", fala Otto. E ele ainda adianta: "Nos shows vamos vir só com banda, sem nenhuma base seqüenciada. A porrada vai ser grande."
Cairam dentro do terreiro eletroacústico de Otto várias participações especiais inusitadas. O destaque vai para uma dupla de caras conhecidas (e formosas) da televisão, que definitivamente não têm muito a ver com música: Fernanda Lima, VJ da MTV (cantando em Street Cannabis Street ) e Maria Paula (em Retratista). "Tenho a sorte de tê-las como amigas", fala Otto, candidamente. "Em Street... eu queria cantar em inglês, mas tinha vergonha de fazer sozinho. Então chamei a Fernanda. Já a Maria Paula ficou ideal em Retratista, além dela ter uma voz grave, deliciosa, ela é superespiritual - o que cai bem em uma música sobre Oxalá." Além da dupla televisiva, Luciana Mello solta a voz em Dilata e Dias de Janeiro. "A Fernanda e a Maria Paula entraram sem compromisso, mas para a Luciana cantar comigo foi tipo um dever de casa", fala Otto rindo. E completa: "As músicas que elas cantam são mais macias, cheias de curvas. Música para mulher cantar."
Além das três gatas, Otto incluiu canjas de Chorão (do Charlie Brown Jr.), em Cuba e as participações - mais previsíveis - de Max de Castro e dos conterrâneos da Nação Zumbi. "É aí também que mora a surpresa no disco", fala Otto sobre as participações especiais. "Tinha que confiar neles, são todos meus amigos. Além disso, o Pupilo (Nação) fez todas as batidas do disco. Teve gente me perguntando se o fato de eu ter colocado a mulherada para cantar não teria sido malandragem minha. Então, o que foi a participação dos homens? Viadagem?", pergunta, rindo.
Condom Black chega ao mercado em um ano que está vendo uma nova efervescência no pop pernambucano. Novos nomes (Mônica Feijó, DJ Dolores) chegando e velhos (Jorge Cabeleira, Querosene Jacaré) retornando, tudo no melhor esquema "viemos para somar". Otto dá sua opinião sobre o que rola na Manguetown: "Quando a galera da onda original do manguebeat - eu com o Mundo Livre, Chico (Science) e outros - desceu para o Sudeste, para encarar a mídia, as coisas no Recife foram esfriando aos poucos. Até que voltou à estaca zero. Quando voltamos, acabamos incentivando os outros. E também a morte de Chico (em 1997) foi um marco; depois do baque inicial, a movimentação ressurgiu com mais força. Recife é uma cidade com grande poder de criação. E Pernambuco sempre foi um estado de muita luta."
Otto sustenta que o candomblé, em suas manifestações culturais e musicais, o acompanha "desde que se entende por gente." Por isso mesmo, Condom Black não nasceu agora, e sim em 1974, ano em que o pequeno Otto escutou pela primeira vez o álbum Canta Canta Minha Gente, de Martinho da Vila. "Escutava o disco o tempo todo e tinha ali uns legítimos pontos de terreiro (Festa de Umbanda). Na época eu nem morava no Recife ainda, estava no sertão, não tinha a menor idéia do que aquilo significava", diz Otto. Fazia-se então uma sinapse primordial na cabeça do futuro compositor - a conexão samba-macumba. "Fui crescendo e aquilo tudo se misturou na minha cabeça, junto com os sons do Recife, como o maracatu, e outros ritmos negros. Quando viajei à Bahia e tomei contato com o trabalho do Pierre Verger (etnógrafo francês que pesquisou a fundo os terreiros de Salvador), tudo se formou na minha cabeça", lembra o ex-Mundo Livre S/A.
Mais do que uma questão de fé, o candomblé entra na mistureba de Otto como base musical. "Não tenho a clareza da celebração afro-brasileira, não freqüento terreiros", diz o compositor. "Entretanto, a influência está na minha vida o tempo todo, no jeito como falo, na minha maneira de compor. Faço um candomblé freestyle, não cheguei a pegar literalmente os temas e a percussão dos terreiros - só meti a mão, toquei e pronto, seja o que Deus quiser. Acho que a principal influência está no jeito em que componho, sempre abordando a natureza. Isso eu aprendi com a música do candomblé, que celebra as forças naturais", afirma.
Daí também vem a matriz das letras do disco, repletas de trocadilhos, replicando a linguagem cifrada das mães-de-santo à moda "Ottoniana". "Nada é por acaso, todas as brincadeiras com os versos são pensados. As palavras vão se transformando umas nas outras, sendo quebradas e misturadas - é uma maneira de mostrar vários jeitos de se cantar a mesma coisa", fala Otto. Versos como “dilata mulata teus olhos dilata/ Só não me delete o teu coração, de lata, mulata” (Dilata), “Aporta a tropa na porta/ Obriga o gado a brigar/ Brigado por bater a porta/ Bata em todo lugar” (Armadura) provam essa disposição, junto a citações variadas a entidades afro. "Retratista, por exemplo, é dedicada a Oxalá, e Anjos do Asfalto, a Exú. Vou sincronizando isso tudo", fala Otto.
Esta sincronia, ou melhor, sincretismo, levou nada menos que três anos para se concretizar. "Comecei a pensar este disco logo assim que acabei o trabalho no Samba Pra Burro", fala Otto. "Desta vez, queria entrar cantando mais, dar uma maior ênfase ao vocal. Porque no Samba... tinha pelo menos umas quatro ou cinco faixas mais experimentais que as pessoas ouviam e ficavam assim: 'Será que isso é música?!' Era um disco mais complexo, conceitual. Agora eu preciso ser mais musical, ter composições mais trabalhadas." Neste meio tempo, surgiu o CD duplo Changez Tout , com remixes feitos por top DJs brasileiros para as canções do primeiro disco de Otto. Quem esperava que Condom Black viesse radicalmente eletrônico por causa dos experimentos de Changez Tout terá uma surpresa. "O disco de remixes me deixou meio over com tanta eletrônica. Por isso é que o novo CD está com instrumentos de verdade, sintetizadores analógicos. Quis condensar a eletrônica, deixar tudo com menos cara de ProTools e mais acústico. É bom variar entre o acústico e o eletrônico", fala Otto. E ele ainda adianta: "Nos shows vamos vir só com banda, sem nenhuma base seqüenciada. A porrada vai ser grande."
Cairam dentro do terreiro eletroacústico de Otto várias participações especiais inusitadas. O destaque vai para uma dupla de caras conhecidas (e formosas) da televisão, que definitivamente não têm muito a ver com música: Fernanda Lima, VJ da MTV (cantando em Street Cannabis Street ) e Maria Paula (em Retratista). "Tenho a sorte de tê-las como amigas", fala Otto, candidamente. "Em Street... eu queria cantar em inglês, mas tinha vergonha de fazer sozinho. Então chamei a Fernanda. Já a Maria Paula ficou ideal em Retratista, além dela ter uma voz grave, deliciosa, ela é superespiritual - o que cai bem em uma música sobre Oxalá." Além da dupla televisiva, Luciana Mello solta a voz em Dilata e Dias de Janeiro. "A Fernanda e a Maria Paula entraram sem compromisso, mas para a Luciana cantar comigo foi tipo um dever de casa", fala Otto rindo. E completa: "As músicas que elas cantam são mais macias, cheias de curvas. Música para mulher cantar."
Além das três gatas, Otto incluiu canjas de Chorão (do Charlie Brown Jr.), em Cuba e as participações - mais previsíveis - de Max de Castro e dos conterrâneos da Nação Zumbi. "É aí também que mora a surpresa no disco", fala Otto sobre as participações especiais. "Tinha que confiar neles, são todos meus amigos. Além disso, o Pupilo (Nação) fez todas as batidas do disco. Teve gente me perguntando se o fato de eu ter colocado a mulherada para cantar não teria sido malandragem minha. Então, o que foi a participação dos homens? Viadagem?", pergunta, rindo.
Condom Black chega ao mercado em um ano que está vendo uma nova efervescência no pop pernambucano. Novos nomes (Mônica Feijó, DJ Dolores) chegando e velhos (Jorge Cabeleira, Querosene Jacaré) retornando, tudo no melhor esquema "viemos para somar". Otto dá sua opinião sobre o que rola na Manguetown: "Quando a galera da onda original do manguebeat - eu com o Mundo Livre, Chico (Science) e outros - desceu para o Sudeste, para encarar a mídia, as coisas no Recife foram esfriando aos poucos. Até que voltou à estaca zero. Quando voltamos, acabamos incentivando os outros. E também a morte de Chico (em 1997) foi um marco; depois do baque inicial, a movimentação ressurgiu com mais força. Recife é uma cidade com grande poder de criação. E Pernambuco sempre foi um estado de muita luta."