Cantor volta em CD surpreendente

Meu Coração é um Pandeiro apresenta Cauby Peixoto em ótima forma, mais contido e com ginga digna dos melhores bambas

Rodrigo Faour
06/10/2000
Apesar de ter gravado alguns sambas no decorrer de seus quase 50 anos de carreira é a primeira vez que o cantor lança um álbum dedicado ao gênero. O resultado pode ser conferido a partir do dia 30 quando a Som Livre põe nas lojas o CD Meu Coração É um Pandeiro, que reúne 14 sambas clássicos na voz do cantor e nas de alguns convidados do ramo. Apesar de possuir uma cancha mais jazzística, Cauby saiu-se bem no desafio de lançar-se aos sambas de raiz – ainda que os arranjos de seu produtor João de Aquino quase sempre dêem um jeito de aproveitar esse outro lado do cantor, mesmo que discretamente. Quem está acostumado às fossas e ao romantismo exacerbado do intérprete de Conceição e Nono Mandamento vai se surpreender. Pois o clima do CD é bem pra cima e o cantor, apesar de mostrar seu estilo inconfundível, dispensa maiores impostações vocais ou exageros inadequados ao gênero do disco.

A melhor faixa é logo a de abertura, Eu Canto Samba (Paulinho da Viola) na qual Cauby deita e rola. Improvisa, brinca com a letra que diz "Há muito tempo que ouço dizer esse papo furado que o samba acabou". "Acabou é?" – indaga Cauby. E o coro responde: "Só se foi quando o dia clareou". Impagável. Paulinho participa, mas não nessa faixa, e sim na belíssima Onde a Dor Não Tem Razão, também de sua autoria, outro grande momento do CD. O renovador do partido alto, Martinho da Vila, desafia Cauby em Iaiá do Cais Dourado, em que se sai otimamente bem, tão à vontade quanto na faixa de abertura. Acreditar, com canja de Dona Ivone Lara, ganhou um arranjo com um pé na gafieira. Zeca Pagodinho também aparece no terreiro de Cauby com uma versão mais acelerada de Festa da Vinda, de Cartola e Nuno Veloso, com arranjo que beira a salsa em determinados momentos.

O disco traz outros convidados ilustres do mundo do samba em versões corretas (Chico Buarque em Quem Te Viu, Quem Te Vê, Nelson Sargento em Agoniza Mas Não Morre, Monarco & Velha Guarda da Portela no samba-enredo Ilu Ayê). Sozinho, Cauby também se defende bem em sambas de épocas e estilos distintos. Da celebrativa Exaltação à Mangueira à única nostálgica do disco, Rio Antigo (do repertório de Alcione), passando pelo samba-jóia de Benito Di Paula, Retalhos de Cetim (em andamento mais suingado) e pela antiga Morena Boca de Ouro, de Ary Barroso. Essa última, de cuja letra foi retirado o título do CD, aparece em versão bem animada, meio sambão, meio jazzista, nos intervalos da melodia principal.

Se o samba-enredo Festa do Círio de Nazaré (Mangueira,1975) fecha o disco em versão discreta – o CD merecia uma faixa de mais impacto para o final – Cauby surpreende no dueto com Luiz Carlos da Vila na inacreditável (e difícil) Kizomba – A Festa da Raça. Esse samba-enredo, que deu o primeiro campeonato à Vila Isabel em 1988, aparece numa curiosa versão mais ralentada. Em suma, Cauby não vai virar sambista depois desse disco, mas é bonito ver um cantor veteraníssimo ainda buscando novos desafios, lançando um álbum digno e bem cuidado.

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