Cantoras revivem os tempos da Rádio Nacional

Carmélia Alves, Carminha Mascarenhas, Ellen de Lima e Violeta Cavalcante emocionam o Rio com o show Cantoras do Rádio

Antonio Abreu
20/10/2001
As cantoras em ação (clique para ampliar)
Domingo, 17h. A fila vai se formando no corredor que dá  acesso ao Café-Teatro Arena, em Copacabana, no Rio de Janeiro. A matinê está marcada para às seis da tarde, sessão mais concorrida da semana. Centenas de cabeças brancas aguardam, pacientemente, a porta de vidro se abrir, para conferirem o show Cantoras do Rádio: Estão Voltando as Flores, que vem botando gente pelo ladrão desde sua estréia no dia 13 de junho deste ano.

Pronto. A bendita porta se abriu. Pessoas entram apressadas para escolherem o melhor lugar. Uns sentam na platéia de 200 lugares e outros em mesinhas situadas em frente ao palco. Bebericam Coca-Cola e conversam animadamente. É dado o primeiro sinal. Burburinho na platéia. Quando as cantoras Carmélia Alves, Carminha Mascarenhas, Ellen de Lima e Violeta Cavalcante surgem no fundo do palco cantando Estão Voltando as Flores, sucesso de Paulo Soledade imortalizado por Helena de Lima, é a dica para que a platéia entre no túnel do tempo e desemboque diretamente no auditório festivo da Rádio Nacional.

O passado se torna presente através dos prefixos dos programas de César de Alencar ("Esta cançãoo nasceu para quem quiser cantar/Canta você cantamos nós até cansar...") e de Paulo Gracindo ("Tá  na hora louca de cantar assim sorrindo/Faz nascer na boca/O nome do programa é Paulo Gracindo") na homenagem dirigida por Ricardo Cravo Albin a dez divas da época de ouro do rádio brasileiro. São elas: Aracy de Almeida, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, Isaurinha Garcia, Dolores Duran, Nora Ney, Carmen e Aurora Miranda e Linda e Dircinha Batista.

E Ângela Maria, Emilinha, Marlene, Doris Monteiro? "O nosso objetivo foi reverenciar as cantoras já falecidas e homenagear duas que estão afastadas da carreira, Nora Ney e Aurora Miranda", justifica Ricardo Cravo Albin, pondo um ponto final na reclamação de muitas pessoas. "Lamento ter deixado de fora outras grandes cantoras como Odete Amaral ou Lourdinha Bittencourt", completa o diretor.

Ele atribui o sucesso do show - cerca de nove mil pessoas já  o assistiram - a vários fatores. "Em primeiro lugar, o nosso espetáculo prova que as pessoas têm memória musical. Em segundo, destaco a qualidade da produção e o talento das pessoas envolvidas". Já para Ellen de Lima, a palavra sucesso não tem explicação. "No entanto, pela lógica, faz sucesso tudo que é bem feito. No nosso caso, vale destacar o carisma que temos junto ao público, que atualmente sente falta de algo mais consistente. Hoje está  tudo tão descartável... Na minha opinião, a platéia se identifica com cada cantora homenageada a partir do momento que elas deixaram raízes". Ricardo emenda: "A prova maior é que a platéia faz coro com as cantoras e ao final o espetáculo é aplaudido de pé. De um modo geral, quando se junta trabalho com criatividade o resultado sempre é imbatível".

O roteiro do show vai de encontro às necessidades da platéia. "Eu, por exemplo, personifico Elizeth Cardoso e não deixo de fora dois de seus grandes sucessos, Mulata Assanhada e Barracão", destaca Violeta Cavalcante, que ainda empresta sua voz aos repertórios de Aracy de Almeida (Tenha Pena de Mim e Não me Diga Adeus), Nora Ney (Vai, Vai Mesmo) e Dalva de Oliveira (Olhos Verdes). Violeta, apontada por Cravo Albin como "a Clementina de Jesus branca", afirma: "Não sou uma sambista qualquer. Fui descoberta pelo maestro Heitor Villa-Lobos em pessoa". Com o show, a cantora prossegue com a retomada de sua carreira, iniciada em 1941 e interrompida em 1957 (trocada por um casamento) e novamente recomeçada em 1977, pelas mãos de Paulinho da Viola.

De Isaurinha Garcia, Carminha Mascarenhas canta Mensagem, um dos grandes trunfos da cantora paulista. Carmélia Alves, a eterna Rainha do Baião - gênero que popularizou até em temporadas na Europa, nos anos 60 - se debruça no repertório romântico de Elizeth (Canção de Amor) e Dalva de Oliveira (Segredo). A baiana Ellen de Lima recorda Dolores Duran em A Noite do Meu Bem e coloca na ordem do dia as marchinhas carnavalescas de Linda & Dircinha Batista e Carmen & Aurora Miranda, que já cantava nos tempos da Rádio Nacional, no programa Papel Carbono. Ao final da homenagem, Carmélia, Ellen, Violeta e Carminha cantam seus grandes sucessos, tudo acompanhado pela banda liderada por Helcio Brenha.

Carminha Mascarenhas, que volta a cantar depois de 15 anos de ausência, deixa a modéstia de lado. "Somos quatro mulheres que estamos cantando muito bem e ainda podemos usar salto 15. Temos vontade de trabalhar e reencontrar o nosso público. Tudo que se faz com verdade e amor passa naturalmente do palco para a platéia". A cantora, mãe do músico Raul Mascarenhas, afirma que "renasceu das cinzas" ao entrar para o elenco do show. Violeta concorda: "Estamos relembrando os grandes momentos daquelas que, assim como nós, foram divas de uma época de ouro do rádio brasileiro". Ricardo faz questão de dizer que o show permanecerá no Arena até o dia 28 de outubro. "Depois vamos fazer uma temporada popular em teatro ainda não definido, vamos para São Paulo e pretendemos correr o Brasil".

O show Cantoras do Rádio começou modestamente em 1988, como comemoração dos 10 anos de existência da Sala Funarte, ainda agregada ao Museu Nacional de Belas Artes. Naquela época, Érico de Freitas, diretor de programação, reuniu Nora Ney, Rosita Gonzales, Zezé Gonzaga, Carmélia, Violeta e Ellen, dirigidas por Flávio Marinho, para festejar a data. O show deu tão certo que correu o Brasil e até 1994 manteve o mesmo elenco. "Depois, a Rosita morreu, a Nora adoeceu e a Zezé não quis continuar", sublinha Violeta. Treze anos depois, o produtor Cláudio Magnavita (o mesmo dos musicais de sucesso Cole Porter e Company) resolveu investir no mesmo filão e resgatou três veteranas do elenco primitivo (Carmélia, Ellen e Violeta), trouxe de volta Carminha Mascarenhas e chamou Ricardo Cravo Albin para dirigir.