Cantores bregas da antiga têm obra revista

Série BIS da EMI traz de volta ao mercado Altemar Dutra, Orlando Dias e Anísio Silva, a tríade do brega-romântico que marcou época na virada dos anos 50 para os 60

Rodrigo Faour
22/08/2000
O sentimentalismo exacerbado nas letras e nas interpretações, normalmente versando sobre questões amorosas, é a definição de brega-romântico. E ao ouvir os CDs da Série BIS (coletâneas duplas da EMI Music) de Anísio Silva, Orlando Dias e Altemar Dutra entendemos um pouco do surgimento desse estilo como gênero musical. Esses artistas surgiram impulsionados pelo sucesso dos sambas-canções dramáticos de Adelino Moreira na voz de Nelson Gonçalves, no começo dos anos 50. Esse tipo de canção, antes diluída no repertório de quase todos os cantores brasileiros, passou a fixar-se como gênero. Foi também o momento em que vários compositores começaram a imitar Herivelto Martins e Lupicínio Rodrigues, mas sem o mesmo talento. A antiga Odeon, atual EMI, de olho no filão (Nelson era da RCA Victor), tratou logo de ir incrementando artistas desse estilo em seu cast.

Por ordem de entrada na sala do brega-romântico, Anísio Silva começou a ser notado por volta de 1956 e já em 1957 tinha seu primeiro sucesso, Sonhando Contigo. Em 1959, aproveitando-se também da lacuna deixada por Cauby Peixoto – o cantor romântico jovem mais popular da época, que andava tentando a carreira nos Estados Unidos – apareceu Orlando Dias (59) e quatro anos depois Altemar Dutra. Todos eles marcaram época e fizeram muita gente encher o lenço de lágrimas concentradas, salgadíssimas. As coletâneas lançadas agora são bastante representativas e trazem o melhor (?) de suas obras.

O ex-balconista de farmácia (baiano) Anísio Silva foi a contrapartida de João Gilberto, ou seja, era brega mas era cool, e conheceu o sucesso tardiamente, já aos 37 anos. Cantava com voz pequena, anasalada e às vezes sussurrante, e assaltou as paradas entre 57 e 63. De todo o seu repertório, a única que resistiu ao tempo foi Alguém Me Disse. Recentemente, foi regravada por Gal Costa (1990) e até mesmo pela mais nova pop star da MPB, Ana Carolina, no ano passado. É um samba-canção abolerado, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim – dupla que muniu grande parte do repertório de seu colega Altemar Dutra. Anísio comparece neste CD com pérolas como Interesseira ("Não amas ninguém/ Não tens coração/ Só causas o mal a quem te quer bem") ou Abismo ("E agora em todo instante que passa/ É maior sua desgraça no seu crime por amor"). As únicas faixas surpreendentes são o velho samba Não Tenho Lágrimas, de Max Bulhões e Milton de Oliveira e até um samba em parceria com o lendário Silas de Oliveira (mais José Garcia), em Me Leva.

Boleros de joelhos
O pernambucano José Adauto Michiles, vulgo Orlando Dias, já era bem mais over que Anísio. Exagerado – bem como os antecessores Orlando Correa e Roberto Luna – e com um timbre comum e pesado (mais de cinco músicas ninguém agüenta ouvir), sangra seus boleros ou samboleros com maestria brega. Orlando tinha voz, físico e postura cênica ideais ao gênero, usando mesmo roupas em total desalinho e terminando alguns números de joelhos. Ele choramingava números como Perdoa-me pelo Bem que Te Quero, Mentiste-me ("fingindo-se arrependida. Hoje se choras, a mim não implores, minha alma está ferida. Jamais perdoarei...") ou a horrenda Tenho Ciúme de Tudo, carro-chefe do cantor, de 1961, que diz: "Tenho ciúme do sol, do luar, do mar/ Tenho ciúme de tudo/ Tenho ciúme até da roupa que tu vestes". Deus me livre!

Finalmente, o mineiro Altemar Dutra foi o melhor e o que teve mais sucesso dos três, gravou bastantes músicas que tornaram-se clássicos. Começou muito jovem e faleceu também prematuramente, em 1983, aos 43 anos. Ele teve o mérito de lançar boleros irresistíveis como Brigas ("Veja só que tolice nós dois/ Brigarmos tanto assim"), Sentimental Demais ("Sentimental eu sou/ Eu sou demais"), Somos Iguais ("Eu sou o mesmo que você deixou/ Eu vivo aqui onde você viveu..."), Que Queres Tu de Mim ("...que fazes junto a mim/ Se tudo está perdido amor") e a marcha-rancho Bloco da Solidão ("Lá vai meu bloco vai/ Só desse jeito é que ele sai") – todas da lavra dos referidos Evaldo Gouveia e Jair Amorim, que principalmente entre 1960 e 66 inundaram as paradas de sucesso com um sambolero atrás do outro. Jair era ótimo letrista, mas a partir desta parceria com Evaldo começou a apelar um pouco, "embregando" para sobreviver. Mesmo assim a obra da dupla produziu alguns clássicos que estão acima do bem e do brega. Não por acaso foram regravados por cantoras interessantes como Bethânia, Simone, Alcione, Maysa e até Cris Braun.

Nada mudou
O gênero, os arranjos e mesmo o ritmo das canções são bastante uniformes nos discos dos três cantores. E mesmo suas vozes não conseguem resistir à passagem do tempo, ao contrário do que aconteceu com Nelson Gonçalves, um ótimo cantor. O pacote de CDs serve para constatar que de lá para cá pouca coisa mudou no filão brega-romântico. Logo depois deles vieram Silvinho, Adilson Ramos, Agnaldo Timóteo e Nelson Ned. Nos anos 70, Odair José, Fernando Mendes e outros seguiram a linha das letras dramáticas, em ritmo de balada. Nos anos 80, José Augusto, Elymar Santos e duplas "sertanejas" também seguiram falando de dor-de-cotovelo com arranjos de Lincoln Olivetti e companhia. Mais recentemente, os grupos de pagode tomaram esse espaço. Estão vendo? Só muda o ritmo e o arranjo. Mas espremendo a fruta, não dá caldo criativo nem para um copo. Por isso, o que saiu de melhor da fase Anísio-Orlando-Altemar foram mesmo vários boleros de Evaldo Gouveia e Jair Amorim. Quem não sabe assobiar Brigas, Sentimental Demais ou Alguém Me Disse?