Capital Inicial enfrenta o <i>day after</i> do sucesso

Grupo lança Rosas e Vinho Tinto, primeiro CD após o estouro do Acústico MTV, sem o guitarrista fundador Loro Jones

Marco Antonio Barbosa
09/05/2002
Se alguém chegasse para os integrantes do grupo Capital Inicial há, digamos, cerca de 18 anos atrás, e dissesse que eles enfrentariam altos e baixos ao longo das décadas de 80 e 90 para - afinal - tornarem-se os mais populares roqueiros do país no começo do terceiro milênio... qual seria a reação deles? Independente de previsões mirabolantes, o fato é que o grupo brasiliense nunca esteve tão por cima das paradas, após o sucesso do Acústico MTV ouvir 30s lançado em 2000. A prova dos nove do êxito do Capital começa a ser tirada agora, com Rosas e Vinho Tinto ouvir 30s (Abril Music) - 11º disco de sua carreira e o primeiro desde o estouro desplugado (consta que o Acústico já ultrapassou os dois milhões de cópias vendidas, equiparando o Capital à Legião Urbana e ao RPM). Muita coisa mudou na seara do quarteto nos últimos dois anos. Sucesso e superexposição, cobranças e acusações, assédio de todos os tipos, a perda de um integrante (o guitarrista Loro Jones, da formação original) e, mais importante, a arriscada obrigação de se renovar, mas sem pôr a perder o que já conquistaram. O vocalista Dinho Ouro-Preto e o baterista Fê Lemos conversaram com Cliquemusic sobre os bastidores de Rosas e Vinho Tinto e se mais altos e baixos esperam o Capital daqui em diante.

"Não é uma volta ao rock, não se trata de renegar o que fizemos no Acústico - que era um projeto isolado dentro de nossa carreira. O disco novo é apenas uma continuação com o que já vinhamos fazendo desde o Atrás dos Olhos", diz Dinho, posicionando Rosas e Vinho Tinto em relação ao último disco de estúdio do Capital, lançado em 1998. "Há uma continuidade natural", completa Fê. "No Atrás... nós definimos o que seria o som do Capital dali em diante. A parada conceitual que o Acústico representou não mudou nosso modo de fazer música. Sabemos o que o Capital representa e em Rosas... nós apenas voltamos para a nossa base, aquilo que sempre fizemos." E Dinho rebate: "Nunca houve o desejo de fazer um Volume II do Acústico. Acho que, às vezes, as pessoas se perdem depois de um sucesso grande demais. E nós sempre tivemos a preocupação de trazer inéditas, mesmo dentro do Acústico."

Rosas e Vinho Tinto era para ter saído em 2001, mas a intensa programação de shows da turne do Acústico derrubou os planos do grupo. "Sabíamos que (o disco) teria uma grande repercussão. Mas não esperávamos que a coisa tomasse o vulto que tomou. Resolvemos extender a turnê para aproveitar o bom momento e o disco novo foi adiado", fala Fê Lemos. Assim, apenas em janeiro deste ano o Capital Inicial pôde dar um tempo na excursão - que já bateu nos 270 shows e ainda não terminou - e pensar seu novo trabalho. O repertório veio sendo burilado desde meados de 2001, basicamente pela dupla Dinho/Alvin L. (letrista). "O Alvin viajou com a gente em algumas ocasiões, e a gente ia trabalhando pela estrada", conta Dinho sobre a colaboração com o ex-cantor dos Sex Beatles, parceiro do Capital desde os anos 80. Da lista de faixas do disco, apenas Incondicionalmente, composta em 1998, não nasceu nesta nova safra.

Só que quando o grupo se reuniu em São Paulo para gravar ("Dia 16 de janeiro", lembra Fê), Loro Jones não os acompanhou. "Ele era o único que ainda continuava morando em Brasília e não estava mais aguentando o ritmo das turnês", fala Dinho. "Quando prolongamos a turnê, sabíamos que iriamos ter muito trabalho pela frente e Loro já vinha sinalizando que estava estressado", completa o vocalista. Mais uma vez, Fê Lemos cita a data exata da saída do guitarrista: "Foi em 28 de novembro do ano passado, depois de um show em Porto Alegre. Logo assim que saímos do palco, ele disse que estava cansado de tudo e se despediu." O grupo ainda aguardou que Loro reconsiderasse e entrasse em estúdio. "Mas até a véspera do começo das gravações ele não tinha se manifestado ainda, então..." resume Fê. A solução foi recrutar Yves Passarell, ex-guitarrista da banda heavy Viper, para assumir o posto. "Já vínhamos tocando com o Yves na turnê do Acústico e a escolha dele foi inevitável", diz Dinho. Fê também lembra que não foi a primeira vez que Yves cobre a vaga de Loro. "Em 1996 - quando o Dinho estava fora - o Loro saiu pela primeira vez da banda, dizendo que só voltaria com a formação original. Até o Dinho voltar, o Yves tapou o buraco na guitarra." Integrado ao grupo, Passarell participou, com o também "agregado" Kiko Zambianchi, da escolha do repertório de Rosas e Vinho Tinto.

A música de trabalho é À Sua Maneira, versão para De Musica Ligera, do grupo argentino Soda Stereo. "Conheci essa música no comecinho da MTV aqui no Brasil, e fiquei apaixonado. Queria fazer uma versão desde aquela época, mas a música nunca se encaixava nos nossos discos. Quando entrei no estúdio desta vez, estava resolvido a gravá-la." Só que a música já tinha sido vertida para o português e gravada pelos Paralamas do Sucesso (como Música Ligeira, em 1998). "Quando descobri que era a mesma, já tínhamos gravado e achamos que valia a pena deixar. A nossa leitura ficou muito diferente da deles, que é mais fiel à original, tanto na letra quanto na sonoridade mais roqueira", conclui Dinho.

Por falar em sonoridade mais roqueira, Rosas e Vinho Tinto contrasta com Acústico MTV também pela pegada mais hard. Sem exageros, claro. A produção de Marcelo Sussekind privilegia as guitarras, tocadas por Yves Passarell, o convidado Fred Nascimento e o próprio Sussekind. O histórico de metal de Yves faz aventar a hipótese de novas influências no Capital. "O Yves é um guitarrista de rock, e ponto. Ele tem a mesma base que todos nós, sempre curtiu vários outros sons além do metal", fala Fê. Junto às guitarras um tantinho mais agressivas, há influências de sonoridades trabalhadas no Acústico, com violões e pianos. "Não poderiamos sufocar o disco com muitas guitarras, arranjos exagerados. O forte desse disco são as melodias, as canções da dupla Dinho e Alvin", acredita o baterista.

Inevitável é pensar na recepção a este novo trabalho, que terá de conviver com a sombra do sucesso desmedido do último lançamento. "Não acho que vão 'estranhar' este disco. Quem nos conhece de verdade, mesmo que só tenha ouvido o Acústico, vai entender que se trata da mesma banda", arrisca Dinho. Fê analisa os diversos tipos de cobranças sobre a banda: "Os fãs dos anos 80 diziam que nós tínhamos que fazer um disco de rock. Não poderíamos repetir a fórmula acústica, nem virar um grupo 'romântico'. Ao mesmo tempo sabemos que não dá para recriar o Acústico, nem em termos de som nem de sucesso. E nem vamos vestir a carapuça a respeito disso. Rosas e Vinho Tinto é um disco feito para o nosso fã de sempre, não para quem comprou o último CD só por causa do selinho da MTV na capa." Dinho fala que o grupo está plenamente preparado para o que der e vier. Mesmo que venha um fracasso. "Vivemos um momento único e já não nos vemos embevecidos pelo sucesso. Tudo isso é muito efêmero e sabemos disso, diferente do que ocorreu nos anos 80. Amanhã tudo pode acabar, já aconteceu isso antes. Entendemos como as coisas funcionam, depois de dar muita cabeçada em nossa carreira. É preciso aproveitar o momento".