Carandiru vira celeiro musical de São Paulo

O maior presídio do país, que serviu de inspiração aos Racionais e revelou grupos como 509-E e Detentos do Rap, revela mais duas bandas

Tom Cardoso
21/12/2000
A sombria rotina da Casa de Detenção, o maior presídio de São Paulo e do país, se alterou na tarde de hoje. Porém, apenas para os presos e integrantes dos grupos Comunidade Carcerária e Bola Mais Um, que deixaram os seus pavilhões para conceder uma entrevista coletiva à imprensa. Ir ao Carandiru nunca é uma experiência das mais agradáveis. São mais de sete mil presos confinados, separados por várias grades de proteção, que o grupo de jornalistas foi passando (os homens não se livraram da revista dos funcionários) até entrar num apertado refeitório, local escolhido para a entrevista.

A primeira banda a conversar com a imprensa foi o Comunidade Carcerária, trio de rap formado por Kric, FW e WO, este último o único atualmente em liberdade, mas que nos últimos meses tem passado mais tempo no presídio do que em casa. "Ele saiu da cadeia e, como muitos, não arrumou emprego. Decidiu voltar para cá e ensaiar com a gente", diz Kric, o líder do grupo e que já passou mais da metade de sua vida (tem 40 anos) nas cadeias de São Paulo e há 5 anos está preso no Carandiru.

Kric e FW dividem uma cela, com mais alguns presos, no pavilhão 8, o fundão do presídio onde só ficam os reincidentes no crime – réus primários e inexperientes são raros no local. Para deixar o tempo passar (Mano Brown já dizia em Diário do Detento que "o relógio na cadeia anda em câmera lenta") o trio começou a levar a sério os ensaios até despertar a atenção da gravadora Atração Fonográfica e dos produtores DJ Luciano e GM Duda. O resultado é mais um e bom disco de rap feito no Brasil, que leva o nome da banda.

Os shows fora do presídio ainda são escassos, pois envolvem a burocracia dos sistema judicial e a boa vontade da direção da cadeia. "Pelo menos sabemos que quando sairmos daqui vamos ter pelo menos um emprego, uma garantia de sobrevivência", diz Kric. Essa esperança fez com que FW não decidisse sair por um túnel escavado semana passado pelos presos do Pavilhão 8 até uma rua fora do presídio, que resultou na fuga de outros detentos. "Na hora vi que não valeria pena. Agora tenho um futuro garantido".

Sambistas de sorte
Os grupos de rap são maioria no Carandiru – além do Comunidade Carcerária, outras bandas, como Detentos do Rap e 509-E lançaram os seus discos. Mas os sambistas também fazem o seu barulho. O Bola Mais Um deu sorte. Contou com a ajuda de um funcionário do presídio, que virou fã da banda e convenceu a Atração Fonográfica a dar uma chance aos rapazes. Até então, o grupo do pavilhão 7 tinha passado por várias formações (foram mais de 40 componentes) e chamado pouco a atenção dos presos, mais ligados nas letras engajadas dos grupos de rap.

Todos os sete integrantes do Bola Mais Um são unânimes em apontar Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal como as duas principais referências musicais do disco Renascer. No caso deles, sair para fazer um show é ainda mais difícil. Por lei, cada integrante deve ser acompanhado de dois policiais, o que resultaria numa comitiva de 21 pessoas, inviável para os atuais padrões do presídio. "Não faz mal. O que importa é que nos nascemos de novo", diz Zé Nego, fundador do conjunto.

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