Carlinhos Brown e sua globalização regional
Músico lança seu terceiro disco solo, Bahia do Mundo - Mito e Verdade, e aproveita para falar de miscigenação, axé music, Herbert Vianna, garrafinhas d'água, gravadora... e Kiko Zambianchi
Silvio Essinger
08/02/2001
Um dos músicos brasileiros de maior prestígio no exterior, Carlinhos Brown acaba de lançar seu terceiro álbum solo, Bahia do Mundo - Mito e Verdade (EMI - leia crítica). Nesse disco, que sai simultaneamente na Europa pela Virgin, ele reafirma suas idéias sobre as vantagens que a miscigenação trouxe para o nosso país, principalmente no campo que lhe é mais caro como compositor: o da música, que, segundo ele, é a mais querida e mais utilizada no mundo. "O Brasil é um remake dele mesmo e do mundo e por isso ele pode absorver o que quer com identidade muito própria", teorizou Brown, no meio do longo e nem sempre muito linear discurso em que se transformou sua entrevista coletiva de lançamento do CD, ontem à tarde, no Rio de Janeiro.
"A miscigenação mata a raça e faz surgir a verdadeira raça. O futuro do mundo será negro ou branco? Ninguém sabe", disse o baiano, aproveitando para defender opiniões polêmicas sobre as invenções musicais brasileiras. "Há quanto tempo eu falo: 'Gente, o drum'n'bass e house só surgiram por causa da escola de samba, o trance só surgiu por causa do carnaval brasileiro.' E até o próprio funk! Paulinho da Costa é o maior responsável pela mudança rítmica americana, ali com Miles Davis, com Madonna, com Michael Jackson... Aquilo tem um outro pulsar. O americano com aquele marketing começou a dizer que tudo era dele." No fim das contas, Brown voltou um pouco ao chão: "Não estou dizendo que somos os melhores. Somos os mais experimentais, por esse motivo temos mais resultados".
Bahia do Mundo é o primeiro disco solo de Carlinhos Brown que ele mesmo produziu. As gravações foram feitas em seu próprio estúdio, na comunidade do Candeal, em Salvador. "Espero que isso vire modelo, que um dia tenha um estúdio na Rocinha e outro na Cohab. A gente sabe que tem mais compositores na favela que nos playgrounds. Digo isso sem querer desrespeitar classe social alguma. Sinto muito, mas é uma realidade, porque quem mora na favela são pessoas que terminam vivenciando música até como uma oportunidade de disfarçar seus problemas", disse. Um dos maiores benfeitores do Candeal, responsável pela criação de uma escola de música e por todo um trabalho social, Brown defende a educação e a profissionalização como formas de superar a realidade adversa do lugar.
Junto com seu disco solo, o músico editou um Manifesto do Timbalismo e lançou mais um CD do seu grupo, a Timbalada: Timbalismo (Som Livre/Bahia Discos), que traz, entre outras músicas, uma versão de Touche Pas a Mon Pote, de Gilberto Gil. Filho de uma Bahia "que renasce a cada momento", Brown diz que Bahia do Mundo é uma expressão musical da idéia de que "a regionalização é a real internacionalização". "O movimento está vivo. E dar nome aos bois, mesmo trazendo o conceito de timbalismo, é algo difícil, porque limita o pensamento. Talvez a gente queira é se esclarecer". Abaixo, alguns dos melhores trechos da entrevista:
Sobre a faixa em inglês de Bahia do Mundo, Mess In The Freeway:
"Eu não faço letra em inglês, faço em broken english. Em inglês fez meu colonizador - agora minha resposta para ele é broken. Eu faço a contracultura."
Sobre a questão do tempo e do reconhecimento:
"Todo mundo tem uma pressa de bons acontecimentos, de que tudo dê certo muito rápido. Mas para dar certo precisa de maturação. Notre Dame levou séculos para ser construída!O tempo é o senhor de tudo, só ele pode realmente identificar as coisas. Assim, espero eternamente estar em maturação, porque aí posso me conservar como obra."
Sobre as relações com a gravadora
"A EMI me vê como artista de obra. Mas isso é a visão da EMI. A minha visão é de que todo artista polêmico é o que mais vai vender quando morre. Parece que, quando isso acontece, todo mundo presta atenção no artista, porque ele não vai mais fazer maluquice. O Brasil tem essa afetividade pelo candomblé de Babá, que é o culto aos mortos".
Sobre a axé music
"Axé music é um título do qual nunca gostei - prefiro chamar de timbalismo. Talvez o que mais prejudicou o que se chama de axé foi a massificação e essa ansiedade de ser rico, de fazer sucesso. Isso não foi bacana para a gente. Agora a coisa de fazer carnaval é positiva, é alegre. Porque quem vai para o carnaval não pensa muito (...) Acho que daqui a uns anos todo mundo vai começar a estudar o Tchan como o maior exemplo de rebeldia da música popular brasileira. Carla Perez, que foi inspirada por Gretchen e Enoli Lara, deu ao Brasil a oportunidade de ser não pervertido, e sim sexualizado. Ela surgiu como uma sexóloga diferente, sem um discurso."
Sobre ter enfrentado o público hostil no Rock in Rio:
"Desde os anos 70 o artista brasileiro não tem demonstrado a sua postura. Todo mundo tem medo hoje de chegar num programa de televisão e dar uma gafe, porque vai sair no jornal, porque vão comentar. Todo mundo tem medo de reagir a qualquer coisa. Vários artistas brasileiros tomaram garrafinha e não reagiram."
Sobre os anos 80
"Acho que os anos 80 não são esse erro, não foram anos sem criatividade. Olhe na obra de Cazuza, de Herbert Vianna, olhe o que Kiko Zambianchi compôs - sou louco para fazer uma música com ele! E isso sem falar que acho Paula Toller a nossa Madonna. Depois de Rita Lee, ela foi uma grande presença de voz e de som. Às vezes as pessoas acham que as músicas românticas não protestam, não dizem nada. Amor I Love You [parceria de Brown e Marisa Monte] e os Racionais MCs têm o mesmo discurso, só com as palavras diferentes."
Sobre Herbert Vianna (com quem compôs a música Uma Brasileira):
"O ser humano é vítima de si mesmo. Em busca da aventura, do conforto, do prazer, às vezes você termina se arriscando. E é difícil ver uma pessoa do nosso âmbito, que tem filhos, numa situação dessa. Acredito que ele vai sair dessa, sim, e estamos aqui aguardando ele para fazer novas músicas."
Sobre ter cantado João e Maria com o sogro, Chico Buarque, em Salvador:
"Canto músicas de Chico muito antes de ele ser avô dos meus filhos. João e Maria, eu cantava no show do disco Omelete Man e ele nunca tinha visto. Se vamos compor juntos? Talvez um dia. É como eu sempre digo: meus filhos com a filha dele, Chico e Clara, são nossa grande composição, a grande oportunidade de miscigenação brasileira."
"A miscigenação mata a raça e faz surgir a verdadeira raça. O futuro do mundo será negro ou branco? Ninguém sabe", disse o baiano, aproveitando para defender opiniões polêmicas sobre as invenções musicais brasileiras. "Há quanto tempo eu falo: 'Gente, o drum'n'bass e house só surgiram por causa da escola de samba, o trance só surgiu por causa do carnaval brasileiro.' E até o próprio funk! Paulinho da Costa é o maior responsável pela mudança rítmica americana, ali com Miles Davis, com Madonna, com Michael Jackson... Aquilo tem um outro pulsar. O americano com aquele marketing começou a dizer que tudo era dele." No fim das contas, Brown voltou um pouco ao chão: "Não estou dizendo que somos os melhores. Somos os mais experimentais, por esse motivo temos mais resultados".
Bahia do Mundo é o primeiro disco solo de Carlinhos Brown que ele mesmo produziu. As gravações foram feitas em seu próprio estúdio, na comunidade do Candeal, em Salvador. "Espero que isso vire modelo, que um dia tenha um estúdio na Rocinha e outro na Cohab. A gente sabe que tem mais compositores na favela que nos playgrounds. Digo isso sem querer desrespeitar classe social alguma. Sinto muito, mas é uma realidade, porque quem mora na favela são pessoas que terminam vivenciando música até como uma oportunidade de disfarçar seus problemas", disse. Um dos maiores benfeitores do Candeal, responsável pela criação de uma escola de música e por todo um trabalho social, Brown defende a educação e a profissionalização como formas de superar a realidade adversa do lugar.
Junto com seu disco solo, o músico editou um Manifesto do Timbalismo e lançou mais um CD do seu grupo, a Timbalada: Timbalismo (Som Livre/Bahia Discos), que traz, entre outras músicas, uma versão de Touche Pas a Mon Pote, de Gilberto Gil. Filho de uma Bahia "que renasce a cada momento", Brown diz que Bahia do Mundo é uma expressão musical da idéia de que "a regionalização é a real internacionalização". "O movimento está vivo. E dar nome aos bois, mesmo trazendo o conceito de timbalismo, é algo difícil, porque limita o pensamento. Talvez a gente queira é se esclarecer". Abaixo, alguns dos melhores trechos da entrevista:
Sobre a faixa em inglês de Bahia do Mundo, Mess In The Freeway:
"Eu não faço letra em inglês, faço em broken english. Em inglês fez meu colonizador - agora minha resposta para ele é broken. Eu faço a contracultura."
Sobre a questão do tempo e do reconhecimento:
"Todo mundo tem uma pressa de bons acontecimentos, de que tudo dê certo muito rápido. Mas para dar certo precisa de maturação. Notre Dame levou séculos para ser construída!O tempo é o senhor de tudo, só ele pode realmente identificar as coisas. Assim, espero eternamente estar em maturação, porque aí posso me conservar como obra."
Sobre as relações com a gravadora
"A EMI me vê como artista de obra. Mas isso é a visão da EMI. A minha visão é de que todo artista polêmico é o que mais vai vender quando morre. Parece que, quando isso acontece, todo mundo presta atenção no artista, porque ele não vai mais fazer maluquice. O Brasil tem essa afetividade pelo candomblé de Babá, que é o culto aos mortos".
Sobre a axé music
"Axé music é um título do qual nunca gostei - prefiro chamar de timbalismo. Talvez o que mais prejudicou o que se chama de axé foi a massificação e essa ansiedade de ser rico, de fazer sucesso. Isso não foi bacana para a gente. Agora a coisa de fazer carnaval é positiva, é alegre. Porque quem vai para o carnaval não pensa muito (...) Acho que daqui a uns anos todo mundo vai começar a estudar o Tchan como o maior exemplo de rebeldia da música popular brasileira. Carla Perez, que foi inspirada por Gretchen e Enoli Lara, deu ao Brasil a oportunidade de ser não pervertido, e sim sexualizado. Ela surgiu como uma sexóloga diferente, sem um discurso."
Sobre ter enfrentado o público hostil no Rock in Rio:
"Desde os anos 70 o artista brasileiro não tem demonstrado a sua postura. Todo mundo tem medo hoje de chegar num programa de televisão e dar uma gafe, porque vai sair no jornal, porque vão comentar. Todo mundo tem medo de reagir a qualquer coisa. Vários artistas brasileiros tomaram garrafinha e não reagiram."
Sobre os anos 80
"Acho que os anos 80 não são esse erro, não foram anos sem criatividade. Olhe na obra de Cazuza, de Herbert Vianna, olhe o que Kiko Zambianchi compôs - sou louco para fazer uma música com ele! E isso sem falar que acho Paula Toller a nossa Madonna. Depois de Rita Lee, ela foi uma grande presença de voz e de som. Às vezes as pessoas acham que as músicas românticas não protestam, não dizem nada. Amor I Love You [parceria de Brown e Marisa Monte] e os Racionais MCs têm o mesmo discurso, só com as palavras diferentes."
Sobre Herbert Vianna (com quem compôs a música Uma Brasileira):
"O ser humano é vítima de si mesmo. Em busca da aventura, do conforto, do prazer, às vezes você termina se arriscando. E é difícil ver uma pessoa do nosso âmbito, que tem filhos, numa situação dessa. Acredito que ele vai sair dessa, sim, e estamos aqui aguardando ele para fazer novas músicas."
Sobre ter cantado João e Maria com o sogro, Chico Buarque, em Salvador:
"Canto músicas de Chico muito antes de ele ser avô dos meus filhos. João e Maria, eu cantava no show do disco Omelete Man e ele nunca tinha visto. Se vamos compor juntos? Talvez um dia. É como eu sempre digo: meus filhos com a filha dele, Chico e Clara, são nossa grande composição, a grande oportunidade de miscigenação brasileira."