Carlos Lopes: do metal ao funk

Pioneiro do heavy deixa o estilo e lança o grupo Usina Le Blond

Marcus Marçal
11/06/2001
Quem diria? Carlos Lopes, um dos primeiros nomes a surgir no cenário do metal carioca, hoje não quer mais saber da cena que ajudou a criar e pela qual lutou por tantos anos. Isso porque após duas décadas batalhando, o ex-líder da Dorsal Atlântica encara um novo direcionamento musical com seu novo projeto: Usina Le Blond. No repertório, rock funkeados, um pouco de baião e até um sambinha para o ódio do mais incauto headbanger de plantão - referências muito distantes do ideário heavy, diga-se. Isso tudo pode ser conferido no álbum de estréia do grupo, Usina 415 ouvir 30s , à venda apenas no site oficial (www.usina-le-blond.hpg.com.br).

Hekamiah e Usina Le Blond é um projeto solo. Para não criar uma "Carlos Lopes Soul Band", ele preferiu fazer uma brincadeira com Tim Maia e banda Vitória Régia - uma referência estética e ideológica nos novos rumos de sua carreira. Sintomaticamente, Hekamiah é o nome do anjo do dia em que ele nasceu e representa uma entidade que dá força e discernimento aos líderes, direcionando as pessoas àquilo que elas têm de fazer, dando força física e espiritual para que as pessoas atinjam seus objetivos.

"Chegou um ponto em que quis contestar o próprio movimento do metal, uma coisa que ajudei a construir e que se tornou uma piada. Então achei interessante mostrar a própria falta de necessidade de sua existência do jeito que se apresenta atualmente. Desde meus primeiros contatos com o rock, me liguei na idéia de que o gênero é contestatório por natureza e só tem razão de existir se ele se confronta com alguma coisa. A outra pessoa que talvez pudesse fazer uma coisa dessas seria o João Gordo, mas ele não tem necessidade, nem coragem para isso porque já garantiu seu salário", alfineta Carlos - ou Hekamiah - sobre sua suposta desistência do metal.

Na época do lançamento de Guerrilha, biografia da Dorsal Atlântica, e do álbum ao vivo de seu antigo grupo, Carlos já dava algumas pistas de que mudanças ocorreriam, mas ninguém podia imaginar que ela seria tão radical. Ele então pediu um tempo para a banda logo após a apresentação da Dorsal na última edição do Festival Monsters of Rock. Foi durante esse período surgiu a idéia de esculhambar com a própria imagem cristalizada com o passar dos anos.

Carlos se considera romântico com relação à música e, em sua concepção, banda só existe como uma família. E rolou um momento, logo depois da gravação do Straight (último álbum de estúdio da Dorsal) em que se sentiu sozinho. Os integrantes minavam a própria banda e isso era uma coisa que nunca imaginou que pudesse ser real. "Isso me deu um desgosto porque as pessoas não faziam o que tinham de fazer. Todo mundo tem problemas financeiros e rolava um pacto de não tocarmos nesse assunto dentro da banda. E a galera começou a reclamar, mas ninguém tinha coragem de sair, era uma coisa doentia."

Nessa época, Carlos Lopes começou a rever seus conceitos sobre o que é ter uma banda de rock. Não queria acabar com a Dorsal, mas nesse meio tempo pegou umas músicas que compôs há alguns anos, juntou alguns músicos e cismou de gravar. Economizou uma grana e em vez de gravar um disco novo de estúdio de seu grupo de metal, resolveu montar a Usina. "Queria dar forma física às músicas e como era uma mistura, eu tive uma sensação que não sentia há muitos anos com o Dorsal. Percebi que poderia tocar o que eu quisesse e sem pressão alguma. E é claro que foi muito difícil fazer isso, rolou o maior chororô quando resolvi gravar o Usina", diz, remontando os sentimentos contraditórios que encarou ao peitar a nova empreitada.

O trabalho ainda não chegou ao patamar que poderíamos esperar de Lopes, muito em parte pela produção corrida e do pouco cacoete soul de alguns músicos que o acompanhavam. Isso mesmo, acompanhavam, já que Carlos promete um novo line-up nas próximas apresentações, no melhor estilo power trio. Outra característica é a leveza nos temas escritos por Lopes, a anos-luz do ódio desenfreado ou questionamentos filosóficos com o qual caracterizou alguns de seus textos na Dorsal. Vale ressaltar que ele sempre se preocupou em abordar assuntos sérios em suas letras, numa tentativa de elevar o nível mental do metaleiro comum a alguma coisa de útil.

Isso quer dizer que os tempos do Carlos Vândalo (nome que usava no início de carreira) não possuem qualquer conexão com o Carlos Lopes de agora. "Esse é o x da questão. Quando montei a Dorsal Atlântica eu era uma pessoa muito angustiada e tinha muita raiva contra tudo, contra a hipocrisia da sociedade, igreja... E depois comecei a trabalhar esses sentimentos com o aprendizado espiritual, esotérico e dessa forma a raiva sumiu. Eu tinha raiva no meu coração e hoje eu só fico indignado, o que eu posso fazer? E me toquei que para fazer música agressiva, eu precisava sentir ódio - e isso não acontece mais. Não tinha mais raiva e isso aconteceu ao mesmo tempo em que tive um desgosto com a banda - então perdi um ingrediente fundamental", revela.

De acordo com Lopes, a diferença entre a Usina e a Dorsal é apenas musical, já que os motivos que o levaram a montar a banda foram os mesmos que o induziram a formar seu antigo grupo: a vontade que tinha de se expressar. "Particularmente, acho que não faz diferença se hoje me expresso de uma forma diferente. Não há mais nada a se falar sobre isso, então munido de um sentimento de liberdade, rolou essa de eu querer tocar funk, baião, samba, bossa nova, soul music, psicodelia... É claro que eu não toco só funk, essa história é uma jogada de imprensa só pra chamar atenção - até porque também não quero ficar preso nessa camisa de força. Não me interessa fazer parte de agremiação nenhum, só me interessa tocar numa banda de rock da forma que eu quiser tocar", fala.

Atualmente, Carlos prefere não falar do futuro de sua banda mais festejada. "Voltar a tocar com o Dorsal hoje é impossível. Muitas das coisas que gravei nem consigo escutar, mas me lembro como me sentia na época da gravação dos discos - são lembranças muito fortes. E sentencia, com uma certa ironia armarga, ao explicar sua viagem rumo ao visual glitter: "Eu não podia perder essa piada. É maravilhoso você olhar pra cara das pessoas e ver o espanto nos rostos delas. Essa sensação eu não tinha há muitos anos e ela não tem preço. Se o que mais irrita o pessoal é um cara ser viado, então é aí que vou atacar. Se o que mais irrita os headbangers é alguém tocar funk, música de preto, então o lance é por aí", sacaneia.