Cauby Peixoto cai no samba de raiz

Pela primeira vez em 49 anos, o cantor se lança ao desafio de gravar um disco de sambas, ao lado de bambas como Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Martinho da Vila e até Chico Buarque

Rodrigo Faour
06/10/2000
Apesar de já estar quase completando bodas de ouro com a MPB, Cauby Peixoto não resiste a desafios. E quando o produtor João de Aquino o convidou para gravar um CD só de sambas, ele aceitou prontamente. A CliqueMusic teve acesso em primeira mão ao CD Meu Coração É um Pandeiro e pôde conferir o belo desempenho do cantor veterano em sambas clássicos de várias épocas, com as participações de bambas de primeira, como Paulinho da Viola, Martinho e Luiz Carlos da Vila, Nelson Sargento, Dona Ivone Lara, Zeca Pagodinho, Monarco & Velha Guarda da Portela e Chico Buarque. O CD está previsto para chegar às lojas no dia 30 e logo a seguir haverá uma grande festa de lançamento no Canecão (RJ).

O disco foi idealizado pela escritora Dalva Lazaroni, que apresentou o projeto à gravadora Som Livre e convidou João de Aquino para produzir e arranjar o CD. João é um velho admirador do cantor e nem acreditou quando se viu trabalhando a seu lado. "Cauby é um dos maiores cantores populares do mundo. Sempre foi um mito na minha cabeça, daqueles que você acha que vai alcançar e não consegue. Não tinha pretensões de produzi-lo. Era fã mesmo. Admirava como conseguia ser o maior cantor brasileiro com um repertório duvidoso. Digo isso em termos de gravação, porque sua atuação no palco sempre foi vibrante", depõe.

Cauby disse em diversas entrevistas que não era capaz de gravar sambas, que essa não era sua praia – apesar de já ter gravado esporadicamente alguns deles ao longo de sua carreira. Mas, segundo João, ele se descobriu sambista durante as gravações. "Ele me disse que nunca tinha cantado a música do país dele. E foi descobrindo que o samba tem um luxo, que é tão poderoso quanto o jazz". O produtor considera esse um disco definitivo em sua carreira, feito com muito esmero e sem concessões mercadológicas. "Quando gravou, Cauby estava no esplendor, isso apagou até o coração dele. O samba vai ficar muito agradecido", diz ele se referindo às seis pontes de safena que o cantor pôs no coração há cerca de 50 dias – razão pela qual não foi ouvido por nossa reportagem, pois ainda está se recuperando. Seus assessores, porém, asseguram que Cauby estará inteiro até o começo do mês que vem, quando o CD será lançado.

Sambistas dão aval ao disco
João de Aquino conta que os grandes bambas que gravaram com Cauby estavam com medo da responsabilidade dividir o microfone com ele, de encarar o mito. "Depois, todos ficaram surpresos de como ele cantou com sotaque e balanço de sambista", elogia. João não está blefando. Os sambistas que já ouviram o CD inteiro dão o aval. Nelson Sargento é um deles. O mangueirense costumava freqüentar os auditórios da Rádio Nacional para ver o cantor e nunca pensou que um dia seu ídolo gravaria um samba seu, no caso, Agoniza Mas Não Morre.

"Acho que esse é um disco que ele precisava fazer. Não admito que um intérprete brasileiro não saiba cantar samba. O cara pode até fugir dele porque samba não dá dinheiro (risos). Mas na carreira do Cauby faltava esse disco. Ele gravou um repertório bem equilibrado com sambas de raiz mesmo. Até o samba do Benito Di Paula, Retalhos de Cetim, é bem raiz, pois tem algo de lamento. Espero que, com as pontes de safena, ele possa gravar mais 40 discos. Isso é muito bom para que outros intérpretes percam também o medo de cantar samba", deseja Sargento.

Luiz Carlos da Vila ficou animadíssimo com a oportunidade de gravar ao lado de Cauby seu samba-enredo Kizomba – A Festa da Raça. "Cantar ao lado do mestre é em verdade uma emoção. Cauby foi a primeira visão de um cantor internacional brasileiro que tive. Fiz questão de levar minha mãe ao estúdio, pois foi ela quem me chamou a atenção para ele quando tinha meus sete, oito anos." Quando João de Aquino sugeriu que eles gravassem Kizomba, Luiz Carlos tentou dissuadi-lo da idéia, achando que o cantor traçaria melhor seus sambas mais românticos, como Além da Razão. "Mas o arranjo do João é fantástico e deu tudo certo. Esse disco vai ser um dos melhores da carreira de Cauby, assim como vai marcar o ano e a história dos discos de samba de todos os tempos. É muito bonito mesmo. Freqüentei os estúdios e sei do que estou falando", frisa.

Elogios de Paulinho e de Dona Ivone
"O homem canta muito", dispara Dona Ivone Lara que é sua fã de carteirinha. Ambos gravaram o samba Acreditar, parceria da sambista com Délcio Carvalho, lançado por Roberto Ribeiro em 1976. "Cauby me disse que desde a primeira vez que ouviu o samba, ele nunca mais lhe saiu da cabeça", conta. Outro monstro sagrado do samba, Paulinho da Viola, é outro que é só elogios para o CD Meu Coração É um Pandeiro. O sambista teve a honra de ser o compositor mais reverenciado no disco. Além da faixa que divide os vocais com Cauby, Onde a Dor Não Tem Razão (parceria com Elton Medeiros), o veterano cantor abre o disco defendendo sozinho a divertida Eu Canto Samba.

"Quando João de Aquino me falou da idéia do disco, eu me surpreendi. Como é que o Cauby vai aceitar fazer um disco de sambas e como isso vai ficar? Imaginei que ele fosse cantar sambas mais românticos, mais canções. Mas na verdade, cantou samba batucada", diz Paulinho, surpreso. Assim como os demais colegas, ficou de saia justa para dividir os vocais com o cantor. "Fiquei feliz com o convite mas pensei: ‘Eu, cantar ao lado do Cauby?’ Por que ele tem a coisa do tempo dele, do domínio da voz e eu me considero compositor e músico, cantar para mim é algo que vem depois. Mas foi legal. O Cauby, assim como Ângela Maria, Orlando Silva e Elizeth Cardoso, tem um tipo de voz que não existe mais. Não só porque outras formas de cantar foram aparecendo, mas pelo dom de ter uma bela voz." O mundo do samba reverencia o professor.

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