Cazuza está vivo

Novo livro da mãe Lucinha Araújo e homenagens em vários pontos do país marcam o aniversário de dez anos da morte do poeta do rock brasileiro

Rodrigo Faour
30/06/2000
Na próxima sexta-feira, dia 7, completam-se dez anos desde que Cazuza se foi – vítima da praga da Aids que levou muitos outros ícones do savoir vivre de nosso planeta. Mas, ao contrário de muitos dos grandes nomes da MPB e do rock, a chama de sua memória continua incrivelmente acesa. Muito em função da dedicação de sua mãe, Lucinha Araújo. "Se depender de mim, ponho fogo mesmo, viro a mãe-incêndio!", provoca. Três anos depois de lançar um livro que comentava sua relação com o filho, Só as Mães São Felizes, ela aproveita a efeméride para lançar outro, que acabou de escrever em parceria com o jornalista Mauro Ferreira. Em O Poeta Está Vivo, ela faz um apanhado das letras do filho, e comenta a relação dele com os parceiros. "Supermãe perde perto dela! A do Ziraldo é pinto perto da minha. Mas amor demais não atrapalha. Um filho rejeitado nunca conserta a cabeça. Um superprotegido tá limpo!", disse Caju certa vez.

As homenagens a Cazuza pipocam. Depois de quadros nos programas de Adriane Galisteu e Gugu, no domingo, dia 2, ele será lembrado no Domingão do Faustão, com a presença de Lucinha e do elenco de Cazas de Cazuza. O musical, por sinal, reestreou este final de semana no Tom Brasil, em São Paulo. Na sexta-feira que vem, nos exatos 10 anos de morte do cantor, o Barão Vermelho (ex-grupo do roqueiro) presta seu tributo em forma de show gratuito no Anhembi (SP), promovido pela Rádio 89FM – o ingresso é um quilo de alimento não perecível, que será entregue à Sociedade Viva Cazuza. No mesmo dia, a MTV exibe um especial sobre o compositor e, em Fortaleza, no Centro Cultural Dragão do Mar, haverá debates sobre a obra de Cazuza e shows com bandas locais. Já o novo livro de Lucinha sai apenas em agosto, apesar de ela garantir que o trabalho já está finalizado.

Livro traz 53 letras inéditas
Em O Poeta Está Vivo – uma referência à canção de Frejat e Dulce Quental em homenagem ao cantor, gravada pelo Barão Vermelho, logo após sua morte – Lucinha promete um monte de surpresas. "Esse livro já estava mais ou menos pronto. Porque eu já fazia meu livro particular do Cazuza desde que ele começou a carreira. Eu anotava tudo que ele fazia, quem gravava as músicas dele... e mandava encadernar em espiral. Depois passei para o computador. Esse livro vai ter as cento e cinqüenta e tantas músicas gravadas, 53 letras inéditas e 19 que foram musicadas mas não foram gravadas. Como eu não tinha competência nem tempo de organizar tudo isso num livro, contratei o Mauro Ferreira. Quem iria fazer isso inicialmente seria a (jornalista) Regina Echeverria (mesma que escreveu o livro anterior), mas ela estava envolvida num programa de TV. O Mauro foi eficaz e em dois meses fez a edição final e o texto", explica a incansável Lucinha.

Além de trazer à tona todas as letras gravadas de Cazuza, o livro conterá também entrevistas com todos os seus parceiros, fotos inéditas de Cazuza com esses mesmos parceiros e uma seção chamada Baú do Caju, com as músicas dele só gravadas por outros intérpretes e as esperadas letras inéditas. Ao final, Lucinha incluiu discografia, premiações e um pouco da história da Sociedade Viva Cazuza, que em outubro completa também dez anos.

A pergunta que não quer calar é a seguinte: por que, afinal, a memória de Cazuza continua tão viva? Lucinha responde enfática. "Cazuza não viveu a troco de nada seus 32 anos. Deixou uma marca na geração dele e nas posteriores. Ora, o Rodrigo Pitta (que escreveu e dirigiu Cazas de Cazuza) tinha 13 anos em 1990, quando ele morreu. Ou seja, quando Cazuza começou com Barão Vermelho o Rodrigo era bebezinho de fralda. Cazuza tem uma obra que não é esquecida porque continua dizendo muito a todo mundo. Ele assinou seu nome no topo da MPB". Segundo Lucinha, Cazuza não era apenas um letrista de rock – ele tinha um "background de MPB". "Ele ouvia muito em casa Caetano, Chico, Gil, e a turma mais antiga, Cartola, Dolores, Lupicínio", diz.

Sociedade Viva Cazuza amplia seu campo de atuação
Como Cazuza morreu de Aids, e acabou tornando-se um símbolo para que o país começasse a tratar mais seriamente a doença, Lucinha criou há dez anos a Sociedade Viva Cazuza, dos quais, oito foram dedicados às crianças portadoras do vírus do HIV. Hoje, porém, a Sociedade ampliou suas fronteiras e presta um serviço pioneiro e renovador aos doentes ou interessados em geral no assunto. Há um ano, o site da Sociedade criou um fórum científico. "Tudo o que acontece nos congressos de Aids do mundo inteiro é imediatamente traduzido e registrado no site, e temos uma seção chamada Pergunte ao Especialista na qual médicos e pacientes fazem suas perguntas para outros médicos, todos os especialistas no assunto", conta Lucinha, que só lamenta o fato de muita gente ainda subestimar a disseminação da doença, especialmente por causa dos avanços na medicina quanto às drogas paliativas.

"Infelizmente, esses avanços muito grandes nos últimos quatro anos da medicina em relação à Aids têm um lado ruim. Hoje em dia, o paciente não tem mais aquela cara e aquela cor diferentes. A juventude que está aí hoje não sabe qual a cara da Aids, que é uma doença ainda sem cura, e que mata", alerta. As campanhas do governo, segundo ela, também são ineficazes. "Tudo depende de uma mudança de comportamento geral, e esse tipo de mudança demora muito. Essas campanhas podem funcionar no Carnaval, mas no dia-a-dia é muito duro. Quem tem que se cuidar é você próprio", ensina.

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