Celso Viáfora cai no samba em novo CD

Compositor grava disco pela Jam Music com participações de Beth Carvalho, Ivan Lins e de percussionistas de favela Paraisópolis (SP)

Rodrigo Faour
03/05/2001
Apesar de estar na estrada há pelo menos 20 anos, Celso Viáfora começou a alcançar certa visibilidade na mídia somente nos últimos cinco. Nesse período, lançou dois CDs - Paixão Candeeira amostras de 30s (1995) e Cara do Brasil amostras de 30s (1999) -, iniciou parceiras com nomes ilustres da MPB, como Ivan Lins e Guinga, além de ter sido gravado por intérpretes de peso como Ney Matogrosso (A Cara do Brasil ouvir 30s, no disco Olhos de Farol) e o próprio Ivan. No momento, o compositor paulistano está no Rio para finalizar a gravação de seu novo CD, que deverá ser lançado entre julho e agosto pela Jam Music e trará 12 músicas, das quais nove são somente de sua autoria: duas foram compostas com Ivan Lins e uma com Vicente Barreto. A novidade é que este será um disco calcado no samba.

Nem mesmo Celso sabe direito porque é que anda compondo tanto nesse gênero. "Esse disco coincidentemente girou em torno do samba, em seus vários estilos: de roda, amaxixado... Aconteceu que, quando fui reunir 16 músicas para tirar as 12 do disco, vi que a maioria delas eram sambas. Talvez seja porque as grandes soluções musicais que ando ouvindo no rádio sejam sambas de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Almir Guineto. Ouço muito rádio no carro. Mas, pensando bem, todas as faixas que se destacaram em meus discos anteriores foram sambas", elocubra. Celso se refere a Luz do Meu Samba e Por um Fio (de Paixão Candeeira) e O Baque do Pilão (de Cara do Brasil). "Sempre tive uma história com o samba que se estreitou agora", sintetiza.

Apesar de residir em São Paulo, Celso sempre foi vidrado no samba carioca. Basta dizer que ele é salgueirense doente a ponto de ir todo ano ao Rio só para ver sua escola desfilar. "Há 25 anos assisto ao carnaval no Rio. Sou salgueirense como sou corintiano", diz. Mas ele só foi se aproximar de fato de sua escola do coração há dois anos quando, ao gravar o clipe do samba Por um Fio, esteve na quadra do Salgueiro e ainda chamou uma porta-bandeira para participar das filmagens. Depois disso, ficou mais a par do dia-a-dia da escola.

Como se não bastasse tudo isso, Celso Viáfora também ficou amigo dos músicos da banda de Beth Carvalho após participar do espetáculo pré-carnavalesco Samba no Tom (no Tom Brasil, em São Paulo), ao lado da sambista, mais o Fundo de Quintal e o falecido João Nogueira em fevereiro de 1999. Mais dois motivos para estar numa fase tão sambista.

Apoio de Beth Carvalho, Ivan Lins e Nana Caymmi
Falando em Beth Carvalho, a sambista gravou um duo com Celso na faixa Chora (de sua autoria). Outro bamba ilustre, Arlindo Cruz, deu canja com seu banjo na faixa Dia Lindo, uma das preferidas do compositor. "Essa tem um arranjo de cordas e sopros do Rildo Hora que está lindo", vibra. Finalmente o parceiro Ivan Lins e o grupo MPB-4 emprestam seus vocais na faixa Diplomação (Celso e Ivan), com uma daquelas letras bem construídas de sua lavra, pelas quais já foi diversas vezes comparado a Chico Buarque: "Se a vida é mesmo diplomação em sofrimento/ Eu quase nunca faço a lição que é para não aprender/ Quando a tristeza vem faço ela adormecer/ Não quero mais, não quero mais sofrer".

Celso não nega que a parceria constante com Ivan Lins o tenha ajudado a ficar mais famoso. "Tenho certeza que isso está sendo muito benéfico para minha carreira até porque o Ivan é uma pessoa muito generosa. Gravou quatro músicas em parceria comigo em seu último CD, A Cor do Pôr do Sol amostras de 30s. Em seu novo show, ele conta a história do nosso samba, Emoldurada, que acabou sendo a faixa mais tocada do disco, e sempre cita meu nome. Num outro momento quando canta Nada Sem Você, comenta novamente sobre nossa parceria. Isso está me dando uma abertura imensa... Desse prestígio enorme que o Ivan tem aqui e no exterior, sempre respinga um pouquinho na gente", diverte-se. Do carnaval do ano passado para cá, eles já compuseram cerca de 30 músicas juntos, das quais uma, Só Pra Ver, será incluída por Nana Caymmi em seu novo disco.

Indignação e otimismo
Um dos traços interessantes de várias canções de Celso é que vira e mexe ele toca em temas sociais, algo meio em desuso atualmente entre os autores mais tradicionais da MPB. Embora o novo disco esteja mais romântico, a vertente é lembrada em faixas como Sonhando no Trilho - "Quem que não quer um sobrado na beira do mar?/ (...) Carro importado, um harém, jato particular/ Eu por enquanto só quero um lugar sentado pra viajar sentado/ O trem está lotado" - e Papai Noel de Camiseta (já gravada por Ivan Lins em seu CD natalino Um Novo Tempo). "Vira e mexe a gente está se indignando no país. Ao mesmo tempo, a gente se comove de tudo aquilo que vem do povo. Quando o poder é podre, o povo surpreende", diz Viáfora.

O compositor está se referindo especificamente a um caso que o comoveu recentemente. Há dois anos, o percussionista Dinho Rodrigues reuniu um grupo de meninos da favela paulista de Paraisópolis e formou uma grande banda de percussão. Hoje já são 200, dez dos quais virão ao Rio especialmente para participar exatamente da faixa Papai Noel de Camiseta em seu disco. "Essa iniciativa deu tão certo na favela que além da música, criaram uma coleta seletiva de lixo por lá, seguida de uma fábrica de adereços para escolas de samba, um posto avançado do Hospital Albert Einstein, o melhor do país, e até um cinema. Com tudo isso, derrubaram a criminalidade dentro da favela. São exemplos como esse que nos fazem acreditar no futuro", explica Viáfora, que teve a idéia de trazer alguns dos garotos - todos na faixa entre oito e 14 anos de idade - para participar das gravações de seu disco, no Rio.

"Gravaríamos essa faixa em São Paulo. Mas consegui um patrocínio para as passagens e achei legal que eles viessem para o Rio, afinal nunca viram o mar na vida e o nosso estúdio fica na Barra da Tijuca, pertinho da praia. Eles virão pela manhã, gravaremos, depois vamos almoçar e fazer um city tour pelo Rio. Vai ser um dia de sonho para os moleques", diz.

Segundo o compositor, essa sua idéia de trazer os meninos para o Rio visa a mostrar que o esforço que estão fazendo em fazer algo produtivo está resultando em algo bom. "Não basta só ver que o crime não compensa mas que o não-crime compensa! (risos). Essa comunidade parece ser o 'Novo possível quilombo de Zumbi' de São Paulo. Um negócio espontâneo. Apesar da indignação com a podridão dos poderes que está aí, tenho uma crença muito grande no país, porque as coisas que emergem do povo dão certo. É um misto de indignação e ao mesmo tempo de otimismo", resume.