Cem anos da dança da solidão
Lenda do samba carioca, Paulo da Portela completaria um século de vida no dia 18
Julio Moura
15/06/2001
"Em Oswaldo Cruz, bem perto de Madureira, todos só falavam Paulo Benjamin de Oliveira". Os versos de Passado de Glória, escritos por Monarco e Chico Santana e imortalizados por Paulinho da Viola, explicitam a importância de Paulo da Portela a várias gerações de sambistas, dentro e fora de Madureira. Nesta segunda-feira (Paulo nasceu em 18 de junho de 1901), celebra-se o centenário de um personagem que já se identificava como da Portela antes de a própria escola existir.
"Conheci o Paulo quando ele já havia se tornado uma figura lendária dentro da escola. Era um sujeito muito educado, mas também extremamente polêmico. Ele queria que o samba fosse uma coisa profissional, não admitia amadorismo. Estive presente ao seu enterro. Madureira parou naquele dia", recorda-se hoje Colombo, 72 anos, um dos mais antigos integrantes da ala de compositores da Portela.
Quando Paulo chegou em Oswaldo Cruz vindo da Saúde, no início da década de 20, junto com a mãe e a irmã (o pai abandonara a família durante a meninice do compositor), o bairro era uma área rural - sem luz elétrica, água encanada ou saneamento básico. Aos 20 anos, o ilustrador de móveis bem-educado que organizava festas, ranchos, rodas de jongo e samba na comunidade começava a se notabilizar também como versador e improvisador.
Segundo as pesquisadoras Marília T. Barboza e Lygia Santos, autoras do livro Paulo da Portela - Traço de União Entre Duas Culturas, foi em 1922 que ele se juntou a Antônio Rufino e Antônio Caetano para fundarem o bloco Baianinhas de Oswaldo Cruz. Por morar próximo à Estrada do Portela, o negro alto, esguio e bonito passou ser chamado de Paulo da Portela. Um ano depois, o bloco se tornaria a escola Vai Como Pode até transformar-se definitivamente na Portela, em 1935.
Mas não foi apenas na escola de samba que levou seu nome que Paulo deixou sua marca. Seus sambas foram sucesso na era dos cantores do rádio, nos anos 30 (com nomes como Mário Reis, Carlos Galhardo e Orlando Silva). Foi contemporâneo de Heitor dos Prazeres, Cartola e Monarco, e com eles ajudou a definir a "cara" do samba carioca. Lutou para dar respeito à figura do compositor.
"Paulo é o mestre maior de todos os portelenses. Sua importância para o samba é incalculável", exulta o sambista e compositor Noca da Portela, que como tantos outros, assume-se como filho musical e espiritual da herança do pioneiro Paulo.
Para Wilson Moreira, a elegância é a principal contribuição de Paulo Benjamim de Oliveira ao mundo do samba: "Me tornei portelense em 1968, levado à escola por Mestre Natal. Assim que chegamos na escola, Natal me ensinou que eu sempre fizesse samba com elegância, como Paulo fazia. Este é seu maior legado", acredita o "Alicate".
"Nenhum outro compositor foi tão ligado a uma escola-de-samba como Paulo e a Portela. Por ironia do destino, brigou com a escola. Foi um baluarte", reforça Walter Alfaiate, outro herdeiro da elegância (pessoal e estilística) de Paulo e também portelense de primeira hora (não tanto quanto o próprio Paulo, claro).
Apesar das referências e homenagens, os sambas de Paulo permanecem pouco lembrados. Cidade Mulher, Pam Pam Pam e Cocorocó são suas músicas mais famosas. Mas hoje em dia, quem conhece a não ser os pesquisadores fanáticos e os portelenses mais do que veteranos? O disco da Velha Guarda da Portela cantando Paulo Benjamim de Oliveira, gravado para o mercado japonês na década de 80 e com lançamento no Brasil prometido ainda para este mês pela Nikita Music, pode ajudar a tirar seus sambas da eterna dança da solidão.
Paulo morreu brigado com sua escola de coração. No carnaval de 1941, voltara de São Paulo na companhia de Cartola e de Heitor dos Prazeres direto para o desfile da Portela. Como estavam todos de roupa preta e branca (a indumentária do show na capital paulista), Cartola e Heitor foram impedidos de sair na escola. Solidário aos amigos, Paulo se recusou a desfilar. "A Mangueira abraçou o inimigo", como provocou Cartola em Sala de Recepção.
Anos depois, de volta a Oswaldo Cruz, Paulo já se sentia disposto a reatar com a escola. Na noite de 30 de janeiro de 1949, deu uma passada no circo para prestigiar seus amigos Zé e Zilda e terminou aclamado por um público que exigia seu retorno imediato à Portela. De madrugada, um infarto o fulminou em casa. Madureira chorou. Enterrado no cemitério do Irajá, sem que seu corpo fosse velado na quadra da escola (a viúva, Elisa, não permitiu, apesar dos apelos de Natal), acabou proporcionando sorte grande aos que fizeram fé na morte do sambista. No dia seguinte, o jornal Correio da Manhã noticiou: "O túmulo de Paulo da Portela tinha o número 2908. Foi a centena de ontem".
"Conheci o Paulo quando ele já havia se tornado uma figura lendária dentro da escola. Era um sujeito muito educado, mas também extremamente polêmico. Ele queria que o samba fosse uma coisa profissional, não admitia amadorismo. Estive presente ao seu enterro. Madureira parou naquele dia", recorda-se hoje Colombo, 72 anos, um dos mais antigos integrantes da ala de compositores da Portela.
Quando Paulo chegou em Oswaldo Cruz vindo da Saúde, no início da década de 20, junto com a mãe e a irmã (o pai abandonara a família durante a meninice do compositor), o bairro era uma área rural - sem luz elétrica, água encanada ou saneamento básico. Aos 20 anos, o ilustrador de móveis bem-educado que organizava festas, ranchos, rodas de jongo e samba na comunidade começava a se notabilizar também como versador e improvisador.
Segundo as pesquisadoras Marília T. Barboza e Lygia Santos, autoras do livro Paulo da Portela - Traço de União Entre Duas Culturas, foi em 1922 que ele se juntou a Antônio Rufino e Antônio Caetano para fundarem o bloco Baianinhas de Oswaldo Cruz. Por morar próximo à Estrada do Portela, o negro alto, esguio e bonito passou ser chamado de Paulo da Portela. Um ano depois, o bloco se tornaria a escola Vai Como Pode até transformar-se definitivamente na Portela, em 1935.
Mas não foi apenas na escola de samba que levou seu nome que Paulo deixou sua marca. Seus sambas foram sucesso na era dos cantores do rádio, nos anos 30 (com nomes como Mário Reis, Carlos Galhardo e Orlando Silva). Foi contemporâneo de Heitor dos Prazeres, Cartola e Monarco, e com eles ajudou a definir a "cara" do samba carioca. Lutou para dar respeito à figura do compositor.
"Paulo é o mestre maior de todos os portelenses. Sua importância para o samba é incalculável", exulta o sambista e compositor Noca da Portela, que como tantos outros, assume-se como filho musical e espiritual da herança do pioneiro Paulo.
Para Wilson Moreira, a elegância é a principal contribuição de Paulo Benjamim de Oliveira ao mundo do samba: "Me tornei portelense em 1968, levado à escola por Mestre Natal. Assim que chegamos na escola, Natal me ensinou que eu sempre fizesse samba com elegância, como Paulo fazia. Este é seu maior legado", acredita o "Alicate".
"Nenhum outro compositor foi tão ligado a uma escola-de-samba como Paulo e a Portela. Por ironia do destino, brigou com a escola. Foi um baluarte", reforça Walter Alfaiate, outro herdeiro da elegância (pessoal e estilística) de Paulo e também portelense de primeira hora (não tanto quanto o próprio Paulo, claro).
Apesar das referências e homenagens, os sambas de Paulo permanecem pouco lembrados. Cidade Mulher, Pam Pam Pam e Cocorocó são suas músicas mais famosas. Mas hoje em dia, quem conhece a não ser os pesquisadores fanáticos e os portelenses mais do que veteranos? O disco da Velha Guarda da Portela cantando Paulo Benjamim de Oliveira, gravado para o mercado japonês na década de 80 e com lançamento no Brasil prometido ainda para este mês pela Nikita Music, pode ajudar a tirar seus sambas da eterna dança da solidão.
Paulo morreu brigado com sua escola de coração. No carnaval de 1941, voltara de São Paulo na companhia de Cartola e de Heitor dos Prazeres direto para o desfile da Portela. Como estavam todos de roupa preta e branca (a indumentária do show na capital paulista), Cartola e Heitor foram impedidos de sair na escola. Solidário aos amigos, Paulo se recusou a desfilar. "A Mangueira abraçou o inimigo", como provocou Cartola em Sala de Recepção.
Anos depois, de volta a Oswaldo Cruz, Paulo já se sentia disposto a reatar com a escola. Na noite de 30 de janeiro de 1949, deu uma passada no circo para prestigiar seus amigos Zé e Zilda e terminou aclamado por um público que exigia seu retorno imediato à Portela. De madrugada, um infarto o fulminou em casa. Madureira chorou. Enterrado no cemitério do Irajá, sem que seu corpo fosse velado na quadra da escola (a viúva, Elisa, não permitiu, apesar dos apelos de Natal), acabou proporcionando sorte grande aos que fizeram fé na morte do sambista. No dia seguinte, o jornal Correio da Manhã noticiou: "O túmulo de Paulo da Portela tinha o número 2908. Foi a centena de ontem".