Charles Gavin resgata as pérolas da Sony

Em sua segunda série de remasterizações, a Columbia Raridades, o baterista dos Titãs traz de volta LPs de Dom Salvador, Hyldon, Baden Powell, Leny Andrade e outros astros do samba soul e da bossa jazz

Silvio Essinger
07/02/2001

O fôlego do titã garimpeiro é inesgotável. Depois dos 14 CDs da Série Dois Momentos, da WEA (que trouxe de volta discos de Secos & Molhados, Tom Zé, Carlos Dafé, Branca Di Neve, Walter Franco, entre outros - leia matéria), o baterista Charles Gavin ataca agora na Sony, com a coleção Columbia Raridades, de edições remasterizadas de 11 discos da antiga gravadora CBS. Eles foram divididos em duas séries. Na de samba soul, entraram álbuns jamais lançados oficialmente em CD, como Som, Sangue e Raça ouvir 30s (Dom Salvador e Abolição), Nossa História de Amor ouvir 30s (Hyldon), Som Nosso ouvir 30s (Som Nosso de Cada Dia), Nesse Inverno ouvir 30s (Tony Bizarro), Trio Ternura ouvir 30s (Trio Ternura) - a exceção foi Moleque de Rua ouvir 30s, da banda Moleque de Rua, que saiu em 1992 já no formato digital, mas há muito estava fora de catálogo. Na de bossa jazz, voltaram ao CD, com melhor qualidade de som e - enfim - reproduções das informações nos encartes dos LPs, Edison Machado é Samba Novo ouvir 30s (Edison Machado), Registro ouvir 30s (Leny Andrade), Solitude On Guitar ouvir 30s (Baden Powell), Barquinho ouvir 30s (Maysa) e João do Vale ouvir 30s (João do Vale, com várias participações de astros da MPB).

Essa coleção, conta Gavin, nasceu um ano atrás, mais ou menos na mesma época em que aprontava o pacote de relançamentos da WEA. "Fui na raça", conta. "Convoquei representantes da Sony e da Universal para um café da manhã, apresentei as coisas que tinha feito para a WEA e disse que aquilo se aplicava também a outras gravadoras. Mostrei alguns CD-Rs (cópias caseiras em CD de discos de vinil), compilações do exterior, coisas que a [gravadora inglesa] Mr. Bongo tinha lançado (CDs com LPs dos Ipanemas e de Waltel Branco) e discos piratas ingleses em vinil de Elis Regina, Joyce e Dom Salvador, que estavam sendo vendidos em Candem Town (feira londrina)."

Com o sinal verde da Sony, o baterista dos Titãs começou o trabalho. Ele passou um bom tempo indo todo dia ao acervo da gravadora, que fica em Acari (periferia do Rio de Janeiro) para ver se as fitas originais dos discos ainda existiam - algumas simplesmente haviam desaparecido, como a do disco solo do pianista Dom Salvador. O segundo passo foi a remasterização, que tinha que ser feita por lá mesmo, no estúdio da gravadora, em horário comercial. "Voltava no ônibus dos funcionários", conta Gavin.

Ainda assim, faltavam capas e informações da parte gráfica - nessa parte, ele teve que contar com a ajuda de Rodrigo Piza, da loja paulistana especializada em raridades de MPB, Phono 70. Ao contrário do que fez na Série Dois Momentos, o músico não teve condições de entrar em contato com os artistas para avisá-los dos relançamentos e checar dados. "Isso tem que ser feito sempre", desculpa-se.

Disco injustiçado
A maior alegria de Gavin nessa coleção foi ter trazido de volta o LP de Dom Salvador e a banda Abolição, que ele só foi conhecer em edição pirata inglesa em vinil. "Não acreditei naquilo! Era um som que já estava sendo feito antes da Banda Black Rio!", exulta. Na encolha, o baterista aproveitou e pôs também na coleção um LP que ele mesmo produziu, o do Moleque de Rua - grupo de garotos da periferia paulistana que misturavam percussão em latas com instrumentos de rock. Era um disco que Gavin considera injustiçado. "Ele ia ser até lançado no Japão, mas houve uma troca de diretoria na gravadora e não rolou. Os caras do Moleque vieram de samba e batucada, achei que o disco cabia na série", justifica-se.

Do sucesso comercial dessa primeira leva de 11 CDs (que chegou às lojas sem muito alarde em dezembro), depende o lançamento da segunda leva da Columbia Raridades, com 14 CDs, repleta de pérolas como os LPs dos Diagonais (primeira banda de Cassiano), Waltel Branco, Os Ipanemas, O Som Psicodélico de Luiz Carlos Vinhas, Os Cariocas, Germano Mathias, entre outros. Da Universal Music, Charles Gavin tem a promessa do relançamento, depois do carnaval, dos dois LPs de Gerson King Combo, dos três primeiros de Jorge Ben mais o África Brasil, do Cuban Soul de Cassiano, do Eu Quero Botar Meu Bloco na Rua de Sérgio Sampaio, dos dois LPs da rainha disco brasileira Lady Zu, de um da União Black, entre outros. "As capas e as fitas master estão prontas", avisa ele.

Aos poucos, a iniciativa de Gavin começa a motivar as gravadoras: recentemente, viu-se o nascimento de mais séries de "dois discos em um CD", as da BMG (leia matéria) e da Eldorado (leia matéria). "Até dois anos atrás, ninguém queria saber disso. Hoje é um fenômeno mundial", diz. "Um disco citado por um artista cai no interesse geral, como foram os de Burt Bacharach depois que o Oasis pôs a foto dele na capa de um disco. E a música dá muitas voltas. O que antes não chamava a atenção hoje está chamando. Veja o caso dos artistas da Trama, que são influenciados pelos anos 70."

Gavin garante que seu trabalho com as reedições não é uma nova forma que encontrou para ganhar dinheiro. "Só boto os discos de que sou fã. Ganhar a vida eu ganho com a minha banda", jura, apesar de que o Dois Momentos dos Secos & Molhados bateu a respeitável marca de 50 mil discos vendidos. "As gravadoras ignoram que as pessoas têm curiosidade. Se vendermos três mil cópias cada de uns 10 títulos, temos 30 mil discos vendidos. O custo para produzi-los é quase nada - é só remasterizar a fita e refazer as imagens", conta.

Agradecimento
Gavin abre o coração: o que o move em seu trabalho de garimpeiro musical é a preocupação com a educação musical da garotada. "Quando estava procurando discos na Benedito Calixto (rua em São Paulo), dois garotos vieram agradecer por ter relançado os discos do Tom Zé, dos quais eles ouviam todo mundo falar bem mas não podiam ouvir. Só por isso já valeu todo o esforço."

Pedidos de novos títulos da Dois Momentos, o baterista tem ouvido vários: Dona Ivone Lara, Os Mulheres Negras, Almôndegas, Gueto, Raul Seixas, Candeia, Moto Perpétuo, entre outros. "Até o Que Fim Levou Robin (banda de dance music paulistana do fim dos anos 80) me pedem!". Recentemente, ele coordenou na WEA a edição da coletânea Geração Anos 80 ouvir 30s (com músicas em compacto de bandas do começo dos anos 80, como Magazine, Lulu Santos, Kid Abelha, Brylho, Titãs, Ira!, Ultraje a Rigor, Agentss e Azul 29) e a reedição dos dois primeiros álbuns do Ira!, Mudança de Comportamento (85) e Vivendo e Não Aprendendo (86), além do disco solo do guitarrista Edgard Scandurra, Amigos Invisíveis (89).

Hoje, Charles Gavin sonha em levar para a Abril Music (nova gravadora dos Titãs) o catálogo do selo Som da Gente, especializado em música instrumental, que lançou ao longo dos anos 80 discos de Hermeto Pascoal, Banda Metalurgia, Cama de Gato e o Medusa, grupo do ele qual era grande fã. O paraíso mesmo seria poder vasculhar os arquivos da Som Livre, que hoje detém os direitos sobre os catálogos da RGE, Som Maior e Fermata. "Tem uma arca de Noé ali dentro!"