Chico Buarque reconstruído em caixa

Os primeiros 19 anos de carreira do compositor são revistos na mega-caixa Construção, que inclui 22 álbuns

Marco Antonio Barbosa
16/11/2001
Vinte e dois CDs, 19 anos de carreira, e uma obra que ajudou a definir na cabeça de muita gente o que hoje se conhece por MPB. Chico Buarque tem as primeiras duas décadas de sua carreira como cantor e compositor compiladas na mega-caixa Construção (Universal) - que reúne os álbuns gravados entre 1966 e 1985. Trata-se de uma obra monumental no bom e no mau sentidos. O bom é poder apreciar, toda de uma vez só, a ascenção de um dos mais raros e consagrados talentos da história de nossa música popular, um nome tão incontestável que dispensa adjetivos e categorizações fáceis. Não tão bom é o probitivo preço sugerido pela gravadora (R$ 400), que restringe o consumo do "tesouro" aos mais abonados.

Estes mais abastados, porém, vão poder deleitar-se com um dos mais importantes lançamentos fonográficos de 2001. Chico Buarque de Hollanda esteve presente na gênese da moderna música popular brasileira e ao longo dos anos veio consolidando-se como um de seus mais inventivos autores. Gerado (esteticamente) no berço esplêndido da bossa nova, Chico negou a iconoclastia do movimento e abraçou a tradição ancestral da canção nativa - trafegando pelo samba, chorinho, marcha, valsa. Ao reinterpretar essa tradição e juntá-la a um talento poético fanaticamente requintado, Chico consagrou-se como o maior poeta da MPB e também como um melodista fora de série, detentor de um sem-número de clássicos em sua obra. Percorrendo em suas letras do universo feminino ao protesto político nem sempre sutil, o compositor fez de suas canções um retrato complexo e acurado do Brasil que enxergou ao longo dos anos. Construção, a caixa, repensa a trajetória de Chico concentrando-se nos anos mais importantes de sua produção. A Universal incluiu no pacotaço os 18 álbuns que o cantor gravou para a Phillips (depois Polygram, enfim abarcada pela Universal), mais seus cruciais três primeiros discos, lançados pela RGE. Foram postos na caixa também os discos ao vivo e as trilhas sonoras compostas por Chico - ou seja, todo o material dito "oficial" (que não é a totalidade da produção do compositor no período). Acompanha o conjunto um CD-bônus com 20 canções (ditas) raras.

Os três álbuns da RGE (Chico Buarque de Hollanda, volumes 1 a 3, respectivamente de 1966, 67 e 68) trazem a primeira penca de clássicos e um cantor que equlibrava sua fragilidade vocal com a fineza do compositor. Canções definitivas como A Banda, Pedro Pedreiro, A Rita, Olê, Olá, Sonho de um Carnaval, Quem Te Viu, Quem Te Vê, Noite dos Mascarados, A Televisão, Morena dos Olhos d'Água, Roda Viva, Carolina e Ela Desatinou são deste período. Em seguida, começam as pendengas com o regime militar e o compositor parte para o exílilo na Itália. Na volta, em 1970, lança seu Nº 4 (com Essa Moça Tá Diferente e Rosa dos Ventos), mais agudo politicamente, que seria o precursor de Construção (71) - um de seus trabalhos mais incensados e ricos musicalmente.

Anos 70 afora, acompanha-se a batalha de Chico contra a censura, ele que foi um dos compositores mais visados pelo regime. Ora manifestando-se em cifras, ora mascarando a crítica política em crônica do cotidiano, ou então lançando discos de anti-protesto (como Sinal Fechado, de 1974, só com canções alheias - já que as suas estavam sendo censuradas). Célebres são as intervenções governamentais em músicas como Bárbara (de Caetano e Chico Juntos e ao Vivo , disco editado na base da tesoura em 1972), ou o retalhamento da peça/LP Calabar (73, do qual nem a capa original foi poupada). No ocaso da repressão, Chico seguia amadurecendo artisticamente, com belos discos como Meus Caros Amigos (76, com Mulheres de Atenas, Vai Trabalhar, Vagabundo e Meu Caro Amigo), Chico Buarque (78, com Cálice, Tanto Mar, Apesar de Você) e Almanaque (de 1981, com As Vitrines, Tanto Amar e O Meu Guri).

As várias trilhas sonoras compostas por Chico são um capítulo a parte. Quando o Carnaval Chegar (72), as duas versões para a história dos irmãos Grimm Os Saltimbancos (de 77 e 81) e a Ópera do Malandro (79, apinhado de estrelas como Gal Costa, Nara Leão e João Nogueira) são as melhores. Ainda há algumas curiosidades na caixa, a maior delas o disco-bônus. Basicamente, é um disco de duetos, reunindo a voz de Chico com amigos como Milton Nascimento, Fagner, Nara, Djavan, Elis Regina e o cubano Pablo Milanés.

Para completar a obra de Chico, faltam à caixa os sete CDs gravados a partir de 1989 (e lançados pela BMG). E também um punhado de discos pertencentes ao período coberto pela coletânea, mas que ficaram em um limbo. Caso das trilhas sonoras dos musicais O Grande Circo Místico (83), O Corsário do Rei (85) e A Dança da Meia-Lua (88), todos em parceria com Edu Lobo e lançados pela Som Livre. Os dois álbuns gravados na Itália (Chico Buarque de Hollanda na Itália, RGE, 69 e Per un Pugno di Samba, BMG, 70, este último com o compositor Ennio Morricone) ficaram também de fora, assim como a bela trilha sonora da peça Morte e Vida Severina (este da própria Phillips, ou seja, Universal, de 1966). Mas aí seria mais um peso sobre os já gordos R$ 400 do preço do lançamento. A Universal garante que relançará ano que vem todos os 22 títulos da caixa separadamente. Entretanto, a gravadora prometeu o mesmo quanto à caixa de Vinicius de Morais (27 CDs, R$ 530), e até agora nada.

O que há na caixa
Segue a lista dos discos oficiais de Chico Buarque incluídos na caixa Construção (clique aqui para ouvir trechos dos discos em nosso arquivo):

Chico Buarque de Hollanda (66)
Chico Buarque de Hollanda Volume 2 (67)
Chico Buarque de Hollanda Volume 3 (68)
Chico Buarque de Hollanda Nº 4 (70)
Construção (71)
Quando o Carnaval Chegar (com Nara Leão e Maria Bethânia, 72)
Caetano e Chico Juntos e ao Vivo (com Caetano Veloso, 72)
Calabar (trilha do musical, 73)
Sinal Fechado (74)
Chico Buarque & Maria Bethânia ao Vivo (com Maria Bethânia, 75)
Meus Caros Amigos (76)
Os Saltimbancos (trilha do musical, 77)
Chico Buarque (78)
Ópera do Malandro (trilha do musical, 79)
Chico Buarque (80)
Almanaque (81)
Os Saltimbancos Trapalhões (trilha do filme, 81)
En Español (com versões de sucessos em espanhol, 82)
Chico Buarque (84)
Malandro (85)
Ópera do Malandro (trilha do filme, 85)