Chorinho passado, presente e futuro
O músico e pesquisador Henrique Cazes analisa em artigo inédito a história e as novas perspectivas do tradicional gênero
Henrique Cazes
03/09/2002
No ano de 2002 se completa um século da indústria fonográfica no Brasil. Ao longo de todo este tempo o choro esteve presente de uma forma ou de outra e penso que é um bom momento para fazer um balanço dessa relação nem sempre amigável.
Na fase das gravações mecânicas de 1902 até 1927 em termos proporcionais, foi quando mais se gravou choro. Bandas como as da Casa Edison e do Corpo de Bombeiros, solistas como Patápio Silva e José Maria dos Passos, grupos como o Choro Carioca (com o genial oficleide de Irineu de Almeida) e da Chiquinha Gonzaga; gravaram centenas de discos e ajudaram a fixar um repertório e uma forma de interpretar. Esse período é marcado por grande diversidade de formatos, incluindo trios e quartetos de sopro sem base e experiências de solos com instrumentos pouco usuais como a tuba, o bombardino e o hoje em desuso oficleide. É bom esclarecer que o citado oficleide é um instrumento de bocal similar a de um trombone e chaves como as de um sax. Foi o primeiro instrumento usado para fazer os contrapontos na região grave, conhecidos como baixarias.
Apesar de ser considerado um marco na história dos grupos de choro, os Oito Batutas (Pixinguinha, Donga, Nelson Alves, etc) quando comparados com os grupos citados anteriormente, representavam um retrocesso em termos de organização musical. Sorte é que tinham o gênio da flauta e da composição. No fim dos anos 20, Pixinguinha partiu para suas experiências com choros orquestrais e apesar de ter alcançado resultados como Carinhoso e Lamentos , o choro já caminhava para o afunilamento em termos de formato, fixando o "conjunto regional" que marcou a Era do Rádio. O chamado "regional" era um grupo formado por dois ou três violões, cavaquinho, pandeiro e um solista (flauta, bandolim, etc) e era pau pra toda obra. Um grupo que não precisava de arranjo escrito e acompanhava até o que não conhecia.
Os solistas mais importantes dessa época foram o clarinetista e saxofonista Luis Americano e o flautista Benedito Lacerda. O bandolim de Luperce Miranda também brilhou no período, onde apareceu o toque modernizador de Radamés Gnattali, especialmente nas gravações do Trio Carioca com Americano no clarinete e Luciano Perrone na bateria. Para as gravadoras da época os registros chorísticos aproveitavam a mão de obra contratada de solistas e arranjadores, mas não representavam volume comercial expressivo.
O tempo passou e só em meados da década de 40 começaram a surgir novidades realmente positivas. Pixinguinha fez acordo com Benedito Lacerda, passou para o sax e realizou entre 46 e 51 uma preciosa série de gravações. Outra novidade foi o choro tocado por formações influenciadas pelas big-bands americanas como a Orquestra Tabajara e a Orquestra de Fon-Fon. A inclusão de Tico-tico no Fubá em nada menos que cinco filmes americanos e o fato da gravação da organista Ethel Smith ter alcançado o hit parade, davam uma pista que o Choro podia ser algo realmente vendável.
No finzinho de 49 aconteceu o estouro de Brasileirinho e o começo do período de maior relevância comercial para a música e os músicos do choro. Waldir Azevedo na Continental, Jacob do Bandolim na RCA Victor, Garoto na Odeon, Zé Menezes na Sinter, disputavam espaço numa concorrência extremamente produtiva. Num mesmo ano, o de 54, Altamiro Carrilho estourou com o maxixe Rio Antigo e Chiquinho do Acordeon e Garoto arrebentaram com o dobrado São Paulo Quatrocentão. As emissoras de rádio reservavam quartos de hora para seus solistas e os nomes já citados se tornaram nacionalmente conhecidos.
A ascensão da bossa-nova, seguida da jovem guarda e outras ondas, fizeram da década de 60 um período de ocaso para o choro. Para piorar Jacob, o maior líder dessa fase, morreu repentinamente em 69, deixando uma impressão de que o choro estava pela bola sete. O pior é que em 73 foi a vez do maior gênio do estilo, Pixinguinha, ir embora. Quando tudo apontava para baixo veio uma fase que parecia ser de renascimento e que apesar de efêmera, revelou nomes como Joel Nascimento, Déo Rian e Zé da Velha. Dos grupos novos que surgiram nos anos 70 só dois chegaram ao disco Os Carioquinhas e o hoje longevo Galo Preto. Os outros grupos demoraram a amadurecer e quando viram a onda já tinha passado.
Seguiu-se então o período menos fértil em termos fonográficos de toda a história do choro. Os músicos jovens em sua maioria só queriam estudar em Boston e tocar fusion. O começo da década de 80 foi a fase em que tocar choro era quase uma iniciativa suicida.
Passados alguns anos a situação foi mudando. Começou a surgir uma produção fonográfica alternativa, em discos independentes ou através de pequenosa selos, uma novidade no meio fonográfico de então. Posso dizer sem falsa modéstia, que trabalhei arduamente na reconstrução de um espaço fonográfico para a musicalidade chorística. São dessa fase meus primeiros discos de solista, os discos da Orquestra Pixinguinha, da Orquestra de Cordas Brasileiras, a série Sempre com Pixinguinha, Jacob e Radamés, entre vários outros.
Na segunda metade da década passada vimos ressurgir uma parte da discografia em CDs o que ajudou a colocar lenha na fogueira. Os novos grupos que surgiram no período já estrearam com qualidade de produção mais profissional, o que exolica por exemplo a rápida ascensão do Trio Madeira Brasil.
Em 2000 foi a vez de surgir a Acari, primeira gravadora especializada em Choro e que está marcando sua atuação por lançar discos de artistas que não estavam disponíveis como solistas. Por fim chegamos a um fenômeno curioso. Depois de cuspir o choro para fora do mercado nos anos 80, as grandes gravadoras brasileiras começam a redescobrí-lo, normalmente através de produções feitas para o exterior como Bach no Brasil (EMI) e Café Brasil (Teldec-WEA). O sucesso da caixa de três CDs com os registros de Jacob do Bandolim (BMG) encorajou outras empresas e são aguardados produtos semelhantes abordando as gravações de Pixinguinha e Benedito Lacerda, Waldir Azevedo e os anos 50 de Pixinguinha com a Velha Guarda. Quem viver ouvirá.
Na fase das gravações mecânicas de 1902 até 1927 em termos proporcionais, foi quando mais se gravou choro. Bandas como as da Casa Edison e do Corpo de Bombeiros, solistas como Patápio Silva e José Maria dos Passos, grupos como o Choro Carioca (com o genial oficleide de Irineu de Almeida) e da Chiquinha Gonzaga; gravaram centenas de discos e ajudaram a fixar um repertório e uma forma de interpretar. Esse período é marcado por grande diversidade de formatos, incluindo trios e quartetos de sopro sem base e experiências de solos com instrumentos pouco usuais como a tuba, o bombardino e o hoje em desuso oficleide. É bom esclarecer que o citado oficleide é um instrumento de bocal similar a de um trombone e chaves como as de um sax. Foi o primeiro instrumento usado para fazer os contrapontos na região grave, conhecidos como baixarias.
Apesar de ser considerado um marco na história dos grupos de choro, os Oito Batutas (Pixinguinha, Donga, Nelson Alves, etc) quando comparados com os grupos citados anteriormente, representavam um retrocesso em termos de organização musical. Sorte é que tinham o gênio da flauta e da composição. No fim dos anos 20, Pixinguinha partiu para suas experiências com choros orquestrais e apesar de ter alcançado resultados como Carinhoso e Lamentos , o choro já caminhava para o afunilamento em termos de formato, fixando o "conjunto regional" que marcou a Era do Rádio. O chamado "regional" era um grupo formado por dois ou três violões, cavaquinho, pandeiro e um solista (flauta, bandolim, etc) e era pau pra toda obra. Um grupo que não precisava de arranjo escrito e acompanhava até o que não conhecia.
Os solistas mais importantes dessa época foram o clarinetista e saxofonista Luis Americano e o flautista Benedito Lacerda. O bandolim de Luperce Miranda também brilhou no período, onde apareceu o toque modernizador de Radamés Gnattali, especialmente nas gravações do Trio Carioca com Americano no clarinete e Luciano Perrone na bateria. Para as gravadoras da época os registros chorísticos aproveitavam a mão de obra contratada de solistas e arranjadores, mas não representavam volume comercial expressivo.
O tempo passou e só em meados da década de 40 começaram a surgir novidades realmente positivas. Pixinguinha fez acordo com Benedito Lacerda, passou para o sax e realizou entre 46 e 51 uma preciosa série de gravações. Outra novidade foi o choro tocado por formações influenciadas pelas big-bands americanas como a Orquestra Tabajara e a Orquestra de Fon-Fon. A inclusão de Tico-tico no Fubá em nada menos que cinco filmes americanos e o fato da gravação da organista Ethel Smith ter alcançado o hit parade, davam uma pista que o Choro podia ser algo realmente vendável.
No finzinho de 49 aconteceu o estouro de Brasileirinho e o começo do período de maior relevância comercial para a música e os músicos do choro. Waldir Azevedo na Continental, Jacob do Bandolim na RCA Victor, Garoto na Odeon, Zé Menezes na Sinter, disputavam espaço numa concorrência extremamente produtiva. Num mesmo ano, o de 54, Altamiro Carrilho estourou com o maxixe Rio Antigo e Chiquinho do Acordeon e Garoto arrebentaram com o dobrado São Paulo Quatrocentão. As emissoras de rádio reservavam quartos de hora para seus solistas e os nomes já citados se tornaram nacionalmente conhecidos.
A ascensão da bossa-nova, seguida da jovem guarda e outras ondas, fizeram da década de 60 um período de ocaso para o choro. Para piorar Jacob, o maior líder dessa fase, morreu repentinamente em 69, deixando uma impressão de que o choro estava pela bola sete. O pior é que em 73 foi a vez do maior gênio do estilo, Pixinguinha, ir embora. Quando tudo apontava para baixo veio uma fase que parecia ser de renascimento e que apesar de efêmera, revelou nomes como Joel Nascimento, Déo Rian e Zé da Velha. Dos grupos novos que surgiram nos anos 70 só dois chegaram ao disco Os Carioquinhas e o hoje longevo Galo Preto. Os outros grupos demoraram a amadurecer e quando viram a onda já tinha passado.
Seguiu-se então o período menos fértil em termos fonográficos de toda a história do choro. Os músicos jovens em sua maioria só queriam estudar em Boston e tocar fusion. O começo da década de 80 foi a fase em que tocar choro era quase uma iniciativa suicida.
Passados alguns anos a situação foi mudando. Começou a surgir uma produção fonográfica alternativa, em discos independentes ou através de pequenosa selos, uma novidade no meio fonográfico de então. Posso dizer sem falsa modéstia, que trabalhei arduamente na reconstrução de um espaço fonográfico para a musicalidade chorística. São dessa fase meus primeiros discos de solista, os discos da Orquestra Pixinguinha, da Orquestra de Cordas Brasileiras, a série Sempre com Pixinguinha, Jacob e Radamés, entre vários outros.
Na segunda metade da década passada vimos ressurgir uma parte da discografia em CDs o que ajudou a colocar lenha na fogueira. Os novos grupos que surgiram no período já estrearam com qualidade de produção mais profissional, o que exolica por exemplo a rápida ascensão do Trio Madeira Brasil.
Em 2000 foi a vez de surgir a Acari, primeira gravadora especializada em Choro e que está marcando sua atuação por lançar discos de artistas que não estavam disponíveis como solistas. Por fim chegamos a um fenômeno curioso. Depois de cuspir o choro para fora do mercado nos anos 80, as grandes gravadoras brasileiras começam a redescobrí-lo, normalmente através de produções feitas para o exterior como Bach no Brasil (EMI) e Café Brasil (Teldec-WEA). O sucesso da caixa de três CDs com os registros de Jacob do Bandolim (BMG) encorajou outras empresas e são aguardados produtos semelhantes abordando as gravações de Pixinguinha e Benedito Lacerda, Waldir Azevedo e os anos 50 de Pixinguinha com a Velha Guarda. Quem viver ouvirá.