Choro, fox, bolero, samba e até rock

Não houve estilo que escapasse do repertório da pianeira pioneira Carolina Cardoso de Menezes

Tárik de Souza
02/01/2001
Quando se inventaria a participação feminina na MPB raramente é incluida a pianeira Carolina Cardoso de Menezes. Parte do problema deve-se ao fato de ela ter feito uma parada de dez anos na carreira (1968-78) num período crucial de consolidação da indústria e da promoção dos artistas, seguida por um ritmo de apresentações mais espaçadas a partir daí, incluindo os dois discos mais recentes, que tiveram pouca repercussão: Fafá & Carolina (com o violinista Fafá Lemos) de 1989 e o derradeiro, o solo Preludiando, de 1997. O outro débito do esquecimento deve-se à tradicional falta de memória - e de interesse - pelo passado da MPB. Carolina participou de momentos fundamentais dessa história, como a gravação do samba Na Pavuna com Almirante, em 1930, a primeira vez em que se registrou um batuque com toda a percussão armada no estúdio. Fez também a trilha do filme Mulher, dirigido por Otávio Gabus Mendes, em 1931, com fotografia de Humberto Mauro, considerado erótico para os padrões da época e ainda foi dona de boate, a Carolina, numa esquina da Avenida Atlântica, em Copacabana, em 1958.

Filha do pianista Oswaldo Cardoso de Menezes, essa autodidata carioca que começou no instrumento aos dois anos de idade e só foi estuda-lo a sério na adolescência, mergulhou no universo do choro, na época um Clube do Bolinha onde mulher dificilmente entrava, especialmente como compositora. Também nesse campo a pianeira foi pioneira. Além de gravar um Ernesto Nazareth "com balanço" numa intepretação pessoal definitivamente chorona, compôs, entre outros Pombo Correio, Expressinho, Eu Sou do Barulho (seu maior sucesso na área, de 1942), Caboclinha, Novidade, Maroto, Regressando, Rapadura, Derrapando na Gávea e Nossa Amizade. Ela ainda passou pelo fox (Preludiando), compôs as Bachianas Cariocas nº 1 e se destacou como uma esquecida precursora autoral do rock tupiniquim com seu Brasil Rock, de 1957.

Carolina, no entanto, não ficou só no escaninho instrumental: escreveu também (quase sempre em parceria com o letrista Armando Fernandes) composições de diversos gêneros como Serpentinas, Nós Dois, Esquina da Vida, Palavra de Honra, Ausência, Aquela Rosa Que Você Me Deu, gravadas por cantores como Orlando Silva, Silvio Caldas, Ângela Maria, Isaurinha Garcia, Cauby Peixoto, Francisco Alves e até Wanderley Cardoso. Como boa pianeira, traçou de tudo, do baião ao bolero, samba, música erudita, marchinha, fox-trot e até o vira português, incluindo acompanhar estrelas internacionais em trânsito da estirpe de Josephine Baker, Pedro Vargas e Charles Trenet.

Muito antes do CD, empilhou 60 músicas num único disco, Tapete Mágico. Entre 1942 e 1944, gravou uma série de discos 78 rotações em dupla com o modernista do violão, Garoto. Atuou nas rádios Sociedade, Tupi e Nacional, onde comandou o programa O Piano da Carolina. Nos últimos anos, na volta do retiro ocorrido após a morte do marido, a pianeira que recebeu em 1984 a medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal participou de shows esparsos em locais como a ABI, Planetário e Museu da República, todos no Rio. A última apresentação de seu piano percutido e envolvente com o sotaque das ruas de uma cidade ainda ingênua e amistosa foi na Funarte, em outubro passado ao lado da colega Maria Teresa Madeira.

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