Clara Nunes: 20 anos sem a <i>guerreira</i>

Dia 2 de abril completaram-se duas décadas de morte da cantora; várias homenagens estão sendo preparadas

Marco Antonio Barbosa
03/04/2003
Poucas cantoras marcaram tão fundo seu nome e sua personalidade na história do samba quanto Clara Nunes. E um número menor ainda de ídolos da MPB mereceu tamanha devoção e culto depois de sua morte - que, esta semana, completa exatos 20 anos. Assim como 2002 foi o ano Elis Regina, repleto de homenagens e recordações da cantora falecida em 1982, o corrente ano pode muito bem ser o ano Clara. A cantora, falecida a 2 de abril de 1983, completa não apenas duas décadas de morte; este também é o ano em que ela chegaria a seu 60º aniversário. Em honra a Clara, relançamentos de CDs, um álbum-tributo e projetos como a edição de uma biografia e a criação de um museu devem vir à tona até o fim do ano.

Estivesse viva - a cantora morreu em decorrência de complicações (aparentemente) banais durante uma cirurgia - Clara estaria engrossando a geração 60 da música popular, como os gigantes Chico, Gil, Milton, Caetano, Ben e Paulinho da Viola. Na época de sua morte, ela estava, possivelmente, no auge da carreira, tendo lançado o hoje clássico álbum Nação apenas alguns meses antes. O sem-número de canções tornadas eternas por Clara servirão de base para escolher o repertório do disco que a gravadora carioca DeckDisc pretende lançar em tributo à obra deixada por ela.

Apesar de não haver definição sobre o título e a seleção de músicas do projeto, sabe-se que será um CD duplo, e que cogita-se convocar grande parte dos compositores e intérpretes que conviveram com Clara - gente como Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara, Monarco e Xangô da Mangueira. Haverá espaço também para nomes da nova geração que nunca negaram a influência de Clara em seu estilo. O destaque nessa seara vai para a carioca Teresa Cristina, que lançou no ano passado um disco duplo (também pela Deck) só com músicas de Paulinho da Viola, várias das quais gravadas também por Clara. Marisa Monte, cogitada inicialmente para fazer parte do elenco do tributo, anunciou esta semana que não participará do disco - deseja dedicar todo o ano ao filho Mano Vladmir.

Os sucessos de Clara não retornarão apenas na voz de terceiros este ano. A gravadora EMI, por onde a cantora lançou a totalidade de sua obra solo, pretende relançar os 16 álbuns oficiais que a intérprete gravou entre 1966 e 1982. Ataulfo Alves, que compôs o primeiro sucesso da carreira da cantora (Você Passa e Eu Acho Graça, parceria com Carlos Imperial, gravada por ela em 1969) foi quem a levou para a gravadora, na época ainda chamada Odeon. De A Voz Adorável de Clara Nunes - disco quase de exceção em sua carreira, na qual ela canta boleros e canções de fossa - ao já citado Nação, poder-se-á apreciar a evolução do estilo da cantora. A opção definitiva pelo samba, feita em 1969; a declaração de amor eterno à escola de samba Portela; e o sucesso crescente ao longo dos anos 70, chegando ao auge em Claridade (1975). A EMI já havia relançado, em edição remasterizada (nos estúdios Abbey Road, na Inglaterra), toda a discografia de Clara em CD; mas a tiragem limitada da coleção, montada em 1997 - apenas 5 mil CDs de cada título - tornou os discos itens raros.

Além do que se pode encontrar em lojas de discos, as livrarias também devem receber o volume Quando Eu Vim de Minas – Clara Nunes: A Voz de Ouro, da jornalista mineira Neide Pessoa. Amiga pessoal da cantora (conheceram-se na adolescência, em Belo Horizonte), Neide vem há anos acalentando o projeto do livro, que ainda não foi para a frente por falta de apoio financeiro, do governo ou da iniciativa privada. Mas este, garante a autora, o livro sai, nem que seja de forma independente. Convidada pela própria família de Clara, em 1995, a condensar a vida da cantora numa biografia, Neide já coletou depoimentos de nomes como Bibi Ferreira, Sérgio Cabral e Toquinho.

No livro, a jornalista pretende esclarecer alguns pontos curiosos da biografia da artista. Por exemplo, o nome exato de sua cidade natal; Clara dizia ter nascido em Paraopeba, quando na verdade era nativa de Cedro Cachoeira, distrito da cidade de Paraopeba que, após emancipar-se, passou a se chamar Caetanópolis. A real localidade de nascimento da cantora é motivo até de "briga" entre as duas cidades do interior de Minas (cerca de 100km da capital). A data de nascimento de Clara também é motivo de polêmica; algumas fontes (como a respeitada Enciclopédia de Música Brasileira) dizem que a cantora nasceu em 12 de agosto de 1943, enquanto o livro de Neide defenderá a tese de que o ano correto é 1942.

Caetanópolis, por sinal, quer consolidar a posse do legado de Clara fundando o Museu Clara Nunes. Um acervo de mais de 700 itens, entre fotos, roupas, discos e outros objetos pessoais deixados pela cantora, vai compor o patrimônio da casa. Já existe uma locação para o museu: um prédio doado pela Tecelagem Cedro Cachoeira, fábrica na qual a adolescente Clara teve seu primeiro emprego. Doações materiais de fãs e amigos de Clara também ajudarão a engrossar o acervo do museu, que também está na dependência de aporte financeiro para sair do papel.