Claudette Soares rebobina carreira de meio século

Cantora lança CD duplo ao vivo com 20 convidados, que vão de Jorge Ben Jor e Paulinho da Viola a Roberto Menescal e Elymar Santos

Rodrigo Faour
22/06/2000
"Não adianta mentir, fico com um metro e meio só com saltinho", confessa a cantora Claudette Soares, cuja estatura artística parece não caber em seus 1,48 m de altura: em 53 anos de estrada (ela começou a cantar ainda criança, aos dez anos), teve audácia o suficiente de experimentar os mais variados estilos musicais. De Princesinha do Baião – coroada por ninguém menos que o Rei Luiz Gonzaga – a estrela da bossa nova nos anos 60, Claudette ainda flertou com os romantismos distintos de Taiguara, Roberto Carlos e Dick Farney, com quem gravou dois discos na década de 70.

Toda essa trajetória foi agora revista no CD duplo Claudette Soares ao Vivo, no qual ela contou com 20 convidados e que, depois de um ano e meio de espera, está sendo finalmente lançado pela Som Livre. O show que deu origem ao disco será retomado em duas noites, uma no Rio, outra em São Paulo, no próximo semestre, reunindo novamente todos os convidados.

"Tudo acontece na hora certa. A gravadora Perfil Musical tinha acertado comigo de gravar o disco. Inicialmente, o único convidado seria o Elymar Santos, em De Tanto Amor", conta Claudette. "A idéia original era fazer um CD de piano e voz com o Leandro Braga, mas na época ele não podia, pois ia estrear um show ao lado de Ney Matogrosso. Como não queria perder as datas agendadas, meu produtor, Luiz Otávio, montou em 20 dias um show em homenagem aos meus 50 anos de carreira." A demora no lançamento do disco se justifica pelo fato de Elymar ter enviado a gravação do show para o João Araújo, diretor da Som Livre, que acabou comprando o projeto.

A idéia do produtor de Claudette foi resgatar algumas das canções mais marcantes de seu repertório, com direito a convidados que de alguma forma tivessem a ver com o universo afetivo e musical da intérprete de voz pequena e interpretação derramada. "Quem não sabia da minha história vai ficar sabendo e quem sabia e não queria contar, vai ficar danado porque estou viva para contar", brinca ela, que relê alguns de seus maiores sucessos no disco. Caso de Primavera (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes) ao lado do Garganta Profunda, Como É Grande o Meu Amor por Você (Roberto Carlos) com Fábio Júnior e A Volta (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), com o violão de Menescal.

O roteiro também inclui canções de compositores que Claudette ajudou a lançar, como Taiguara (com Hoje e Coisas, que no disco tiveram as participações, respectivamente, de Fafá de Belém e do novato Cláudio Pinheiro) e Gonzaguinha (com Mundo Novo, Vida Nova, aqui em duo com Daniel Gonzaga, filho do autor). "Em 1966, o Ronaldo Bôscoli montou um show chamado Primeiro Tempo, 5 X 0. Sílvio César ia ser chamado para fazer o show comigo, mas eu disse que havia um cantor maravilhoso que atuava no show Uma Receita para Vinicius. Era o Taiguara, que logo depois estourou", conta. Já o mérito de ter sido a primeira a gravar Gonzaguinha foi um lance de ousadia. "Em 69, no Festival Universitário do Teatro João Caetano, de novos talentos, nenhuma cantora queria cantar uma música que fosse do filho do Rei do Baião. Então o diretor, que era o Lúcio Alves, me disse: ‘Está sobrando essa’. E era exatamente o Mundo Novo, Vida Nova."

Bossa nova e festivais
Há no CD espaço para homenagens a cantoras que tiveram papel marcante em sua carreira, como Maysa e Sylvinha Telles (com Fotografia e Demais, ambas com a participação da filha da falecida cantora, Cláudia Telles). "Eu deixei o baião para cantar bossa nova pelas mãos da Sylvinha, que me convidou para substituí-la na boate do Hotel Plaza, na Avenida Princesa Isabel, em Copacabana. Este bar foi o primeiro templo da bossa antes mesmo do Beco das Garrafas", recorda Claudette.

Outra amiga cantora lembrada é Nara Leão na versão de How About You (B. Lane e R. Freed) e em Eu Gosto Mais do Rio (que Nara gravou em seu último disco). "Pedimos autorização ao autor da versão e incluímos um verso em que Nara é citada. Ela já tinha uma visão muito grande do ecletismo da MPB", elogia Claudette, confirmando que a bossa nova realmente nasceu no apartamento da cantora. "Ela negava porque era muito modesta. Eu e várias pessoas íamos à sua casa, um grande apartamento na Avenida Atlântica, porque não tínhamos lugar para ensaiar."

Jorge Ben Jor, que deu a Claudette em 1965 a música Que Maravilha, está no disco dividindo com ela um medley que inclui também O Cravo Brigou com a Rosa. Chico Buarque, de quem a cantora foi uma das intérpretes mais constantes no fim dos anos 60, comparece no disco com Bom Tempo, cantada em duo com Zé Luiz Mazziotti. A dupla Antonio Adolfo & Tibério Gaspar, também muito gravada pela cantora na mesma época, reaparece neste CD num pot-pourri com quatro sucessos: Teletema, Ao Redor, Meia Volta e Juliana. Nesta faixa, Claudette conta com a participação de Regininha, outra cativa intérprete da dupla.

Pop e samba
Para Claudette o mais importante no novo disco era injetar novidade no antigo repertório. Por isso, ela escalou um banda recheada de novos talentos, como Kiko Furtado (teclados), Pedro Moraes (baixo, filho de Ronaldo, dos Golden Boys), João Viana (bateria, filho de Djavan), Chico Costa (sax) e Giovanni Bizzotto (violão, parceiro de Marina Lima). Kiko e Giovanni comparecem com as duas inéditas do repertório, respectivamente a balada Lágrimas por Dentro e a pop/romântica Quando Eu Errei.

"Adoro jovens. Esta minha banda dá um molho moderno ao disco. De outra forma, ficaria antiquado, perderia a graça", diz ela, enfatizando que é fã do pop de Marina Lima, Lulu Santos, Rita Lee e Jorge Ben Jor. Claudette diz que também sempre quis gravar uns sambas, mas que seus produtores nunca lhe deram chance. Ela conta que Cartola certa vez foi procurá-la nos bastidores de um show para lhe entregar o samba Acontece, finalmente agora gravado por ela, ao lado de Autonomia (também de Cartola) e de Tudo se Transformou, clássico de Paulinho da Viola, com a participação do próprio.

Claudette diz sentir a falta hoje em dia de mais cantores e cantoras que valorizem a interpretação. Ela é contra a massificação estilística reinante no mercado atual e discorda da máxima de que o brasileiro é um povo sem memória. "Viajei pelo Nordeste e fiz pela primeira vez uma feira agropecuária. Quando cantei Hoje, do Taiguara, as pessoas com menos de 40 anos cantaram junto comigo. Ela é uma canção popular, mas há algo que envolve o Sistema na música, algo que temos que furar", diz.