Como foi o Tim Festival para os artistas brasileiros

Apresentações consagradoras, revelação de novos talentos e até baile funk deram o clima do evento

Marco Antonio Barbosa
30/10/2003
Os brasileiros fizeram bonito no primeiro Tim Festival, realizado entre a quinta-feira (dia 30 de outubro) e o sábado (dia 1º de novembro) da semana passada no Museu de Arte Moderna (RJ). Com uma escalação de artistas nacionais bem eclética - indo do pop "emepebístico" dos Los Hermanos ao samba-jazz de J.T.Meirelles, passando pelo funk eletrônico do DJ Marlboro - o evento deu espaço bastante digno à música nacional. Cerca de 40 mil pessoas assistiram aos 39 espetáculos (divididos em quatro palcos) do Tim Festival; e ainda que as principais atrações fossem nomes do pop internacional, quem foi ver os artistas brasileiros não saiu decepcionado.

Quinta, 30/10: O cantor Wado e o grupo Los Hermanos foram as atrações do palco Tim Lab. Diante de um público ainda reduzido, o alagoano Wado veio mostrar suas composições, que já chamaram a atenção de uma parcela mais antenada da crítica. O som do jovem cantor e compositor - que alguns desavisados poderiam classificar prévia e erroneamente como uma versão alagoana do recifense Otto - baseia-se no samba, mas incorpora elementos de reggae, funk e de pop-rock mais ortodoxo, em canções de harmonias e melodias elaboradas. O resultado é um som que se aproxima de uma certa MPB moderninha como a de, por exemplo, Lenine - mas à qual falta músicas de apelo mais imediato. Tudo não passou de aquecimento para os Hermanos, estrelas locais que encerraram a noite diante de um Lab quase lotado. O show do grupo foi diferente do usual; Marcelo Camelo abriu cantando suas canções todas de uma só enfiada e Rodrigo Amarante só assumiu os vocais na segunda metade do set (quando o normal é intercalar os vocalistas). A galera cantou em uníssono o repertório de Ventura, úlitimo trabalho dos LH e base do repertório. Ainda houve algumas do Bloco do Eu Sozinho (Todo Carnaval Tem Seu Fim, Sentimental), mas ninguém sentiu falta dos sucessos do primeiro disco. Ao fim da apresentação, com a bela A Flor, firmou-se mais uma vez a certeza de que, devido à extraordinária comunhão entre banda e público, cada show dos Hermanos é uma experiência única no pop nacional de hoje. O outro brasileiro da noite, o DJ Jackson Araújo, enfrentou um After Hours quase vazio para sua performance, que começou por volta das 02h. Não se fez de rogado e mandou nas vitrolas um set que incorporava brasileirices e remixes electro para Caetano Veloso e Bob Marley.

Sexta, 31/10: O primeiro nome brasileiro da noite foi o pianista Luiz Avellar, que se apresentou com seu quarteto na abertura do Tim Club. Tocando junto a um dos mais consagrados trumpetistas brasileiros (Jessé Sadoc), Avellar emprestou tom jazzístico a um repertório de MPB, que incluiu Chovendo na Roseira e Saudade dos Aviões da Panair. De quebra, fez uma homenagem à música cubana com o tema Buena Vista, referindo-se aos músicos do famoso grupo homônimo. Já no Tim Stage, que teve seus ingressos esgotados para a segunda noite (por conta principalmente da dupla americana White Stripes), o tom da platéia para o show do Fellini era de expectativa. Quem não conhecia o grupo - e esses eram maioria - demonstrava curiosidade. Os fãs da banda ressabiavam-se pelo histórico irregular de shows do grupo (que tanto poderiam ser ótimos quanto desastrosos, pela falta de cancha de palco). Entretanto, o quarteto não decepcionou e fez um belo apanhado de músicas de seus cinco álbuns, caprichando no instrumental e sem demonstrar insegurança. Se o "samba pós-punk" do grupo, influência em bandas como mundo livre S/A e Nação Zumbi, não chegou a levantar as poucas dezenas de espectadores - natural, visto que a maioria não conhecia o grupo -, pelo menos fez bonito junto aos nostálgicos do rock indie dos anos 80. No palco Lab, o grupo carioca Tira Poeira mostrou sua releitura do tradicional chorinho, que ganhou instrumentos eletrificados, efeitos e improvisos de inspiração jazzistica. Apesar de encararem uma platéia bem rarefeita, o quinteto carioca se esmerou nos solos e tabelinhas instrumentais para canções como Atrás da Porta (Chico Buarque) e Delicado (Pixinguinha). O DJ Maurício Lopes, grande nome do techno carioca, foi o último convidado do After Hours, aproveitando a casa aquecida depois da performance do hypado Erol Alkan. Misturando diversas vertentes do techno, muitas novidades e algumas incursões electro, Maurício garantiu a animação dos mais resistentes até (depois do) o sol raiar.

Sábado, 1º/11: O grupo Sinhô Preto Velho, possivelmente o menos conhecido dos artistas brasileiros do evento, não se intimidou diante da imensidão do Tim Stage praticamente vazio. A curiosa mistura de hip hop com dados culturais e musicais do candomblé deu a tônica do show, combinando batidas programadas com a força dos atabaques de umbanda. Numa nota parecida, seguiu-se o Afroreggae, que este ano comemora uma década de fundação. O grupo que compõe o braço musical da ONG da favela carioca de Vigário Geral mandou seu recado vigoroso de sempre, apelando para oportunas covers de Tim Maia (Coroné Antonio Bento), Caetano & Gil (Haiti) e Legião Urbana (Que País É Este). A Nação Zumbi, que não entra em campo para perder, fez (muito bem) o que sabia. As músicas do último e homônimo trabalho, como Propaganda e Meu Maracatu Pesa uma Tonelada foram despachadas com a fúria de costume, enquanto momentos dos álbuns anteriores (Banditismo por uma Questão de Classe, Quando a Maré Encher) ganharam releituras que reforçam a nova persona musical do grupo - que aos poucos investe em sons mais climáticos, adicionando novos elementos ao poder da percussão. Pena que logo depois a platéia, que estava muito animada, esfriaria com o show do grupo inglês de rap The Streets...

Lenda viva da música brasileira que vem experimentando nova ascendente em sua carreira nos últimos anos, J.T.Meirelles e seus Copa 5 quebraram tudo na abertura do Tim Club. Mesmo enfrentando adversidades como problemas de som (um raio afetou a instalação elétrica do evento) e uma casa meio vazia, o grupo fez uma apresentação que veio num crescendo de empolgação, culminando justamente no último número (o clássico Neurótico, do não menos antológico álbum O Som). Enquanto a noite avançava, a chuva se transformou num pé-d'água monumental, contribuindo para afastar o público. O Tim Lab, que teve no sábado uma programação eminentemente eletrônica, começou com o paraibano Chico Correia e sua banda. Som complicado, que busca os grooves dançantes mas com uma preocupação explícita com o experimentalismo. Cacos de jazz, funk, reggae, clima improvisatório e bases com samplers e percussão nordestina mais confundiram do que levantaram a platéia (que, inegavelmente, só queria saber do headliner da noite, o grupo belga Front 242). Em seguida, houve o show conjunto dos projetos cariocas Gerador Zero e Apavoramento Sound System. Ambos seguem uma seara parecida - sons eletrônicos minimais, visando a dança - mas atingem resultados diferentes. O Gerador se deu bem citando Kraftwerk via samples e remixagens. O Apavoramento apostou num electro pesado e agressivo, em combinação com bizarras projeções nos telões de vídeo. O efeito foi de estranhamento, mas agradou à massa de modernos presentes. Para quem ainda não estava massacrado com a maratona, beirando às 05h de domingo o DJ Marlboro entrou no palco do After Hours, escoltado por uma trupe de figuraças do funk carioca: Tati Quebra-Barraco, MC Serginho, o grupo Malha Funk e a dupla Cidinho & Doca. Derrubando a pose da esmagadora maioria dos espectadores, Marlboro submeteu o povo a seu Miami bass de irresistível apelo popular. Em clima de baile funk, o Tim Festival se encerrou sob a mesma égide do ecletismo que regeu sua escolha de convidados.