Cordel do Fogo Encantado chega ao segundo álbum

O Palhaço do Circo Sem Futuro continua a saga messiânica e percussiva da consagrada banda pernambucana

Mônica Loureiro
31/01/2003
Aflitivo, truncado e impaciente. Por mais que pareça, não se trata de coisa ruim. Esses foram alguns dos adjetivos encontrados por José Paes de Lira para caracterizar o novo disco do Cordel do Fogo Encantado. Lirinha, como é conhecido o vocalista e compositor, continua achando difícil definir o trabalho do grupo, que chega ao segundo CD - independente e em breve distribuído pela Trama - O Palhaço do Circo Sem Futuro.

"Esse disco é uma continuidade do primeiro. Damos até algumas pistas, como o nome da última música - Fim do Segundo Ato - e versos do tipo 'Árvore dos encantados / vim aqui outra vez pra tua sombra'", diz Lirinha. O caminho pela percussão foi mantido e está bem mais trabalhado, mas que ninguém pense que a sonoridade é igual à do anterior Cordel do Fogo Encantado, de 2001. "Nosso primeiro registro nasceu quando a gente ainda morava em Arcoverde (PE). Era uma poesia com determinada limitação geográfica e de informações. Esse começa quando a gente sai de lá, tem o impacto de morar em São Paulo, a convivência com os músicos de Recife, a turnê pelo exterior... É um momento de conflito e também de insegurança por ter saído de nossa terra não por opção e sim pela necessidade de continuar um trabalho. Temos uma certa semelhança com os retirantes...", conta Lirinha.

Essa ruptura pode ser sentida pelas letras de Lirinha - menos apegadas ao sertão - e já no primeiro som do disco. "O anterior abre com um aboio. Desta vez - e com o mesmo gravador - registrei a voz de um homem que pedia esmolas no metrô de Berlim", revela Lirinha. O vocalista aponta uma outra dica dessa cisão: "No final do disco, há uma menina recitando poesias de Neruda em flamengo e holandês". Ao vivo, o grupo está sendo exigido ao máximo: "Quando levamos o disco para o palco encontramos dificuldades. Uma boa diferença é a quantidade de instrumentos, que aumentou", diz.

Diferentemente do disco anterior, produzido por Naná Vasconcelos, o novo trabalho foi pilotado pelo próprio quinteto. "A opção da gente mesmo assumir a direção do disco foi devido ao receio que o grupo tinha que as mudanças da nossa cabeça fossem atribuídas ao produtor", diz Lirinha. A nova direção veio de um questionamento da própria natureza da música do Cordel por parte de seus integrantes. "Seríamos um grupo de ritmos do sertão ou um reflexo dos sentimentos dos integrantes?", pergunta-se Lirinha. "Optamos pela música inventiva, a princípio muito incentivados por Naná. Mas ainda hoje é difícil definir nosso ritmo. A intenção do disco é ser aflitivo, rítimico, uma coisa truncada, impaciente, com uma ligação com a tragédia grega e de alguma forma decadente", afirma.

"Esse disco foi dedicado à experimentação", define o vocalista. Ele exemplifica citando a incorporação, de leve, de elementos eletrônicos. "Hoje há o sampler, mas não assessorando musicalmente e sim colaborando com ruídos", fala Lirinha. "Sabemos que temos uma deficiência harmônica em rerlação a outras músicas. Trabalhamos com dois técnicos de PA por dois meses dentro do estúdio para poder extrair da percussão as linhas do baixo, por exemplo. Há poucos equipamentos desenvolvidos para percussão aqui no Brasil. Existe um aproveitamento de microfones, por exemplo, não há uma captação como se desenvolveu para os outros instrumentos. E não temos referências de percussão pesada, com essa carga punk", conclui.

O repertório de O Palhaço do Circo Sem Futuro inclui Os Anjos Caídos (ou a Construção do Caos), que está na trilha de Deus É Brasileiro, novo filme de Cacá Diegues. "Aparecemos no filme numa cena rápida, mas importante. Estamos cantando em um bar, quando Deus escuta a música e tem um estalo, tomando uma atitude que resolve a história", explica, orgulhoso. Lirinha conta como surgiu o convite: "O Cacá viu uma apresentação nossa no Teatro Rival (RJ) e nos chamou. Em uma semana a letra - também baseada no conto de João Ubaldo Ribeiro - já estava feita".

No novo disco, pode-se se ouvir as músicas Nossa Senhora da Paz (ou o Trapézio do Sonho), Tempestade (ou a Dança dos Trovões), A Matadeira (ou no Balanço da Justiça) e O Palhaço do Circo Sem Futuro (ou A Trajetória da Terra). Além disso, no show, o Cordel ainda faz a tradicional pausa declamatória de poesia. "Das poesias, têm as do disco novo (Dos Três Mal-amados/Palavras de Joaquim, de João Cabral de Melo Neto, por exemplo), Ai Se Sesse e outras que nem penso antes de subir ao palco", diz Lirinha.

O cenário do novo espetáculo foi feito por Emerson Calado (percussionista) e valoriza as ilustrações do encarte do CD. "Tem a imagem do profeta, de N. S. da Paz, da matadeira e do candeeiro, que foram feitas por Ricardo Tatoo, um artista de São Paulo. Tem também umas grades que lembram o globo da morte", detalha. Lirinha avisa que a prioridade para 2003 é o exterior. "Ano passado estávamos em estúdio quando os convites surgiram. Agora, já temos propostas da Alemanha, França e Bélgica", diz Lirinha.