D2 <i>bota banca</i> com o rap carioca
Vocalista do Planet Hemp está à frente do projeto Hip Hop Rio, CD que mapeia a nova produção dos rappers da cidade
Christian Caselli
15/10/2001
Há cerca de três anos, uma festa tem dando um rebuliço na noite da Lapa, bairro boêmio do Rio de Janeiro, gerando além de muita diversão um público consciente e talentoso. É o Hip Hop Rio, que acontece em diversos locais da cidade, como a Fundição Progresso, o centro do grupo teatral Tá na Rua, a casa de espetáculos Ballroom, etc. Organizada pelo vocalista e líder do Planet Hemp, Marcelo D2, e pelo produtor cultural Bruno Levinson, agora chegou a vez da festa virar CD para mostrar os valores descobertos . O disco Marcelo D2 Apresenta Hip Hop Rio segue a linha alternativa de vendagem lançada por Lobão, seguida pelos artistas da Net Records e agora também pelos Titãs - ou seja, via banca de jornal, custando R$ 14,90.
O CD possui 13 faixas, muitas delas interligadas por vinhetas de Marcelo D2 apresentando o que seriam as "atrações da noite". É para simular o clima de descontração do Hip Hop Rio ao vivo. Dos artistas escolhidos, há desde faixas mais gaiatas como a da Negaativa, com Pula na Muvuca (que nada tem a ver com coisas tipo "tapinha não dói", muito pelo contrário), até faixas mais fortes como Terror na Conduta ‘Guerra 2' do Esquadrão Zona Norte. A segunda faixa do CD - na verdade a primeira música -, MC's Emergentes, que faz uma série de citações filosóficas (algo inusitado no gênero), é do cantor e compositor Mahal, que é filho de Luiz Melodia.
Além dos artistas citados estão 3 Preto (com Estaca Zero), Black Alien & Speed (Rude Boy Style), Inumanos (Lenda Viva), BNegão (Prioridade), Núcleo Sucata Sound (Positive Sound), DJ Negralha (Aperte o Play e Aumente o P.A.), Artigo 331 (Zona Norte), além do próprio D2 em A Maldição do Samba. Na última faixa - cujo curioso título é A Última do Disco - todos os artistas se reúnem e dão o seu alô.
Bruno Levinson, produtor do disco e da festa (e também idealizador do festival Humaitá Pra Peixe), relembra os primórdios do projeto: “O Hip Hop Rio acontece desde 1997 sem dia definido. O Marcelo tinha muito vontade de fazer este disco. Eu conheço o Planet antes de assinar contrato e eu e o Marcelo sempre tivemos a vontade de trabalhar juntos. Eu estava trabalhando em uma gravadora (a Natasha Records), mas saí e resolvi tocar a vida sozinho; foi quando eu falei para o D2 que a hora era essa. O Marcelo já tinha começado, mas tinha muita pouca coisa gravada, então resolvemos tocar em frente." Para Bruno, o disco é importante para marcar a personalidade do rap carioca. "Queríamos mostrar a força do hip hop do Rio, que é diferente do de SP. Não é só o discurso bélico que conscientiza, muito pelo contrário; não posso dizer que tenho o orgulho de um (fuzil) AR-15. Nosso discurso é diferente, fora que o hip hop paulista é mais arrastado, mais lento, o carioca é suingado. Por causa da força dos Racionais MC, muitos quiseram ser iguais em SP, mas no Rio a coisa é mais autêntica", considera.
Marcelo D2 dá a sua versão da história: “Comecei a festa em 1997 e em 1998 eu tinha acabado de gravar meu álbum solo (Eu Tiro É Onda ). Então eu tinha um estúdio em casa e pensei ‘e agora?’. Só que tinham aparecido umas 30 bandas de hip hop em 1998, mas não eu tinha como lançar. Ficamos dois anos parados e em 2000 fizemos o selo Coletivo para lançar com a Net Records nas bancas. Algumas músicas já estavam prontas, a gente só remixou e fizemos de novo outras. Recomeçamos e acabamos no começo deste ano, este disco que dá a cara da cena carioca. Lógico que tem muito mais do que está aqui, mas já dá uma forma”. Para D2, mais do que afirmar o rap carioca, o mérito de Hip Hop Rio é tentar apontar uma estética própria para o hip hop brasileiro como um todo. "O hip hop faz parte da cultura de todas as bandas, só que no Rio faz parte também o samba - assim como a feijoada convive com o McDonald's. O hip hop pode atingir a um próximo nível, e uma saída é o samba, a música brasileira da qual se pode buscar a fonte em Tom Jobim, Candeia, Bezerra da Silva e Jovelina Pérola Negra - para compor aí um hip hop brasileiro."
Segundo D2, o disco captura bem a efervescência do novo cenário hip hop carioca. “Podia ter mais gente", fala o vocalista do Planet Hemp. "Mesmo que esteja aparecendo muita gente no Rio principalmente nas camadas menos favorecidas, já poderia ter acontecido este tipo de coisa antes." Será que o hip hop pode ser a nova onda da música jovem urbana, como o forró universitário? O que D2 acha disto? “É legal o forró pé de serra do Rio, a idéia de buscar o mais autêntico é boa. Já a tendência de misturar é meio normal da minha geração, como foi com o Chico Science, o Planet, o Mundo Livre e os próprios Raimundos, que misturava outros elementos. Vejo esta tendência como uma saída que música brasileira tomou, tem renovação com uma galera fazendo coisa nova. A MPB peca um pouco porque todo mundo quer ser o novo Caetano Veloso."
Bruno Levinson prefere apostar no potencial comercial do hip hop, sem esquecer da qualidade artística. "O rap é o ritmo que mais cresce no mundo e no Brasil não é diferente. O mercado fonográfico brasileiro é dominado por multinacionais e os interesses que regem são estritamente comerciais; eles vêem o disco como um produto, como um desodorante. Eu sou brasileiro e a minha preocupação é cultural, e como a gente é persistente, fizemos o disco com uma qualidade que não deve nada a ninguém", declara.
A solução alternativa para a distribuição do álbum é encarada por Levinson como estratégia de sobrevivência. "Não vejo mérito em pôr disco em banca de jornal para vender. Acho que isso é mais uma distorção do mercado, já que as multinacionais acabaram com as lojas de disco - por causa dos preços abusivos - e com as rádios devido ao jabá. Eu me preocupo ao saber que o Titãs estão indo para as bancas. Agora querem acabar com as bancas. Acho isto horrível, mas gosto de saber que fizemos o disco com uma puta qualidade, com um material sonoro da melhor qualidade possível, que não deixa nada a dever aos CDs internacionais. E ninguém está de santo nisto, todo mundo sai ainda ganhando dinheiro, fazendo uma parada possível e sabendo que o público vai comprar, sem pagar R$ 25, R$ 27 nas lojas", opina. "É o jeitinho brasileiro se manifestando. Mas se Zezé de Camargo & Luciano, KLB e etc. entrarem nas bancas, o mercado vai ficar doente e vamos vender discos na farmácia".
D2 afina o discurso com Levinson: “Eu acho que pôr o CD nas bancas fica mais fácil de chegar na galera, loja de disco é mais difícil de convencer as pessoas de escutar, de que o trabalho vale a pena. Não ia sair por um preço legal, mas na banca por R$ 14,90 dá até para concorrer com pirataria. Esta idéia me fascinou: ter o disco ali, para a galera de hip hop. É mais fácil de fazer discos e ganhar grana."
O CD possui 13 faixas, muitas delas interligadas por vinhetas de Marcelo D2 apresentando o que seriam as "atrações da noite". É para simular o clima de descontração do Hip Hop Rio ao vivo. Dos artistas escolhidos, há desde faixas mais gaiatas como a da Negaativa, com Pula na Muvuca (que nada tem a ver com coisas tipo "tapinha não dói", muito pelo contrário), até faixas mais fortes como Terror na Conduta ‘Guerra 2' do Esquadrão Zona Norte. A segunda faixa do CD - na verdade a primeira música -, MC's Emergentes, que faz uma série de citações filosóficas (algo inusitado no gênero), é do cantor e compositor Mahal, que é filho de Luiz Melodia.
Além dos artistas citados estão 3 Preto (com Estaca Zero), Black Alien & Speed (Rude Boy Style), Inumanos (Lenda Viva), BNegão (Prioridade), Núcleo Sucata Sound (Positive Sound), DJ Negralha (Aperte o Play e Aumente o P.A.), Artigo 331 (Zona Norte), além do próprio D2 em A Maldição do Samba. Na última faixa - cujo curioso título é A Última do Disco - todos os artistas se reúnem e dão o seu alô.
Bruno Levinson, produtor do disco e da festa (e também idealizador do festival Humaitá Pra Peixe), relembra os primórdios do projeto: “O Hip Hop Rio acontece desde 1997 sem dia definido. O Marcelo tinha muito vontade de fazer este disco. Eu conheço o Planet antes de assinar contrato e eu e o Marcelo sempre tivemos a vontade de trabalhar juntos. Eu estava trabalhando em uma gravadora (a Natasha Records), mas saí e resolvi tocar a vida sozinho; foi quando eu falei para o D2 que a hora era essa. O Marcelo já tinha começado, mas tinha muita pouca coisa gravada, então resolvemos tocar em frente." Para Bruno, o disco é importante para marcar a personalidade do rap carioca. "Queríamos mostrar a força do hip hop do Rio, que é diferente do de SP. Não é só o discurso bélico que conscientiza, muito pelo contrário; não posso dizer que tenho o orgulho de um (fuzil) AR-15. Nosso discurso é diferente, fora que o hip hop paulista é mais arrastado, mais lento, o carioca é suingado. Por causa da força dos Racionais MC, muitos quiseram ser iguais em SP, mas no Rio a coisa é mais autêntica", considera.
Marcelo D2 dá a sua versão da história: “Comecei a festa em 1997 e em 1998 eu tinha acabado de gravar meu álbum solo (Eu Tiro É Onda ). Então eu tinha um estúdio em casa e pensei ‘e agora?’. Só que tinham aparecido umas 30 bandas de hip hop em 1998, mas não eu tinha como lançar. Ficamos dois anos parados e em 2000 fizemos o selo Coletivo para lançar com a Net Records nas bancas. Algumas músicas já estavam prontas, a gente só remixou e fizemos de novo outras. Recomeçamos e acabamos no começo deste ano, este disco que dá a cara da cena carioca. Lógico que tem muito mais do que está aqui, mas já dá uma forma”. Para D2, mais do que afirmar o rap carioca, o mérito de Hip Hop Rio é tentar apontar uma estética própria para o hip hop brasileiro como um todo. "O hip hop faz parte da cultura de todas as bandas, só que no Rio faz parte também o samba - assim como a feijoada convive com o McDonald's. O hip hop pode atingir a um próximo nível, e uma saída é o samba, a música brasileira da qual se pode buscar a fonte em Tom Jobim, Candeia, Bezerra da Silva e Jovelina Pérola Negra - para compor aí um hip hop brasileiro."
Segundo D2, o disco captura bem a efervescência do novo cenário hip hop carioca. “Podia ter mais gente", fala o vocalista do Planet Hemp. "Mesmo que esteja aparecendo muita gente no Rio principalmente nas camadas menos favorecidas, já poderia ter acontecido este tipo de coisa antes." Será que o hip hop pode ser a nova onda da música jovem urbana, como o forró universitário? O que D2 acha disto? “É legal o forró pé de serra do Rio, a idéia de buscar o mais autêntico é boa. Já a tendência de misturar é meio normal da minha geração, como foi com o Chico Science, o Planet, o Mundo Livre e os próprios Raimundos, que misturava outros elementos. Vejo esta tendência como uma saída que música brasileira tomou, tem renovação com uma galera fazendo coisa nova. A MPB peca um pouco porque todo mundo quer ser o novo Caetano Veloso."
Bruno Levinson prefere apostar no potencial comercial do hip hop, sem esquecer da qualidade artística. "O rap é o ritmo que mais cresce no mundo e no Brasil não é diferente. O mercado fonográfico brasileiro é dominado por multinacionais e os interesses que regem são estritamente comerciais; eles vêem o disco como um produto, como um desodorante. Eu sou brasileiro e a minha preocupação é cultural, e como a gente é persistente, fizemos o disco com uma qualidade que não deve nada a ninguém", declara.
A solução alternativa para a distribuição do álbum é encarada por Levinson como estratégia de sobrevivência. "Não vejo mérito em pôr disco em banca de jornal para vender. Acho que isso é mais uma distorção do mercado, já que as multinacionais acabaram com as lojas de disco - por causa dos preços abusivos - e com as rádios devido ao jabá. Eu me preocupo ao saber que o Titãs estão indo para as bancas. Agora querem acabar com as bancas. Acho isto horrível, mas gosto de saber que fizemos o disco com uma puta qualidade, com um material sonoro da melhor qualidade possível, que não deixa nada a dever aos CDs internacionais. E ninguém está de santo nisto, todo mundo sai ainda ganhando dinheiro, fazendo uma parada possível e sabendo que o público vai comprar, sem pagar R$ 25, R$ 27 nas lojas", opina. "É o jeitinho brasileiro se manifestando. Mas se Zezé de Camargo & Luciano, KLB e etc. entrarem nas bancas, o mercado vai ficar doente e vamos vender discos na farmácia".
D2 afina o discurso com Levinson: “Eu acho que pôr o CD nas bancas fica mais fácil de chegar na galera, loja de disco é mais difícil de convencer as pessoas de escutar, de que o trabalho vale a pena. Não ia sair por um preço legal, mas na banca por R$ 14,90 dá até para concorrer com pirataria. Esta idéia me fascinou: ter o disco ali, para a galera de hip hop. É mais fácil de fazer discos e ganhar grana."